[sc:review nota=5]

Que final sensacional! Decim enganou Chiyuki uma última vez para julgá-la, e colocadas as coisas dessa forma e considerando a má impressão que eu tinha dele após o episódio anterior, era de se esperar uma terrível crueldade. E foi uma terrível crueldade! O fato da Chiyuki não ter protestado não muda isso. Ela é compreensiva, ela viveu com Decim todo esse tempo e o entende. Também não é possível afirmar que, embora dentro de um sistema naturalmente mau, os seus agentes sejam maus também. Eles não têm escolha, eles não criam as regras, e eles sequer entendem o que estão fazendo. Eles são apenas bonecos.

Até mesmo Oculus, que é o chefe ali, é apenas um boneco. Certamente ele foi, de alguma forma, por alguém, “programado” para manter as coisas daquele jeito. E dá para entender por quê: Coloque um pouco de sentimento humano em um boneco e uma hora ele acabará perdendo a capacidade de julgar. As ações de Decim foram super exageradas, ele recriou a cada da Chiyuki, a mãe da Chiyuki, tudo para fazê-la acreditar que havia de fato voltado a sua casa. Tudo para julgar se, nesse condição extrema, ela era mesmo uma pessoa boa ou má. Há um lado sombrio dentro de Chiyuki? Sem dúvida há, como há dentro de todo ser humano, principalmente quando são forçados para além de seus limites emocionais. Decim fez precisamente isso com Chiyuki, fazendo-a ver sua mãe chorar sua morte, tentando-a com a oferta de ressurreição, forçando-a a se arrepender. De alguma forma, Chiyuki não cedeu. Quero dizer, não cedeu completamente, né, porque ela não se sentiu capaz de “matar” um ser humano aleatório por conta própria mas pediu, implorou que o Decim fizesse isso em seu lugar. E quem pode condená-la por isso naquela situação? Quem poderia condená-la mesmo que tivesse apertado o botão? É como o próprio Decim disse, todos irão morrer cedo ou tarde, e o mundo é naturalmente injusto. Que diferença faria se outra pessoa morresse para que ela pudesse viver? Eu teria muito apertado aquele botão.

Mas Chiyuki não apertou. Altruísta? Mas ela pediu para Decim apertar. Então o quê? Não vou cometer o erro de relativizar e dizer que todos são essencialmente iguais. Não são. Aquele inspetor de polícia com certeza foi, de longe, o mais maligno de todos os julgados. É fato que ele tinha um motivo para ter se tornado o que se tornou, e que a sociedade falhou com ele. Jamais poderia ter sido permitido que ele continuasse sendo um inspetor de polícia, e existem profissionais de saúde mental entre outras coisas justamente para diagnosticar e tratar casos como o dele. Mesmo assim ocorrem falhas. Pois no mundo real não acaba de cair um avião justamente por causa disso? O piloto foi diagnosticado com depressão grave, não deveria ter sido permitido trabalhar, mas a informação não chegou onde deveria e deu no que deu. O piloto e o investigador são responsáveis pelas escolhas que fizeram, mas haviam meios para a sociedade impedir que causassem mal maior para terceiros e para si próprios, e ela falhou. Feita essa digressão, Chiyuki no fim das contas é boa ou má?

E o que essa pergunta importa? Já falei muito sobre isso em outros episódios, mas vou repetir de novo. O sistema é injusto. Assim como o mundo é injusto, o pós-mundo também é. Os julgamentos são injustos e muitas vezes cruéis. E não importa quantas vidas virtuosas você teve, na primeira que você pisar na bola você será apagado da existência. Se for julgado pelo Decim, pelo menos sobrará um manequim seu. Se for julgado pelo Ginti, talvez sobre uma bonequinha cabeçuda esquisita. Em ambos casos provavelmente não restará sequer memória. E para piorar, sempre existe a chance de você ter levado uma vida relativamente virtuosa mas ser provocado da forma certa a ponto de estourar e ser condenado. Ou de ser condenado aleatoriamente porque o juiz sinceramente não se importa. Portanto, é inútil buscar uma resposta dentro desse mundo construído, com as regras que ele têm. Qual é o ponto de Death Parade então?

