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Esse episódio se dedica a mostrar como os alunos da classe 3-E sofrem apenas porque são da classe 3-E. No sistema perverso da escola onde estudam, eles são como sacrifícios para os deuses da aprovação no vestibular para garantir que os demais alunos terão sucesso no prosseguimento de seus estudos. Todos são cúmplices disso: a administração da escola que implementou e sustenta esse sistema, o corpo docente que o usa gostosamente, e muito especialmente os demais alunos que não perdem chance de humilhar, maltratar, abusar e olhar com desprezo para os alunos da Turma do Fim. Só que os normalmente cabisbaixos e psicologicamente destruídos alunos dessa turma agora voltaram a ter orgulho próprio e esperança, e isso não será tolerado.

Assassination Classroom comete um exagero para acrescentar drama e tornar os vilões ainda mais vilânicos. Conforme um professor ou funcionário ou o que quer que seja revela em conversa com o diretor do colégio a turma 3-E é discriminada para que os demais alunos possam olhar para eles com desprezo e alcançarem maior sucesso. É relevante assinalar como classes dominantes usam a discriminação contra minorias para manter seus privilégios, mas isso normalmente é um processo natural. Na escola em questão, contudo, é uma situação artificial forçada pela administração. E não só isso, mas ela serve não apenas para manter privilégios como também para conquistar privilégios novos. Caricato, exagerado, mas eficiente em demonstrar algo tão cotidiano quanto cruel. Em escolas, contudo, creio ser isso bem mais incomum. O normal e mais barato é a discriminação positiva de uma turma de alunos acima da média para usá-los como propaganda (veja notícias sobre a classificação de escolas no ENEM mais recente para um exemplo da vida real).

Mensalmente a escola realiza reuniões gerais que contam com a presença de todos os alunos para informes da escola e do Conselho Estudantil, e até mesmo a turma 3-E deve comparecer ainda que seja excluída da quase totalidade das atividades. O caminho entre o prédio onde a Turma do Fim tem aulas e o ginásio da escola é a primeira humilhação pela qual os alunos excluídos devem passar: uma trilha longa e cheia de obstáculos. A segunda humilhação é a obrigação que eles têm de serem os primeiros a chegar. Depois ficam sob o olhar de desprezo de todos os demais alunos e têm que sofrer calados os abusos verbais de que são alvo. Abusos verbais que se repetem nos discursos de professores e representantes do Conselho Estudantil. São maltratados até mesmo ao serem os únicos a não receber um panfleto e serem forçados a decorá-lo conforme discurso do conselheiro. A turma 3-E de fato está lá apenas para que todos os demais alunos tenham em quem pisar. O que é uma eficiente política de medo: quem vai querer correr o risco de ser exilado para essa turma?

Mas dessa vez as coisas são um pouco diferentes. Os alunos da 3-E não parecem deprimidos, muito pelo contrário. E isso fica ainda mais evidente conforme eles interagem com seus professores, que por acaso são jovens e bonitos. Afinal professores de carreira não são, mas sim um funcionário da área de segurança do governo bem treinado fisicamente e uma assassina, ambos no auge de sua forma física, o que os demais alunos não sabem mas que desperta sua inveja. Por fim, o próprio professor Koro, que não deveria ter comparecido, se disfarça (bem mal, mas todo mundo parece ter engolido mesmo assim) e irrita profundamente o conselheiro e os demais alunos por prover cópias do panfleto que a 3-E não deveria possuir. Se a intenção era humilhar a Turma do Fim para estimular os demais alunos a se afastarem o máximo possível dela, dessa vez o tiro saiu pela culatra. E quando a notícia chega aos ouvidos do diretor ele é categórico: recolocar a 3-E de volta em seu lugar subalterno é mais importante até mesmo que o assassinato do professor Koro, o que indiretamente significa dizer que é mais importante a turma 3-E ser esmagada do que o mundo ser salvo. Esse provavelmente será o primeiro grande conflito da turma de excluídos.

Apesar dessa reunião ter sido a parte mais importante do episódio, é difícil imaginar como poderiam encher um episódio inteiro com ela sem ficar tedioso. De fato, creio que os produtores pensaram exatamente nisso e ocuparam a parte inicial do episódio com mais um caso básico do professor Koro ajudando um aluno. No caso, uma aluna muito boa em química e em exatas em geral mas horrível em idiomas e humanas tenta matar o professor envenenado. Como ela é tão ruim com questões sem resposta exata, ela é ruim não apenas em matérias humanas mas também em habilidades sociais e conversação. Imagino que a professora Irina tenha muito para ensinar a ela. Mas o herói é o professor Koro, e ele bebe os venenos que ela prepara mesmo que ela tenha pedido diretamente a ele para fazer isso, entregando seu plano de assassinato de antemão. Ele até mesmo a ensina depois a fazer um veneno que, diz ele, será capaz de matá-lo. Lógico que ele estava mentindo, mas ele usa isso para ensinar uma lição a ela: não importa o quanto ela seja uma química brilhante, ela ainda precisa saber usar as palavras para transmitir seu brilhantismo para o mundo. Sem complicar demais, parece que Assassination Classroom vem seguindo essa sua própria lição e está conseguindo transmitir bem suas mensagens até agora.

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