[sc:review nota=5]

A primeira coisa que chama atenção nesse episódio é como uma instituição supranacional de caráter até onde entendi privado tem poder de polícia e pode encarcerar pessoas sem prestar contas a ninguém ou ao devido processo legal. Que mundo horrível esse de Rakudai Kishi! Ou será que essa associação de magos faz parte de alguma forma da hierarquia de poder do Estado? Mas ela é mundial, então há um governo mundial, ou acordos mundiais que garantem esse tipo de poder a ela (nenhuma organização do mundo real tem poderes sequer semelhantes), ou só a filial japonesa tem algum tipo de convênio com o governo japonês (o que ainda seria um absurdo) ou está vinculada ao estado japonês? Mas tudo bem, estou disposto a negligenciar isso como necessário para o enredo no arco atual. Porque ele é, afinal, muito bom. A verdadeira motivação do Ikki vem à tona – e nem ele sabia qual era, apenas para ser esmagada. Entre outras coisas dignas de comentários. Me acompanhe.

Eu não me importo com a história da Touka, de sua origem humilde à sua preocupação com criancinhas. Não que eu não ache importante, é só que é uma coisa meio jogada do nada e para uma personagem que ainda não fez por merecer sua importância – porque provavelmente não é mesmo tão importante assim. Me pergunto se isso vai ser usado como arma psicológica na batalha entre ela e o Ikki, e isso é tudo. Sobre o iminente combate entre os dois, é notável como ele espelha a luta entre Ikki e Ayase, só que agora o Ikki está do outro lado da balança: ele é que está apostando tudo nessa batalha. Isso torna o arco da Ayase especialmente importante. À diferença da garota, contudo, o Ikki não vai trapacear – bom, nem que ele quisesse ele trapacearia já que está preso, mas mesmo se não estivesse é claro que ele não trapacearia. Infelizmente o arco de Ayase terminou com aquele combate contra o Kuraudo que escancarou que talvez a urgência que a garota dava ao torneio fosse desnecessária, fazendo-o perder grande parte de seu significado (vou reclamar disso para sempre). Ela poderia, por tudo o que o anime revelou, ter recuperado o dojo a qualquer momento agora ou no futuro. O Ikki precisa ganhar essa luta agora, senão tudo acaba de verdade.

O "crime"

O “crime”

Agora a coisa que eu absolutamente não posso deixar de dizer sobre esse episódio: o Ikki e a Stella não estão errados em nada. E mesmo se tivessem feito tudo o que os outros os acusam de ter feito, eles ainda não estariam errados. O casal já se sente à vontade o bastante para beijar-se em local público (mas longe da vista de todos – ou assim eles pensavam), e então o caso entre eles é descoberto e ganha a capa de um jornal. Normal, ela é uma princesa afinal de contas. Invasivo sem dúvida, mas quando se é uma figura pública é inevitável. Essa é a parte aceitável do caso todo, a partir daí só piora.

Com base nessa notícia o comitê de ética da associação “convida” o Ikki para um “interrogatório”, e ele aceita sem problema nenhum. Em primeiro lugar, é anti-ético namorar? Ter relacionamentos românticos? Lembrando que essa é uma associação mundial, espera-se um código de ética mínimo padronizado, mas é fácil perceber que estão apenas seguindo o “padrão ético japonês” … de animes. Não conheço o Japão, mas me custa crer que os relacionamentos entre jovens lá sejam muito diferentes dos daqui. Talvez hajam diferenças nas idades em que as coisas normalmente acontecem, ou no que é considerado normal em relações amorosas entre adolescentes, mas duvido que a total abstinência seja comum. Ou sequer defendida, exceto claro por porções bastante conservadoras da sociedade. Por que será que animes em geral retratam uma versão tão conservadora da realidade nesse aspecto?

Ops, parece que todo mundo já sabe

Ops, parece que todo mundo já sabe

Ikki faz questão de esclarecer que não aconteceu nada demais, nada além do que aparece na foto capturada, o que é verdade, mas não acreditam nele. Ele jura de pés juntos que de todo modo não pretende ir além disso, e fala algumas baboseiras lá sobre respeito e sei lá o quê. Claro, respeito é importante, mas da forma como ele enfatiza isso parece que sexo é um crime. Dado que a Stella já quis se entregar para o rapaz dois episódios atrás, suponho que o próprio anime esteja ciente de que isso não é uma realidade no mundo todo. Ainda bem que pelo menos isso né? Mas não só o Ikki falou essa bobageira sobre “respeito” como a própria Stella começa a se sentir culpada – aquele mesmo tipo de culpa que ela sentiu quando o Ikki se negou a consumar o ato sexual com ela, só que agora muito pior.

