Muitas pessoas, após experiências de quase morte, relatam terem visto um túnel luminoso ou algo parecido com isso enquanto estavam se equilibrando na fina linha que separa a vida e a morte. Começo o artigo falando sobre isso como gancho para comentar sobre quanto de nossas crenças e tradições na verdade são apenas as formas que encontramos (ou melhor, nossos antepassados encontraram) para descrever fenômenos que não sabiam descrever. Alguns desses nem mesmo nós sabemos ainda como descrever. O túnel de luz é um deles.

Talvez a passarela de velas que o Yakumo viu seja apenas uma forma folclórica japonesa de descrever esse mesmo fenômeno? Poderia ser esse episódio inteiro uma construção mental nos últimos instantes de vida do Yakumo? Essa pergunta talvez esteja mal formulada. Mas bom, continue lendo que eu me esforço para me fazer entender!

Como nos bons velhos tempos

Acho fascinante como uma história sobre um contador de histórias joga com os conceitos de “verdade” e “realidade”. Em primeiro lugar, sendo ficção é óbvio que nada em Rakugo Shinjuu é real, mas como qualquer boa história essa também procura ter suficiente coerência interna, dentro de padrões aceitáveis para seu gênero, para poder ser considerada verossímil, ou seja, algo que assistimos e pensamos que poderia ser real. Mas mesmo assim toda a primeira temporada está sob suspeita após a revelação de que o flashback foi uma história inventada. E continua sendo verossímil, dado que foi contada por um personagem da história, com interesse em mentir ou omitir partes dela, e exímio contador de histórias.

Nem o reencontro no além de Yakumo e Miyokichi poderia escapar ao simbolismo: atrás de barras, proibido

Pessoas enganam outras pessoas com histórias que não são reais, e isso em si é algo real. Pessoas são enganadas por sua própria mente, especialmente no que diz respeito à memória, e em um dos episódios Yakumo chegou a reclamar disso, sobre como de tão velho a sua memória começava a falhar e isso o incomodava como artista contador de histórias, uma tradição essencialmente oral e que depende muito da memória do rakugoka. Eu também já especulei se, na verdade, as visões que Yakumo tem do Sukeroku e da Miyokichi não são na verdade criações de sua própria mente – mais ou menos como os pesadelos que acredito que a Konatsu tenha até hoje. Apesar de tudo, é claro que no final se trata de chegar à autora e perguntar: nessa cena aqui, isso foi real ou foi imaginação ou qualquer outra coisa? Sem dúvida que existe uma intenção original e uma resposta para tudo – nem que a resposta seja não haver resposta definitiva (o que bem pode ser o caso). Mas isso não importa. Independente da intenção da artista, a interpretação que proponho poderia ser real. E o que é mais fascinante é que Rakugo Shinjuu faz o mesmo sentido e é igualmente incrível qualquer que seja o caso.

Yakumo então morreu e foi recepcionado no além pelo seu irmão, seu amigo, a mais querida pessoa que já teve e que partiu antes dele. Ou ele está à beira da morte e, no meio do caminho de luz, viu a pessoa que mais queria ver e quem ele mais esperava ver em um momento como aquele. Reviveu toda a sua vida, desde que era criança, aos banhos que tomava sempre com o Sukeroku, e até as manias e vadiagens dele. Ou apenas relembrou de tudo isso, também algo comumente associado à morte, como atestam expressões como “ver a vida inteira passar diante dos olhos”. Reencontrou ou imaginou Miyokichi. Reencontrou ou imaginou o teatro que foi durante quase toda a vida sua segunda casa.

