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A maioria dos animes é adaptação de algum outro meio. Na maioria das vezes mangá, em segundo lugar light novels (essencialmente literatura juvenil mas se dissermos que são animes baseados em equivalentes japoneses de “Diário de um Banana” alguns de nós ficaríamos incomodados em assistir Dungeon ou No Game No Life, não é mesmo?), e as adaptações de jogos parecem estar se tornando mais populares conforme os próprios jogos atingem mais pessoas em mais plataformas. Game of Laplace não é diferente, sendo uma adaptação (bastante livre) da bibliografia de um escritor de mistério. Além de gerar lucro por si mesmas, o objetivo das adaptações é criar publicidade para o original. E da mesma forma como pessoas normais reclamam da adaptação de livros para séries ou filmes, nós que assistimos animes reclamamos com frequência dessas adaptações também. Como lidar com isso? Como lidar no caso específico de Game of Laplace?

A esmagadora maioria das adapações para anime não dispõe de tempo para contar a história inteira do material original. Muitas vezes o original ainda está em lançamento, de forma que é impossível contar inteira uma história que ainda não está completa. Cada anime lida com isso de uma forma diferente, mas no geral existem dois grandes grupos: aqueles que seguem fiéis a história até terem um final aberto no meio de um arco qualquer, e aqueles que seguem mais ou menos fiéis até certo ponto, quando inventam um final completamente novo. Não há fórmula certa para isso, e cada caso é um caso. Eu não julgo e não aconselho ninguém a julgar um anime (ou qualquer outra obra artística) pela fidelidade com a qual adaptou outra obra, mas sim pelo quanto ele sozinho é bom, sem depender das muletas fornecidas por outros materiais. Claro que há casos em que é proposital a intenção de que o expectador busque o outro material para entender, e não só porque se interessou por mais, e eu sei disso, então não ache que o que estou dizendo é uma regra. É apenas a minha forma de lidar.

O momento em que a fórmula é decifrada.

O momento em que a fórmula é decifrada.

E Game of Laplace? Sem nenhum conhecimento do original eu não tinha sequer como avaliar isso. Nessa semana sem o anime eu li artigos e críticas de outros autores, e um deles conhece os livros e contos de Edogawa Rampo, então ele pôde dizer cuidadosamente que tipo de adaptação é Game of Laplace e comparar o original com o anime. Como eram histórias escritas há décadas atrás, era óbvio que haveria muita adaptação. Até Kiseijuu, sucesso recente, passou por isso: escrito em uma época em que não existiam celulares, o anime os introduziu (e isso gerou alguns furos no enredo, como esse tipo de alteração costuma fazer). Imagine então no caso dos mistérios de Rampo, escritos nas primeiras décadas do século 20, onde não apenas celulares, mas toda a sociedade como a conhecemos “não existia”. Era de se esperar uma adaptação pesada, e pesada ela é: ao invés de simplesmente atualizar os cenários, as histórias e personagens foram completamente modificados, se tornando mais ou menos metáforas do que eram ou de alguma outra forma tentando preservar apenas a essência. O primeiro arco por exemplo não era de um assassino em série que matava garotas para criar cadeiras, mas de um marceneiro tarado que construiu uma cadeira onde ele podia viver dentro para sentir garotas sentando em cima dele.

Como Kobayashi começou a enxergar Hashiba. O garoto está se desligando do mundo, isso vai ser importante no arco final.

Como Kobayashi começou a enxergar Hashiba. O garoto está se desligando do mundo, isso vai ser importante no arco final.

De um jeito ou de outro devo dizer que até o primeiro arco do Vinte Faces isso funcionou maravilhosamente bem. Aquele momento em que o gordão pedófilo é esfaqueado continua sendo o ponto alto do anime na minha mente, e aquele o melhor episódio de Game of Laplace e um dos melhores de todos os animes da temporada. Depois daquilo se tornou instável. E agora entendo porquê. Uma adaptação desse porte é difícil, e na ânsia de inserirem elementos semelhantes porém diferentes acenando para o material original o anime se tornou cada vez mais uma grande referência a algo que eu não conheço. E não estou conseguindo mais me divertir com ele.

A Vinte Faces da vez é aquela legista esquisita que tortura bonecos

Esse episódio em particular parece ter iniciado o arco final contra o Vinte Faces. Akechi e seus assistentes consegue decifrar a fórmula Estrela Negra, a versão do anime para o Demônio de Laplace. Veja só, descobri que o objetivo ao criar a fórmula não era prever o futuro, mas construir o futuro desejado testando variáveis de entrada na fórmula. Achei isso particularmente inteligente. Também me pareceu brilhante a causa do Akechi não conseguir decifrar a fórmula por tanto tempo: ele estava deixando de fatorar a si próprio. Filosoficamente isso é bastante significativo, pois fisicamente o Demônio de Laplace é impossível dado que sua capacidade de processamento de informações seria necessariamente maior que toda a capacidade de processamento do próprio universo que ele tenta prever, mas na hipótese desse demônio estar fora do universo, em um outro universo maior e com mais capacidade de processamento, ele se torna possível. Akechi se imaginava fora do universo que a Estrela Negra leva em consideração, apenas um observador passivo, mas ele decifra a fórmula assim que se descobre um agente ativo dela. Mas assim sendo, ele está no mesmo universo que pretende prever, o que é impossível. Impossível que é, ele fracassa. Como Akechi e o anime irão resolver isso? Esse episódio não foi tão bom quanto o arco anterior mas é porque ele foi só a preparação do terreno, então boa parte dele foi lenta e tediosa. Agora é possível que criem um final espetacular, já provaram que são capazes disso afinal. Espero que consigam criar algo bom mesmo para quem, como eu, não conhece os originais.

Isso foi o momento em que um lacaio ri da justiça certo de que o vilão maior irá triunfar

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