[sc:review nota=4]

Plastic Memories volta a ter um episódio que empolga, que desenvolve a tema do anime, faz avançar o enredo, cria situações onde seus personagens poderão evoluir e, de quebra, explica algumas coisas sobre o passado que podem ter tudo a ver com a Isla. Mas ao mesmo tempo é um episódio tão cravejado de furos de enredo e com uma narrativa que entrega tudo tão sem necessidade jogando a fora boas oportunidades de surpresas e suspense que não posso evitar continuar preocupado com o futuro do anime. Será que em futuros episódios mais mornos, e eles certamente existirão ainda, Plastic Memories conseguirá manter esse nível? Ou acabará sucumbindo às suas falhas? Bom, quando os episódios futuros vierem, eu falo sobre eles. Agora vou falar é desse quinto episódio.

Parece que um mesmo passado traumático é compartilhado por Isla, Kazuki e Michiru. Já sabíamos que Michiru havia sido criada por um pai-giftia e que ele havia fugido antes de ser recolhido e entrado no modo wanderer. Também sabíamos que Isla e Kazuki haviam sido uma dupla e em algum momento, por algum motivo, elas se separaram de forma dramática. Agora esse episódio revela que Kazuki estava presente no momento em que o giftia que criou Michiru é destruído após se tornar um wanderer, e de fato era a recolhedora encarregada por ele. Ela própria estava sem um giftia a acompanhando, então não é possível afirmar com certeza que a Isla devesse estar ali (elas poderiam ter se separado antes, afinal), mas é muito provável que seja o caso. A ausência da Isla indica que ela possa ter fracassado na missão e por culpa dela, então, Kazuki perdeu parte de uma perna (hoje ela usa uma prótese) e Michiru acabou assistindo ao massacre do andróide que para ela representava uma figura paterna e que era o endereço de seu afeto. Prosseguindo na especulação, é provável que esse tenha sido o momento em que Isla foi “aposentada”.

Para Kazuki e Michiru certamente foi um golpe duro, mas para Isla foi muito pior. E elas sabem disso e essa deve ser a razão pela qual são tão superprotetoras com relação a Isla hoje. Pouco sabem elas o mal que isso está causando para Isla. Veja, Isla, como todo giftia, possui emoções e auto-consciência humanas plenas, e simultaneamente ela sabe que ela existe para uma única função, para uma única “família”, e que seu tempo de vida não só é limitado como tem uma hora precisa para chegar e ele não está distante. Ela existe para trabalhar recolhendo giftias, e mesmo assim falhou e foi aposentada (Marcia, por contraste, está cumprindo sua função de mãe-irmã mais velha do Souta até o fim, e esse tem sido o caso de todos os giftias recolhidos até agora). Michiru e Kazuki acham que a estão preservando, porque ela está perdendo suas habilidades e não querem que ela corra o risco de fracassar e se frustrar de novo. Elas acham que a fazem bem, mas não poderiam estar sendo mais cruéis com Isla. Você encontra isso no mundo real em toda parte onde há um idoso ou deficiente cujos filhos, pais, ou quaisquer parentes que sejam seus responsáveis continuamente os impedem de realizar diversas tarefas sob a justificativa de ajudá-lo ou poupá-lo mesmo que ele seja plenamente capaz, ainda que eventualmente com limitações. Não só é uma boa história como também é uma crítica carregada de humanidade e realismo. É isso o que boas histórias sobre quase-humanos fazem de melhor: criticam a nossa própria humanidade.