Desculpou-se com Sukeroku e com Miyokichi. Ouviu palavras de conforto e de arrependimento da parte deles também. Real? Ou era só o que ele queria e precisava escutar, e por isso sua mente construiu essas imagens? Tanto faz! Pôde finalmente ver Miyokichi como uma mãe, e a Konatsu como sua filha que a amava. Posso repetir a pergunta que fiz antes. E teria que repetir a resposta também. O mais importante é que, tendo sido real ou o último sonho antes do sono eterno, Yakumo estava feliz, satisfeito com a vida que teve, com as coisas que fez, com as pessoas que conheceu e com as quais dividiu um pouco de si, de sua própria vida. Pessoas com quem andou junto por muito ou por pouco tempo. Não havia um traço de arrependimento em Yakumo.

Desde o episódio anterior já sabia do que se tratava esse então estava preparado. Tendo partido realizado, feliz, eu não tinha motivo nenhum para ficar triste. Um pouco de emoção sim, afinal apesar de tudo o Yakumo morreu, ora essa. Aquele Yakumo, nascido com sabe-se lá qual nome, que depois foi Bon, depois Kikuhiko, estava morto. Nasceu praticamente ao mesmo tempo que a Era Shouwa, que empresta seu nome ao anime, e morreu também praticamente junto com ela. Esse episódio foi inteiro agridoce. Tenro, mas suave. Até que chegou em sua cena final na qual revelou que também Matsuda havia morrido. E também estava satisfeito em ter feito toda a viagem em vida com seu mestre, e agora também na morte. Esse foi o pico emocional do episódio e que encerrou-o de forma belíssima. Agora só resta o epílogo. Ou será um epitáfio?

