No artigo sobre os episódios 9 e 10 eu disse que teria mais 91 Days essa semana além dos artigos dos episódios finais, não avisei? Era disso que eu falava! Quase seis meses depois do artigo sobre Sore wa Chiisana Hikari no you na, de Boku Dake ga Inai Machi (ufa! ainda bem que aqui é só Signal, de 91 Days, hehe), publico o segundo artigo da coluna “A Música do Anime”.

Pela baixa frequência e baixa quantidade acho por bem explicar de novo o propósito dessa coluna: comparar a música de um anime ao próprio anime, analisando quão bem ela se encaixa em seu contexto. Para esse fim apresentarei a minha versão da letra traduzida (nota: não sou tradutor e não entendo japonês, eu uso diversas traduções de fã em inglês e uma pitada de Google Tradutor para traduzir para o português) e em seguida a minha interpretação da música no contexto do anime.

O que será que TK, do Ling tosite sigure, quis dizer com Signal? Ah: está cheio de spoilers sobre 91 Days. Prossiga por sua própria conta e risco!

Se não tiver ouvido a música completa ainda, dê uma olhada aqui no clipe dela no YouTube. Não vou destrinchar esse vídeo, apenas comento que o elemento mais marcante dele são casais de todos os tipos ora se amando, ora se odiando, o que é uma metáfora bem rasa para o relacionamento entre os dois personagens principais de 91 Days, Angelo e Nero. Agora a letra (clique nas abas para alternar os idiomas):

Signal

Kanjou ni tsukeru namae wa jiyuu da ne
Hora kawarihateta
Kesenai boku no tsumi no hikigane ga tokete shimaisou de
Chidarake ni natta ano hi no imi wa naku naru hazu mo nai yo ne?
Nikushimi ga kiete shimattara kimi wo korosenai kara

Kako wo mitashiteiru tsumi ga tsukutta boku de aru tame ni
Eiensei no NAIFU de kioku no Signal kizamareteru no ni
Itami sae keshisatte shimau kizuna no Spiral
Mayoikonda boku wa boku ni kiekakureteiku

Boku wa kodoku sa douka sono mama de
Kimi ga warau tabi ni naku naru hazu mo nai no ni
Kizu kara me wo sorasanai you ni
Nikushimi yo soba ni ite kimi wo koroshitai kara

Kako wo mitashiteiru tsumi ga tsukutta boku de aru tame ni
Eiensei no NAIFU de kioku no Signal kizamareteru no ni
Itami sae keshisatte shimau kizuna no Spiral
Mayoikonda boku wa boku ni kiekakureteiku

Rei ga mugen
Rei ga mugen
Rei ga mugen
Rei ga mugen

Sinal

Eu chamo esses sentimentos de “liberdade”
Veja, eles mudaram completamente!
O gatilho de meus pecados imperdoáveis parece estar sumindo
Mas nunca vai sumir o significado de eu ter me coberto de sangue, ou vai?
Se meu ódio sumir não vou conseguir te matar

Eu quero continuar sendo o eu criado pelos meus pecados do passado
Apesar de ter um sinal entalhado com uma faca eterna na minha memória
Até mesmo a dor começa a se apagar nessa espiral de consequências
Aquela versão de mim que fugiu começa a desaparecer

Sou tão sozinho, por favor continue sorrindo e me deixe assim
Eu sei que essas cicatrizes não vão sumir
Mas não vou tirar os olhos delas mesmo assim
Ó ódio! Fique ao meu lado, pois eu desejo te matar!

Eu quero continuar sendo o eu criado pelos meus pecados do passado
Apesar de ter um sinal entalhado com uma faca eterna na minha memória
Até mesmo a dor começa a se apagar nessa espiral de consequências
Aquela versão de mim que fugiu começa a desaparecer

Zero é infinito
Zero é infinito
Zero é infinito
Zero é infinito


Primeiro os alertas: a tradução não é literal, tampouco linha a linha. Eu que, como já disse na introdução, sou amador e sequer sei japonês, traduzi a partir das seguintes versões em inglês traduzidas por fãs: NINNZ, ACHanime, Lyrical Nonsense, Anime Lyrics, e até mesmo, pasme, TV Tropes (vá para a lista de tropos e procure por Thematic Theme Tune). Eu sei que já existem traduções para português mas quis fazer a minha própria porque isso me ajuda a entender a música. Tentei ser equilibrado entre traduzir os termos exatos e traduzir o sentido. Por fim, não acredito que minha tradução preste como letra de música – ou sequer poesia decente. Agora vamos interpretar essas estrofes?

Natural e obviamente o eu lírico dessa canção é Angelo, o protagonista de 91 Days. Uma coisa importantíssima e que eu demorei a entender (e teria passado a vida sem entender se não fosse a música embora esteja claro no anime) são os tais “sentimentos” e os “pecados” que a música cita. Sentimento até parece fácil, ele tem raiva e quer se vingar, certo? Errado, mas prossigamos. Agora, qual é o “pecado” de Angelo? A vingança em si? Será que ele sente remorso? Francamente, você acha que Angelo em qualquer momento do anime se arrependeu de ter enviado vivalma para o além? Exceto o Corteo, claro, o que de todo modo não estava nem em seus planos mais selvagens.