Depois de muitos anos sendo tratada assim e remoendo sua falha que poderia ter custado a vida de outras pessoas, a vida da Kazuki ou da Michiru (e giftias devem sofrer de remorso muito mais do que seres humanos – lembre-se que eles não esquecem de nada, jamais!), Isla se fechou. Ela não quer mais se aproximar de ninguém. E isso é aberto para interpretação também. Isla se fechou para se proteger, para evitar que mais pessoas a machuquem mesmo que estejam querendo o bem dela? Ou ela se fechou porque acha que assim reduz o risco de se tornar uma wanderer? No caso do pai-giftia da Michiru e da mãe-giftia do Souta, quando eles já estavam sofrendo os efeitos da perda de memória e personalidade, o gatilho final antes de se tornarem definitivamente violentos foi ouvir a voz de seus filhos humanos. Plastic Memories mais do que sugere que memórias afetivas fortes são a causa da transformação em wanderer. Se Isla puder evitar isso, mesmo que o pior aconteça e ela não seja desativada a tempo, talvez não se torne uma wanderer.

A menção aos “direitos dos giftias” foi interessante, mas por enquanto foi só uma forma esperta para explicar porque os andróides não têm um dispositivo de rastreio. E funcionou bem, tem tudo a ver com a temática da dualidade humano-máquina discutir os direitos de um robô com traços de humanidade. A empresa ter contratado uma firma de segurança particular para lidar com o roubo da giftia também faz muito sentido: fosse a segurança pública envolvida a história sobre robôs superpoderosos que saem de controle estaria em todas as manchetes no mesmo instante, e nada poderia ser pior para sua imagem corporativa e suas vendas e negócios. Ainda assim, preciso perguntar: por que todos os giftias são superpoderosos em primeiro lugar? E aqui começam os furos do enredo.

Repetindo a pergunta que fiz acima: por que giftias são superfortes e super-ágeis, se essas suas super-habilidades ficarão travadas durante toda sua vida útil de todo modo? O anime fala sobre a possibilidade dos recolhedores destravarem os seus giftias para lutar contra os wanderers, mas não acredito que o destravamento esteja disponível para qualquer usuário realizar a qualquer momento. Deve requerer protocolos, ferramentas ou códigos especiais que simplesmente não estão à disposição dos clientes, tornando esses recursos virtualmente inúteis e ainda potencialmente perigosos na hipótese do giftia se tornar um wanderer e ter tais limitadores removidos. Em rigor, fosse para giftias terem superpoderes apenas os dos recolhedores deveriam ser assim. E eles não precisariam, de todo modo, se os giftias vendidos aos consumidores também não tivessem. Seria bom se dessem uma boa resposta para isso, mas estou cético. Me parece mais que é só para aumentar os níveis de risco a troco de nada, apenas pelo efeito que isso causa no enredo – o que é um meta-motivo, não uma explicação razoável dentro do universo do anime. E temo ainda por explicações estapafúrdias como os giftias serem na verdade armas militares aguardando para ser ativadas ou qualquer conspiração do tipo.

O mercado negro ainda está muito mal explicado. Por que alguém teria interesse em roubar giftias próximos à data de expiração? Por partes e peças? Mas sendo um mercado controlado por uma só empresa, a manutenção deve ser rigidamente controlada por ela também, o que torna essa operação mais difícil. Não é como vender partes de carros roubados, em que o comprador pode reparar o seu próprio veículo gastando muito menos e jamais ser descoberto. Talvez queiram apenas dar prejuízo para a companhia que fabrica os giftias, mas que prejuízo seria esse? Ou será que sabem como evitar o modo wanderer ou, pior, controlar giftias depois que entram no modo wanderer, o que os permitiria criar um exército de super robôs? Outra hipótese é eles estarem atrás não dos robôs, mas das memórias. O que ganhariam com isso de todo modo? Há muitas explicações possíveis, mas todas são tão complexas que Plastic Memories pode se complicar optando por qualquer uma delas. E ficar sem explicação não é lá muito bom também.

