[sc:review nota=5]

Você assistiu o episódio 4, não assistiu? Se não assistiu, por que está lendo uma crítica do episódio 5? Vá lá assistir os dois, o artigo vai continuar aqui te esperando. Já assistiu? Então tá. Ao invés de uma investigação, o que assisti durante esse episódio inteiro foi uma narrativa fria de como o inspetor Kagami entrou para a polícia, como acreditava na justiça, como essa crença o fez se desencantar quando descobriu que o sistema era menos do que perfeito, e como uma conjunção infeliz de acontecimentos o fez cair no mais profundo poço moral que um ser humano pode cair. E foi o próprio Kagami quem contou tudo isso, sem emoção nenhuma, e ainda por cima demandou que a justiça fosse servida e ele próprio fosse condenado a não menos que a morte ao mesmo tempo em que, como se finalmente desabafasse, informa em tom profético que nada irá mudar. Se os bandidos não mudam e o sistema também não muda, os justiceiros continuarão à solta. Profecia que se cumpre na cena seguinte. É um mundo cão.

Como uma pessoa como Kagami pôde cair tão fundo? Bom, as dicas estavam todas lá, o tempo todo. Desde o primeiro episódio ele foi um agente da lei rígido, severo, característica devidamente destacada pelo contraste com seu parceiro, o atarracado (por estar sempre com os braços dobrados sobre o abdômen – será que ele tem gastrite, úlcera ou qualquer doença crônica dolorosa nas vísceras?) Nakamura, que sempre carrega um semblante mais relaxado. Também desde o começo a irmã de Kagami, que nesse episódio se revela chamar-se Tokiko, é uma constante na vida do inspetor. Nunca havia aparecido, mas estava sempre em contato telefônico com o irmão – única situação na qual o semblante dele mudava. Era claro o quanto ele gostava da irmã. E foi sintomático ele não tê-la citado nem recebido telefonema nenhum no episódio anterior. Desde o primeiro momento em que ela apareceu nesse episódio eu sabia que ela acabaria morrendo, mesmo que isso não tivesse sido dito, e foi psicologicamente torturante assistir com essa expectativa.

A história de Tokiko, a irmã de Kagami, estruturalmente é parecida com a de Sachiko, a garota doente salva pelo Homem Sombra e brutalmente assassinada pelo Watanuki, o gordão que sequestra garotinhas. Tokiko não era doente, mas tinha a sua própria esperança: ver deslanchar sua carreira como designer de moda. Como Sachiko, depois de muita frustração ela finalmente consegue o que tanto perseguiu. Não era um fim, era só um começo brilhante, uma porta de entrada para a felicidade. Mas não há lugar para a felicidade em Game of Laplace, e assim como Sachiko, Tokiko é violentamente assassinada logo em seguida. Kagami, que já estava há anos desgostoso com as graves falhas do sistema que permitem a assassinos cruéis andarem soltos pelas ruas, de repente viu seu mundo ruir. Não só ele não pôde proteger a sociedade de maníacos assassinos que ele prendeu mais de uma vez mas foram sempre soltos pelo sistema falho, como sequer conseguiu proteger sua própria família. Sua única família.

Triste, ferido, seduzido pelo abismo

Triste, ferido, seduzido pelo abismo

Completamente arrasado, depois de anos olhando para o abismo, eis que o abismo olhou de volta para ele. (E me desculpe esse clichê, eu sempre tive vontade de dizer isso e finalmente encontrei a situação perfeita.) Se o sistema falha em proteger as pessoas, se ele põe psicopatas nas ruas, então alguém precisa assumir o dever de levar esses bandidos à justiça. Não a justiça falha, mas a justiça possível – e que justiça não é. Kagami escolheu se tornar o Vinte Faces, um criminoso que ele investigou mas nunca conseguiu prender, e que também chama especial atenção do Akechi. Vinte Faces se apresenta sob uma única face, a caveira humana simbolizando a morte que é a única coisa que ela traz. Mesmo assim agora entendo esse nome e acho-o perfeitamente justificável. Ele não é o Vinte Faces porque o vilão tem Vinte Faces, o número vinte é apenas metáfora para a grande quantidade de pessoas em qualquer outro aspecto normais, honestas, que assumem a máscara do vilão quando o desespero as faz deixar de acreditar na justiça. As Vinte Faces estão por trás da caveira, a máscara e o manto que a todos une. É um justiceiro sem identidade.

Para encerrar, no artigo sobre o episódio passado eu falei sobre como o ultraje causado por crimes violentos, como o assassinato de garotinhas, pode fazer qualquer um fraquejar momentaneamente e defender a execução sumária, fora da lei, dos bárbaros perpetradores de tão vis atos. Quantos será que não quiseram ver Watanuki morto no episódio 4? Pois nesse ele morreu. E foi tão, tão vazio, tão triste, tão sem significado. Sachiko já está morta, nada a trará de volta. Além dela, agora, a vida de seu pai também foi destruída. Ele acabará preso, ou mesmo que não seja, será para sempre assombrado pelo crime que cometeu e que, não obstante, não lhe trouxe nada de bom. Visto desse ângulo, o pedido de Kagami para ser executado de certa forma é um pedido de clemência: ele não tem mais pelo que viver. O Vinte Faces não nasce do desespero, ele é a própria face do desespero.

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