O que Angelo sente é a culpa do sobrevivente, um estado psicológico alterado que afeta, adivinhe só, pessoas que sobrevivem a tragédias, ou pessoas que estiveram perto ou de alguma forma acham que se tivessem feito algo diferente, aquele ou aqueles que morreram poderiam ter sobrevivido, ou ainda que acham que deveriam ter morrido junto. Angelo sobreviveu à chacina de sua família e fugiu, e eu bati na trave em meu artigo sobre os episódios finais ao narrar como a vinda dele para Lawless em busca de vingança era a volta metafórica daquele garoto que até então viveu fugindo na floresta para a casa onde tudo aconteceu. Sim, ele voltou. E ele não dava a mínima para a própria vida, só fazia questão da vingança. Ele quase certamente desejava a morte após cumprir sua vingança desde o começo. Até mesmo apontei que tudo isso era resultado do trauma daquela noite. Só falhei em caracterizar esse trauma. O que ele sentia no fim das contas? Era raiva? Estresse pós-traumático? Depressão suicida? Em certa medida tudo isso, mas acima de tudo ele sofria de culpa do sobrevivente.

O momento do anime em que isso fica mais claro é provavelmente quando ele chora no episódio final, após gritar com Nero dizendo que o Vanetti deveria tê-lo matado. O importante não foi ele ter gritado isso, mas ter gritado em resposta ao questionamento de Nero, que o perguntou exatamente por que Angelo havia deixado-o vivo. Ele desabou com essas palavras porque era, no fundo, a pergunta que ele se fez durante todos esses sete anos. Por que ele havia sobrevivido? E só ele? E na música isso também fica bastante evidente cada vez que ele fala sobre seus supostos “pecados”.

Quanto aos sentimentos dos quais ele fala logo no começo, se trata de um auto-questionamento. Angelo está confuso, perturbado, dividido entre sua vingança (motivada mais por culpa do que por ódio) e a amizade florescente com Nero, justamente um de seus alvos. O que ele está sentindo? O que ele está tentando fazer? Ele se agarra ao conceito de “liberdade” para calar a algazarra em sua mente (“Veja, eles – os sentimentos – mudaram completamente!“). Ele quer ser livre de seu sentimento de culpa. E acredita que para isso precisa se vingar, não virar amiguinho mafioso do Nero e viver uma vida boa como braço direito de um Don que é justamente um dos alvos de sua vingança.

A música toda é dedicada a retratar o estado de confusão do Angelo perante esse conflito entre o desejo de se ver livre desse sentimento de culpa por ter sobrevivido na fatídica noite há sete anos e sua amizade com o primogênito dos Vanetti. Enquanto um está desaparecendo, o outro está crescendo. É por isso que ele sorri de forma assustadora depois de matar Corteo: agora se sente ainda mais culpado (e ainda mais suicida) e passou a ter um motivo fortíssimo para querer matar Nero. Só precisa de uma oportunidade, porque nada mais o impede. Ou era o que ele achava naquele momento.

Para encerrar, gostaria de explicar o verso final (“Zero é infinito“), que é um jogo de palavras que me tomou um tempão para entender. Parece uma coisa meio taoísta assim, não é?, o tudo e o nada. Bom, e é. É a impressão desejada pelo autor, mas não é apenas uma frase tirada de um biscoito da sorte: ela se relaciona com o anime também! Em japonês, como pode ver na aba correspondente, é Rei ga Mugen, ou em kanji: 零が無限. Especificamente: Rei (零) ga (が) Mugen(無限). Rei significa zero, mas também significa aproximar, fechar a mira de uma arma (no alvo). O significado é óbvio, não é?

Ga não é o verbo “ser”, mas a conjunção “mas”. Não entendo quase nada de gramática japonesa e não sei como isso vira “é”, mas se o autor quisesse dizer “zero é infinito” do jeito “normal”, com verbo, acredito que teria usado a construção Rei Mugen desu (零無限です). “Desu” no caso é verbo, e orações em japonês tem estrutura Sujeito – Objeto – Verbo, diferente do português que é Sujeito – Verbo – Objeto. A escolha dessa construção, com uma conjunção adversativa, foi proposital: zero mas infinito, zero porém infinito, estou a ponto de te matar todavia depois disso serei livre. O que deveria ser causa e consequência (“vou te matar e me vingar de você para ser livre”) se tornou, para Angelo, um conflito (“vou te matar e me vingar de você mas pelo menos serei livre”).

E é isso. Que achou? Ficou um artigo maior do que eu achei que ficaria e ao mesmo tempo não entrei em todos os detalhes que eu havia imaginado. Mas acho que consegui me fazer entender. Acha que falei muita besteira? Ou concorda comigo? Ou não concorda nem discorda porque não faz ideia do significado da letra nem confia nas traduções de fã, mas tem algo a dizer sobre minha interpretação ou sobre 91 Days? Qualquer que seja o caso, espero que tenha gostado tanto do artigo quanto eu gostei pesquisar e redigi-lo!

 

 

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