Soa de uma estupidez ímpar também colocar funcionários que até onde eu sei não têm nenhum treinamento em combate (o Tsukasa pelo menos não tem nenhum, e nada me convence que os demais ali tenham e só ele ficou de fora – há também uma garota de 17 anos trabalhando ali, você acha razoável que ela tenha treinamento em combate?) para caçar um potencial wanderer agora que vimos o quão perigoso um wanderer pode ser. Claro, para missões normais, os giftias bastam para realizar qualquer trabalho pesado. Sempre alguém pode ameaçar os recolhedores, mas não é como se o tipo de dano possível aqui fosse grande coisa. Um wanderer é coisa totalmente diferente. Eles são muito fortes e completamente imprevisíveis. Colocar uma arma na mão do Tsukasa (que havia passado a última noite em claro, além de tudo) e mandar ele ir caçar a Marcia com uma giftia sabidamente defeituosa foi além de irresponsabilidade, isso daí deveria ser considerado homicídio culposo caso acabasse em morte. E o Tsukasa, como esperado, reage muito mal também: por que diabos ele achou que era boa boa ideia dar a mão para um robô enlouquecido com força para arremessar toneladas? Ele não gosta tanto assim do próprio braço? Isso no mínimo. E por que ele demorou a atirar? Por medo de acertar o Souta é que não foi, afinal já haviam dito claramente a ele que aquelas armas são inofensivas contra seres humanos. Ele ainda estava com pena da Marcia? Tudo bem, eu também estava. Mas estava com mais pena ainda do Souta, que ela estava matando esganado!

O título de maior furo de enredo contudo cabe ao Souta. Ele ter sido abandonado pelo Tsukasa e pela Isla foi bem tosco. Ele é uma criança sozinha que de repente teve seu único parente tirado de si. Acharam mesmo que era uma boa ideia deixar ele sozinho em casa? Acharam que ele iria pensar racionalmente e ficar em casa, apenas esperando? Mas isso é coisa pequena. Pessoas erram, eles podem ter cometido esse erro. Outros erros são bem difíceis de explicar. Primeiro, como o Souta achou o lugar que estava fechado para procurarem a Marcia? Devia ser um lugar razoavelmente distante, pois era um distrito abandonado, degradado, muito diferente do local onde o Souta vive, e também porque eles levaram um dia inteiro para encontrar aquele lugar. Como o Souta chegou lá? E depois de chegar lá, como ele conseguiu passar pelo grande bloqueio da empresa de segurança privada contratada para localizar o mercado negro e a Marcia? Se eles são tão incompetentes que uma criança consegue furar o bloqueio, sinto muito, não posso evitar considerar que é o enredo que tem um grande e feio furo.

Tirando os furos no enredo, também me incomodou como tudo foi entregue de mão beijada, didaticamente. Foi um episódio bastante previsível. Se eles disseram para o Souta não sair de casa, é lógico que ele saiu de casa. Se existia a possibilidade da Marcia não virar uma wanderer, esqueça, é lógico que ela virou. A Isla poderia ter simplesmente aparecido no momento em que o Tsukasa dá o tiro, isso daria muito mais impacto à cena, mas ao invés vemos ela levantar-se, correr e saltar, anunciando desde muito antes que ela irá entrar na linha de disparo do Tsukasa. Há vários exemplos, não vou enumerar todos. O episódio acaba com o quadro de funcionários do departamento indicando que a Isla faltou ao trabalho, e isso está lá para deixar os espectadores temerosos que a Isla possa ter sido atingida pelo tal disparo que definitivamente desativa e apaga as memórias de um giftia. Mas ela é a protagonista e esse é só o quinto episódio, acha mesmo que isso é possível? A menos que desdigam o que já disseram e esse disparo não seja assim tão definitivo, o que seria uma droga de enredo de novo. Minha aposta é que ela não foi atingida (talvez a espada dela possa tê-la protegido, ou a própria Marcia, ou simplesmente nem entrou na frente do tiro mesmo) e está ausente porque está em reparos ou deprimida em seu quarto ou qualquer coisa assim. A hipótese realmente corajosa seria ela ter sido desativada, completamente apagada, e retornar em branco e nova para o Tsukasa e os outros que a conheciam. Mas duvido muito disso (e seria difícil criar uma história boa em cima dessa premissa ainda que ela pareça tentadora).

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