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É triste ver tamanha degradação em uma série que eu gostei tanto da primeira temporada. Tantos personagens interessantes, temas provocativos, combinados em uma narrativa que não é perfeita, mas que até mesmo seus defeitos adicionam personalidade ao resultado final. Essa segunda temporada, contudo, tem os personagens, adicionou alguns novos e rasos, tem um conflito bem mais preto e branco, sem propôr reflexões ao espectador, e a história em si é contada de um jeito apelativo e sem pé nem cabeça. E esse nono episódio, o pior da série até agora e sem nenhuma característica redentora, serve também como uma síntese de tudo o que foi feito errado em Psycho-Pass 2.

Psycho-Pass 2 é apelativo, apresentando violência apenas para chocar. Não há nada por trás dos assassinatos cometidos na clínica, na fábrica ou nesse episódio. Servem apenas para mostrar como o vilão é mau que nem o pica-pau. Na primeira temporada, ao contrário, mesmo um arco terrível como o da Rikako (a “escultora” de corpos humanos) procurava ter um subtexto. Claro que em momento algum a série tenta dizer que a Rikako poderia estar certa, mas ela estava imitanto o pai, que cometia o mesmo tipo de brutalidade que ela só que com o intuito de questionar valores da sociedade. Ele também estava errado e isso em nenhum momento é questionável, mas os problemas que ele aponta na sociedade são reais. Enquanto isso, o Kamui está em uma busca infantil por vingança que não mede consequências nem escolhe alvos.

Psycho-Pass 2 é forçado, em sua ânsia por construir logo sua intrincada conspiração Tow Ubukata ignora toda forma de sutileza e soca informações complexas no espectador sem dó nem piedade. Desde o primeiro episódio já sabemos quem é o vilão da série e desde o terceiro já temos uma boa ideia de seu modus operandi. O que se segue então é uma sequência dolorosa de episódios, cada um contando casualmente um aspecto novo sobre Kamui, seu plano ou como ele consegue fazer tudo o que ele faz. Nesse nono episódio, é revelado que ele tem um amigo em alto cargo no governo, que o apresentou a influentes figurões que se opõem ao Sistema Sybil e por isso estão dispostos a ajudá-lo. E isso tudo sem mais nem menos. Mal Tsunemori descobre isso em sua investigação (que se resume a cruzar informações em computadores, de todo modo) e corta para uma cena de Kamui com os ditos figurões. Que, de forma adequadamente apelativa, são descartados em seguida. Na primeira temporada a investigação de cada caso e do grande vilão é emocionante de se acompanhar. No começo sequer temos ideia de quem seja o grande vilão, vamos conhecendo-o aos poucos, e mesmo quando ele começa a aparecer em tela sabemos muito pouco sobre ele. Apenas o assistimos manipular outras pessoas. Mas por quê? Qual seu propósito? Isso é algo que só é revelado após extensa investigação. Talvez ter apenas onze episódios tenha afetado Psycho-Pass 2, mas se esse é o caso, talvez tenha sido um erro o escopo de Psycho-Pass 2 ser tão grande. A história talvez devesse simplesmente ser menor, mais curta. Mas ao contrário disso, ela é maior: Sybil também está aprontando das suas, participando ativamente da história muito mais do que na primeira temporada.