Essa foi a parte menos pior do absurdo pelo qual o Ikki está sendo forçado a passar

Essa foi a parte menos pior do absurdo pelo qual o Ikki está sendo forçado a passar

Nada contra quem defende e vive de acordo com esse ideal de abstinência sexual. É uma escolha de vida do tipo que só cabe a cada pessoa fazer. Mas o problema, como eu vejo, é que o anime (não só Rakudai, qualquer anime) só retrata essa escolha como sendo correta e verdadeira. Aí eu sou obrigado a discordar cada vez que assisto isso. Normalmente não discordo de forma tão enfática quanto nesse caso, mas aqui ele ocupa posição central no episódio então precisei escrever tudo isso. Eles são dois adolescentes saudáveis no pleno gozo de suas capacidades físicas e mentais e que estão desenvolvendo uma relação de caráter romântica por livre e espontânea vontade. Por que eles fazerem sexo deveria ser estranho, errado, sujo? Não é, a despeito do que eles próprios possam pensar ou dizer.

Mas repito aqui o que já disse antes: a escola está errada. Que tipo de escola coloca casais no mesmo quarto? E eles nem se conheciam antes. A escola está fazendo o exato contrário de prevenir o sexo inseguro e irresponsável. Isso em uma sociedade que reprime tanto o sexo se torna ainda pior. A totalidade dos quartos que eu conheço nessa escola (dois) tem exatamente um casal de um garoto e uma garota dividindo-os. É algum tipo de milagre (ou de magia) que a gravidez adolescente não seja uma epidemia nesse colégio.

O "julgamento" (de quê?), que consiste em tentar fazer o Ikki assumir culpa por qualquer coisa para então julgá-lo e condená-lo

O “julgamento” (de quê?), que consiste em tentar fazer o Ikki assumir culpa por qualquer coisa para então julgá-lo e condená-lo

Não foi sobre isso que o episódio quis tratar e eu já escrevi um textão, hehe. Obrigado por sua paciência, vamos lá. Pelo que o Ikki luta? Ele sempre quis provar que era forte, mas provar para quem, para quê? Se passou tanto tempo que ele nem mais pensava nisso, mas trancado sozinho com seus pensamentos por tanto tempo ele percebeu: ele quer o reconhecimento de seu pai. Razoável, compreensível, humano. E ele conversa com seu velho apenas para descobrir que nunca teve chance de ser reconhecido. O choque o deixa sem rumo.

O raciocínio de seu pai, é importante admitir, possui lógica. O mesmo tipo de lógica cultivada pela Sonserina em Harry Potter, quem conhece deve entender imediatamente minha comparação, embora os objetivos sejam diferentes nos dois casos. Para preservar a reputação da instituição, é fundamental que as pessoas comuns a enxerguem como algo inatingível. O Ikki é, pelos padrões estabelecidos, pouca coisa melhor que uma pessoa normal. De fato, está muito mais perto de ser uma pessoa normal do que de ser um mago sequer mediano. Porque a organização se preocupa com esse tipo de reputação eu não sei, talvez eles realmente tenham um naco de poder na ordem das coisas no mundo e tenham medo de perdê-lo caso o resto das pessoas passe a acreditar que é possível alcançar um mago.

Ikki trancado em uma sala que sequer possui uma cama ou móveis ou banheiro ou água potável

Ikki trancado em uma sala que sequer possui uma cama ou móveis ou banheiro ou água potável

Imoralidade na manutenção a todo custo dessa reputação à parte, talvez estejam se preocupando à toa. E a diretora parece saber disso. Ela já deu a entender que embora o Ikki não tenha os requisitos para o que a organização reconhece como “talento”, ele tem sim sua própria peculiaridade, sua própria forma de talento. Não estou certo de que seja apenas o fato de ter treinado como nenhum outro jamais treinou. Se fosse isso, realmente qualquer um poderia chegar onde ele chegou, não é? E alguém com talento e que passe pelo treinamento dele seria muito mais poderoso. Um mago talentoso poderia até recusar o uso ostensivo ou sustentado de magia para treinar e se aperfeiçoar em condições semelhantes as do Ikki. Não é nada que ninguém faça, aliás. A Touka faz isso: ela não limita sua magia, mas ela limita sua visão para aprimorar sua técnica. É um clichê comum em animes personagens que usam roupas ou acessórios super-pesados para aprimorar sua força.