  1. Eu já nem encontro palavras nem adjectivos, para descrever o quão épica, esta segunda temporada de Shouwa está a ser. Este episódio 11 em especial, foi muito bom, especialmente por causa dos acontecimentos que ocorreram no episódio 10. Eu já me tinha conformado, que o velho Yakumo tinha morrido no episódio 10, mas quando o episódio 11 começou no naquele corredor e o Sukerou apareceu, eu sabia que o Yakumo tinha morrido. Pelo que este episódio deu a entender, o Yakumo teve um ataque e ficou em coma, coma que ele não conseguiu sair. Ao menos teve uma morte serena, sem ressentimentos, mas ainda assim eu queria que o Yakumo vivesse mais um tempo. Mas como eu fiquei feliz do Sukerou ter ido buscar e guiar o seu irmão Yakumo para o além. Aquele era o verdadeiro Sukerou, aquele jeito dele, é impossível de imitar por outro tipo de entidade. Eu neste episódio fiquei com um misto de nostalgia e felicidade, ver o Yakumo reencontrar-se com o seu irmão e a Miyo, mulher que ele amou, foi lindo. Aquela parte onde o Sukerou e o Yakumo param numa casa de banhos, foi tão nostágica, eles foram irmãos em vida e na morte também. Fiquei surpreendido com a Miyo, neste episódio, ela parecia tão serena e calma, nem parecia aquela pessoa triste que foi em vida. Aquela conversa dela com o Yakumo foi muito bonita e ver que ela lá no além se preocupava com a sua filha Konatsu foi mais bonito ainda. Já para não falar, que ela ali, trata o Sukerou como marido e em conversa com o Yakumo, admite que Sukerou é gentil, afinal a Miyo não deve ter ficado com o Sukerou em vida só por vingança. Neste mesmo episódio, veio-se a descobrir o que tinha acontecido, naquela noite fatídica em que a Miyo esfaqueou o Sukereou. Aquilo foi um acidente meio estúpido, a Miyo estava a responder ao Sukerou com uma faca na mão (pelos vistos nas discussões entre eles, esse já era costume por parte da Miyo) e ela escorregou acabando por esfaquear o Sukerou. Tal acontecimento infeliz viria a trazer muita infelicidade, mas isso já passou). Ver o trio da primeira temporada, junto lá no além, bem uns com os outros, felizes e emocionados com o reencontro, nada deixaria o velho Yakumo mais feliz. O Sukerou mesmo depois de morto, nunca muda, enquanto esperou o seu irmão, ele continuou uma vida boémia no além junto da sua esposa Miyo, isto mostra que o Sukerou era uma pessoa verdadeira de coração. Agora aquela parte final no teatro. Que apresentação que o Sukerou fez, nesse momento veio-me à cabeça as apresentações que ele tinha feito na primeira temporada, o sentimento de nostalgia nesta parte foi imensa para mim. Não era por pouca coisa, que o Sukerou era o grande rival do Kikuiko, o alcance da voz dele, era notável, o seu timming cómico era inigualável, se ele tivesse sobrevivido , de certeza que ele teria contribuído muito para o mundo do Rakugo.
    Mas a cena, que me marcou mesmo neste episódio, foi a última apresentação do Yakumo. Aquele sorriso de alegria e felicidade que ele deu, quando avistou na plateia o seu adorado neto, Shin, foi lindo. Eu nunca pensei que o Yakumo fosse fazer Jugemu, como a sua última apresentação, mas ele fez essa por causa do seu neto. A tranquilidade e serenidade com que o Yakumo apresentou Jugemu foi tocante.
    Eu na parte do barco, que iria levar o Yakumo para os portões do céu, eu já estava quase a chorar, mas quando o Yakumo se despediu do seu irmão, foi impossível para mim conter as lágrimas. Aquilo sim é que era uma amizade bonita, aquela parte onde o Yakumo faz a promessa do dedinho com o Sukerou foi linda, talvez um dias os três se voltem a reencontrar noutra vida. A pobre da Miyo, não se foi despedir do seu amado, porque não queria que este a visse a chorar, só aqui se vê o quanto a Miyo ama e se preocupa com o Yakumo. O Sukerou nessa parte do barco, disse uma frase que me ficou na memória “Os maiores pecadores têm que atravessar este rio a nado até ao outro lado. Mas os virtuosos têm direito, a tudo de bom”. Achei esta frase cheia de significado, pois se podia aplicar aos casos do Sukerou e Miyo e do Yaklumo. O Sukerou em vida foi pecador e a Miyo também, por isso não tinham o dinheiro necessário para pagar a travessia do rio. Já o Yakumo, foi um homem virtuoso, que se preocupava com as pessoas e com o Rakugo, dai ele ter dinheiro para pagar a travessia.
    Quando o barco Yakumo saiu da doca, eu já estava a afogar-me em lágrimas, mas ficou pior, quando o Matsuda tirou o seu disfarce de remador, ele morreu no mesmo período de tempo, que o seu mestre Yakumo morreu, a lealdade do Matsuda-san é de louvar, ele fez questão de acompanhar o seu mestre aos portões do céu. Aquela história que o Yakumo contou antes de chegar ao céu, combinou muito com aquela cena. O seiyuu que deu voz ao Yakumo está de parabéns.
    O próximo episódio, já dá conta que houve um time skip bem grande, talvez uns 17 anos, após a morte do Yakumo, Eu digo isto, por causa dos fones que o Shin estava a usar, e a aparência dele e da sua irmã. Além do cenário, aquilo parecia o Japão no ano dois mil.
    Antes de acabar o meu comentário, aquela parte onde o Yakumo foi depois de morrer, pareceu-me uma grande mistura de mitologias e credos de vários povos. A parte do dinheiro, fez-me lembrar logo dos romanos, os vikings e os germânicos pagãos. Nestas culturas, havia o hábito de colocar uma moeda em cada olho, do defunto para que este pudesse pagar a passagem para o céu. As casas de chá e outros estabelecimentos semelhantes e a parte do barco, fez-me lembrar muito a mitologia nórdica. Os vikings costumavam lançar o corpo do seu rei/líder no rio, dentro de um barco e com duas moedas colocadas nos olhos, para ele pagar a sua passagem para os grandes salões de Valhala. Os responsáveis por este episódio devem se ter baseado em muitas culturas e credos religiosos para fazer este episódio.
    Como sempre mais, um excelente artigo de, Shouwa Fábio.