Mostrar que o mundo é injusto? Ok, é mesmo. Só isso? Quero dizer, se for só isso, então Death Parade é um anime depressivo pra caramba, né? Porém ele não é depressivo. Ele sequer é uma tragédia, já que a Chiyuki acaba reencarnando e nem Nona nem Decim sofrem qualquer tipo de punição. Como bônus anti-depressivo, o Ginti faz uma bonequinha da Mayu. Todos que passaram pelos julgamentos se arrependeram do que quer que tenham feito de errado durante a vida ou depois dela. Bom, todos menos o inspetor de polícia, mas ele era um caso muito mais grave e que precisava de um tratamento muito melhor, algo que é difícil de se encontrar em um tribunal que te força a ser o pior que você é capaz de ser. Adúlteros, assassinos, suicidas que não pensaram na família, pais que negligenciaram seus filhos, todos se arrependeram sinceramente. Porque é humano cometer erros, as vezes erros terríveis, mas também é da natureza humana o arrependimento. O que o tribunal faz bem não é tanto mostrar a natureza de cada pessoa, mas mostrar todo o potencial de ser qualquer coisa que todo ser humano tem. Pessoas nascem, vivem, fazem muitas coisas, e um dia têm uma morte estúpida, porque a morte é sempre uma estupidez. O que poderia ter sido diferente? O que poderia ter sido melhor? Seres humanos pensam nisso, quase qualquer pessoa que você perguntar adoraria voltar no tempo e corrigir algum erro do passado.

Chiyuki gostaria de não ter se suicidado, de não ter entristecido sua mãe, sua família, seus amigos. Ela gostaria de ter descoberto antes que viver era muito mais do que patinar, mesmo que ela não soubesse fazer nada além disso, mesmo que ela amasse patinar. Decim viu isso nela. Como Jimmy via Chavvot e queria se aproximar dela, entendê-la melhor, Decim queria se aproximar de Chiyuki e entendê-la. Ele fez o melhor que ele pôde para isso, da forma como ele sabe fazer, e continuou angustiado até o fim. Ele tinha todas as memórias dela e ainda assim não a entendia plenamente. O que ele aprendeu com essa experiência? Que ser humano não é ter passado, é o maravilhoso potencial de ter qualquer futuro que se deseje. E ainda que isso seja impossível de julgar, o mundo continua sendo injusto e ele continua tendo que julgar. Então ele vai julgar, mas certamente deve fazer isso de uma forma diferente da qual ele sempre havia feito. Nesse sentido, Nona teve sucesso. Como o mundo continua sendo injusto, Oculus cria uma nova regra para impedir que a experiência pela qual Decim passou volte a acontecer. Mas independente disso as pessoas continuarão se esforçando para viver, e é isso o que importa. Em um mundo injusto, viver é sofrer. O sofrimento, como todos os sentimentos humanos, é uma parte indispensável da experiência humana. Os juízes precisam entender pelo menos isso. Antes de julgar qualquer pessoa, você precisa entender pelo menos isso.

  1. “Lá fora a neve caia, então Jimmy vislumbrou uma garota correndo com um cão no gelo, Jimmy imediatamente começou a gostar dessa garota. Afinal ela era muito bela e possuía um sorriso encantador. Jimmy disse à garota: “Vamos brincar!”
    Mas a garota apenas sorriu, e não respondeu. A garota não podia ouvir então ela não sabia o que ele havia dito. Jimmy queria transmitir seus sentimentos. Então ele correu, caiu, brincou na neve, sorriu e a garota compreendeu o que Jimmy fazia. Jimmy estava feliz: “Algum dia irei transmitir meus sentimentos a ela.” – Chavvot.

    Às vezes, ou nem sempre, conseguimos alcançar a quem desejamos, algo nos interrompem. Mesmo assim somos capazes de teimar. Às vezes, apenas um sorriso é capaz de nos expressar para os outros – Talvez fosse isso o necessário para os julgados anteriormente.

    Death Parade é uma série formidável. No entanto, o final me decepcionou – O drama foi forçado e os relacionamentos entre os personagens não ocorria de forma natural, como ocorria anteriormente.
    Fora isso, ótimo post. Até mais!

    • Fábio "Mexicano" Godoy

      A história da Mulher de Cabelo Negro é linda, e a sequência de patinação é uma das mais bonitas e emocionantes que eu já assisti. Mas acho que Death Parade deu um foco exagerado ao mundo que ele criou e sobre o qual ele não pretendia, no final das contas, responder nada. Ainda não sei que lugar é aquele. Ainda não sei quem foi salvo de verdade e quem não foi (mas essa parte eu entendo ser deixada para interpretação do espectador de propósito). Não sei nada sobre o relacionamento das pessoas lá, porque aquele lugar existe, porque é daquele jeito. Em vários momentos Death Parade deu a entender que isso era importante. E no final não era. A solução final do Decim é apelativa, mas apenas tanto quanto todos os outros julgamentos que ele realizou, a diferença é que ali não fomos apenas espectadores passivos que sabiam tudo o que estava acontecendo. Funcionou maravilhosamente bem, na minha opinião.

      E tenho vontade de chorar cada vez que me lembro que a Mayu foi jogada no vazio.

Deixe uma resposta para Fábio "Mexicano" Godoy Cancelar resposta