Psycho-Pass 2 tem vilões unidimensionais. Já mencionei como Kamui é só um imbecil com a vista nublada pelo desejo de vingança, mas seus auxiliares não ficam atrás. Todos até agora tinham um único objetivo muito direto e francamente mesquinho, e fizeram tudo o que podiam para obedecer Kamui cegamente. No nono episódio há o tal figurão amigo do Kamui que dá sua missão por cumprida e, como todos os demais que o antecederam, se deixa capturar. E seu motivo também é mesquinho, e praticamente o mesmo de Kamui porque estudaram na mesma escola e ele só não morreu naquele acidente de avião porque o destino o tirou do vôo. Desde então, ai que dó, ele se sente super culpado com isso, passou a odiar Sybil porque sabe que ele foi o responsável pela morte de incontáveis inocentes, e está agora ajudando a matar incontáveis inocentes para derrubar Sybil. Sybil que, aliás, é o outro vilão de Psycho-Pass segunda temporada. Com tudo o que descobri sobre o Sistema na primeira temporada, estava empolgado com a segunda. Mas de um sistema falho que de alguma forma sacrifica uns poucos em nome do bem maior calculável da maioria ele se transformou em uma máquina com sede de poder. De uma máquina que mecanicamente não é capaz de correr riscos, ele se transformou em um sistema estúpido que deixa um assassino e a maior prova de que ele é falho à solta, usando sua excessiva lógica não para se livrar do vilão, mas para efetivamente dificultar sua captura, ainda que esse seja também um objetivo seu. Na primeira temporada Makishima sabe que está errado, mas mesmo assim quer derrubar o sistema. Ele lentamente encontra pessoas semelhantes a ele ou que ele pode de alguma forma usar, e constrói metodicamente seu plano. Ele quer derrubar Sybil por quê? Porque discorda dele. Porque discorda da sociedade mecânica que ele cria. Quando descobre a verdade e tem a chance de fazer parte do sistema, ele se recusa. Ele pode não ser o melhor vilão que eu já vi, e não é, mas ele é muito mais humano e complexo que os vilões dessa segunda temporada.

Psycho-Pass 2 não faz sentido. Eu dediquei meu artigo sobre o episódio anterior a dissecar a personagem Shimotsuki e dizer o quanto suas ações não são razoáveis, não importa quanto seja sua imaturidade, raiva, inveja, ou qualquer coisa que ela seja ou sinta por Tsunemori. Ela não é a única coisa sem sentido da temporada, contudo. Em geral, todos os que duvidaram de Tsunemori contra todas as evidências agiram contra qualquer lógica. O Togane em si é um personagem completamente sem sentido: por que um sistema com dezenas, talvez centenas de cérebros, iria privilegiar um indivíduo? Só porque ele é filho de um deles? Ora, e a Rikako, da primeira temporada? Seu pai também fazia parte de Sybil, mas ele nunca se importou com ela. Aliás, será que todos os cérebros de Sybil são livres para favorecerem seus familiares? Nesse nono episódio, há um caso de falta de sentido impressionante: Togane pressiona Shimotsuki a obedecê-lo, dizendo falar em nome de Sybil, então ele ordena a ela que descubra o paradeiro da avó de Tsunemori. O que poderia render algumas cenas, vá lá, interessantes, é jogado fora no lixo quando o figurão amigo do Kamui captura a avó de Tsunemori. Para quê serviu aquela cena entre Togane e Shimotsuki? Para piorar, depois Togane encontra a velha dentro de um porta-malas qualquer. Como? Ele subitamente passou a trabalhar com Kamui? Não duvido disso, apenas não faz sentido. Psycho-Pass 2 começa meio sem sentido, com a Tsunemori ainda trabalhando para Sybil apesar de saber do que ele é feito. Os episódios passam e a série faz cada vez menos sentido. Na primeira temporada, algumas coisas parecem confusas a princípio, mas depois vão se esclarecendo de forma assustadora.

Já na reta final, aquela mansão pegando fogo é uma boa síntese dessa temporada de Psycho-Pass. O que queimou dentro da mansão não foram pessoas, operadas e deformadas para se parecerem com animais. O que queimou lá dentro foi a primeira temporada de Psycho-Pass, já completamente deformada pelos oito primeiros episódios de Psycho-Pass 2. Tow Ubukata não está escrevendo uma continuação digna de Psycho-Pass, mas uma fanfic especialmente ruim sobre o anime. Espero que tenha sido a isso que o Gen Urobuchi tenha se referido quando disse que essa temporada era cruel demais. Cruel com os fãs, cruel com a série.

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