    • Fábio "Mexicano" Godoy

      Esse episódio foi o “fanservice” para quem estava com saudade do trio da primeira temporada =)

      Sukeroku sendo Sukeroku, Miyokichi sendo Miyokichi, os três juntos (bom, eles não costumavam ficar realmente os três juntos com muita frequência na primeira temporada, mas olha as circunstâncias né, fazia sentido que aqui fosse assim, tinha que ser assim e não havia tempo para nada além disso). Os dois contadores de história se apresentando no velho teatro. É a morte de um personagem querido, o seu epílogo, o episódio final do Yakumo, mas tudo foi feito para que ficássemos felizes – depois de uma breve tensão no começo, traumatizados que estávamos daquela passarela com velas, hehe.

      E Jugemu! Sinceramente, achei a apresentação da Konatsu melhor, mas essa do Yakumo foi muito mais emotiva, carregada, sentimental. Não dá para comparar os dois momentos =)

      Mas puxa vida, choramos à toa, não foi? O danado do Matsuda ainda viveu pelo menos mais 16 anos depois daquilo! Velho traiçoeiro, foi só pra provocar a gente mesmo, hahaha! Experiência de quase morte, pilantra. Mas foi bom vê-lo ali e foi bom vê-lo vivo depois, como reclamar??

      • Eu gostei bastante, de ver o trio unido, eu gostei e fiquei de certa forma emocionado com este “fanservice”. Quanto à última apresentação que o Yakumo fez. a versão do Jugemu dele, foi meio fraca, se comparada à performance da Konatsu dele, mas ainda assim um Rakugo muito agradável de ver e ouvir. E digno da despedida do Yakumo, a cara dele ao fazer o rakugo de Jugemu, mostra isso. O Matsuda burlou a morte, ele deve ter tido uma experiência de quase morte, só para acompanhar o seu mestre e depois regressou. E ainda durou mais uns espantosos 16 anos, o velho arranjou um hack que o ajuda a fugir da morte. E não posso reclamar, pelo Matsuda ainda estar vivo, eu até fiquei feliz por isso.

      • Fábio "Mexicano" Godoy

        Ah, foi um Jugemu muito bom! Àquela altura não tinha como Yakumo fazer um raguko que não fosse bom, hehe. Mas o da Konatsu foi melhor, apenas isso. O que mostra que a mulher tinha talento desde sempre, né? =)

      • A Konatsu já tinha um talento latente dentro de si, ela só i precisava polir, mais nada. E sim, a performance dela em Jugemu, foi muito boa, em todos os sentidos. A performance do Yakumo, do Jugemu também, foi boa, o velho nem nas portas do céu, deixa de esbanjar talento. Ainda me questiono, como os seyuus não se enganaram a contar Jugemu, para mim Jugemu é um autêntico trava línguas.

      • Fábio "Mexicano" Godoy

        Só ficou faltando, imagine só, a Hayashibara fazendo rakugo! Bom, a história e o papel da personagem dela nunca permitiram isso, mas ei, me deixa sonhar…

      • A Megumi Hayashibara, é quase uma lenda, na indústria do anime e da música. Ela tem uma excelente voz, eu vi poucos animes, onde ela dublou um personagem, mas aqueles que vi, fiquei espantado com a voz dela. Ela também canta muito bem, as openings de Rakugo provam isso. Ela num anime chamado Sengoku Giga,uma fábula que conta a história do Sengoku Jidai com animais, ela faz um excelente trabalho como narradora, a voz dela em momento algum se torna chata. Além, que ela nesse mesmo anime, canta uns bons segundos, uma música sobre as típicas cuecas japonesas, quase à capela, que envergonha muitas músicas de outras seiyuus cantoras. Ela também fez um excelente trabalho como narradora, do anime Rainbow Nisha, anime que eu gostei bastante. Teria sido bastante interessante e agradável, ver a Megumi a fazer um rakugo, mas como tu bem referiste, o papel dela não permitia tal coisa.

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