Mas como já disse, não acho que o caso do Ikki seja apenas habilidade adquirida através de treinamento extremo. Talvez ele acredite nisso, afinal todos sempre o disseram que não tinha talento nenhum. E talvez sua família e todos ao seu redor também acreditem nisso, afinal veem ele treinando loucamente e assim atribuem seus bons resultados a esse treinamento, não a algum talento natural que ele possa ter. A diretora, porém, parece saber de algo mais. Eu acho que o Ikki tem sim um talento oculto. De todo modo, talento ou não, agora ele precisa encontrar a sua motivação para lutar. A Touka, sua próxima adversária, luta para inspirar crianças órfãs a acreditar que mesmo alguém vindo de baixo pode chegar longe. O Ikki lutava para ser reconhecido por seu pai. E agora, será que apenas a promessa com a Stella será suficiente?

O pai de Ikki se vira para ele apenas para dizer que nunca o reconhecerá

O pai de Ikki se vira para ele apenas para dizer que nunca o reconhecerá

  1. Acho que a resposta pra sua indagação você mesmo já respondeu. O problema não é o namoro e sim o possível “desacato a moral” em relações sexuais ilícitas na escola. Não vejo que nenhum dos problemas dito foi um ter um relacionamento e sim essa insinuação e a posição real da Stella. Ela ser uma princesa provavelmente agrava essa situação pois vão querer abafar isso o mais rápido possível, devendo querer que o Ikki assuma a culpa toda pelos atos(existindo ou não) publicamente de uma vez. Sem isso, a fofoca ficará apenas mais forte. Afirmando plenamente que houve alguma coisa e que a culpa é dele (ele seduziu a Stella e algo assim), não irá acabar com o boca miúda, mas pelo menos a diminuirá e eles terão um bode expiatório para punir e oficialmente dizer que estão fazendo o seu trabalho de manter a “moral” direito. Claro, ainda tem o cara de chapéu provavelmente está manipulando tudo por trás pra deixar isso mais pesado pro Ikki do que deveria ser.

    Sim, sim, só o fato deles deixarem os casais juntos no mesmo quarto é idiota desde o princípio. Isso é conveniência de roteiro. A relação dos personagens com o sexo também é típico de obras voltados para Otakus, que são reprimidos sexualmente e tem uma visão idealizada de pureza. Realmente nem a sociedade japonesa não vê as coisas tão duramente, mas esse é o problema. Rakudai não é uma obra pra sociedade japonesa, é para um grupo específico de pessoas que tem essa linha de pensamento e para poder vender a obra precisa utilizar a mesma.

    Bem, fora isso, o Ikki é claramente talentoso. A Ayame treinou a vida toda com o melhor mestre samurai old school vivo, provavelmente mais tempo do que o Ikki, mas não conseguiu vencê-lo (ok, ela não estava utilizando o que o próprio Ikki havia ensinado, mas ele também estava sem o seu golpe especial e ela com). Ele tem um facilidade de pensar estrategicamente e conhecimento de batalha bem superior a todos os personagens mostrados até agora. Fora que “copiar” a habilidade dos outros depois de pouco tempo não é algo que possa ser feito sem uma flexibilidade de estilos natural. Ikki é cheio de talento, só não o que eles querem. Gostei muito dos filtros usados, adoro essas firuals visuais. Talvez tenha ficado style demais em alguns momentos, mas adoro essas coisas, então só abraço.

    E a parte da presidente foi passável… estragaram uma personagem que poderia ser icônica a um clichê raso… gzuis…

    • Fábio "Mexicano" Godoy

      Eu sei que o problema é moral. E estou dizendo que a moral deles é absurda. Gastei vários parágrafos desancando essa moral que prega, na prática, a abstinência.

    • Fábio "Mexicano" Godoy

      Sobre o Ikki, me parece que ele próprio acredita que só é capaz de todas essas façanhas porque treinou duro. Rakudai Kishi bate forte na tecla de quão duro o Ikki treinou e treina até hoje. A diretora fala nele em tom de mistério, como se soubesse de algo que poucos sabem, o que me faz crer que também a família do Ikki não vê que o que ele consegue fazer não é apenas treino.

      Os aspectos técnicos de Rakudai são muito criticáveis. Claramente estão com orçamento curto, animando poucas cenas e disfarçando o máximo possível. O uso exagerado de filtros é parte disso – filtros são mais baratos e rápidos que animação de verdade e dão uma impressão de melhor acabamento, quando bem aplicados. Na maior parte da série ficou parecendo só engodo mesmo, mas nesse episódio de pouca ação e muito peso psicológico o efeito foi muito bom.

      A Touka é só mais uma das personagens secundárias a sofrer nesse anime. Será que conseguirá sair da história pior que a Shizuku e a Ayase?

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