Qual é o seu preço? Essa é uma pergunta meio canalha, que assume que qualquer pessoa é capaz de abrir mão de seus valores morais ou de coisas mais substantivas, como relacionamentos ou até mesmo de pessoas (“Por quanto você mataria a sua mãe?”). Assume ainda que dinheiro é naturalmente mal e que portanto corrompe, bastando para isso encontrar a quantia certa para corromper qualquer dada pessoa.

Não acredito que qualquer pessoa seja capaz de atos vis por motivos mesquinhos, bastando para isso que o prêmio compense. É claro que nesse momento estou parado na porta de entrada do salão da discussão sobre a própria natureza da moral e etc. Não vou entrar nesse salão. Mas acredito sim, que dadas as condições adequadas, qualquer um é capaz de cometer vilezas.

E nesse episódio 10 mais uma vez um pobre e “honesto” ladrão foi agravado por um cidadão supostamente “honesto”. Wasuke era um ladrão velho e aposentado. Já fora casado, mas há cerca de 20 anos sua esposa morreu, doente, enquanto ele esteve longe. Roubando, suponho, já que é essa a sua profissão e me parece cuidadoso da parte dos ladrões que sumam após grandes roubos, retornando, se retornarem, meses ou anos mais tarde. Wasuke voltou e sua esposa havia morrido. Cuidara dela enquanto esteve acamada e de seu filho, ainda um bebê, um casal de amigos. Wasuke, em meio a esse profundo pesar, não poderia ser mais grato a eles. Acreditando que a natureza de seu negócio não permite que mantenha uma família e considerando os sentimentos do casal de amigos que jamais haviam tido filho próprio mas adoravam o pequeno Isotaro, filho de Wasuke, eis que o ladrão deu-lhes a criança. Uma decisão complexa, tomada por impulso e em um momento de fraqueza, mas ainda assim provavelmente uma decisão acertada.

Um pai orgulhoso

Isotaro cresceu muito amado por seus pais adotivos e nunca soube da verdade. Wasuke estava satisfeito com isso, gostava muito de todos eles e gostava de saber que Isotaro havia crescido forte, amado, e vivia feliz. O que mais um ladrão aposentado poderia desejar? Bom, ele poderia desejar que seu filho não fosse vítima de maus-tratos, bullying como tem se convencionado falar hoje em dia, ou para ser mais específico, ijime. É a mesma coisa, mas ijime é o bullying como praticado no Japão – no mais das vezes, bem mais sutil do que o caso do Isotaro – mas nem um pouco menos cruel. É um problema grave e é algo que está profundamente enraizado na cultura japonesa até hoje, altamente coletivistas que são, costuma-se dizer que “o prego que se destaca acaba sendo martelado”. E alçado ao posto de subgerente tão jovem, tendo chamado a atenção do dono da grande loja onde trabalhava e quase prometido em casamento a sua filha, Isotaro se destacava bastante. O antigo gerente morreu e o destino de Isotaro estava selado: alvo perpétuo de ijime do novo gerente.

Quanto uma pessoa pode aguentar? Isotaro já não aguentava mais, queria desistir. Mas Wasuke, tendo vivido uma longa vida, sabia que “é assim que as coisas são”, e que se ele aguentasse provavelmente tudo acabaria bem eventualmente. O que Wasuke não sabia é que o gerente não tinha limites e tratou de incriminar Isotaro em um caso de furto. O rosto dos demais empregados no local entrega tudo: era uma armação, todo mundo sabia mas ninguém podia fazer nada. Essa é a natureza cruel do ijime. Forçado contra a parede, tendo que suportar uma tensão muitas vezes maior do que era capaz, Isotaro se suicidou. Isso foi um golpe duro para Wasuke e certamente o maior golpe, mas ainda não foi o único: seus pais adotivos se suicidariam em seguida, deixando o velho ladrão completamente sozinho. O pior pesadelo dele havia se concretizado e dessa vez não era sua culpa.

Quanto uma pessoa pode aguentar? Durante todo o tempo eu sabia que o que Wasuke fazia era errado. Mas ele havia sido forçado para muito além de seu próprio limite. O que restava para ele? Não tinha mais seu filho, não tinha mais ninguém, não tinha sequer dinheiro para continuar vivendo a vida vazia que era tudo o que lhe restava viver. O que Wasuke poderia fazer? O que ele deveria ter feito? Me peguei pensando no que eu faria no lugar dele. O que você faria no lugar dele? Para se vingar de um só homem que sem nem saber foi o responsável por tirar tudo dele, e que sequer sentia remorso (“é assim que as coisas são”, afinal), Wasuke fez falir uma grande loja inteira. Queria sentir pena dos empregados, mas nem isso consigo. Eu sei que eles não podiam ter feito nada, mas não consigo perdoar-lhes a pusilanimidade.

Heizou, já chefe de polícia velho, experiente, e alguém que sempre se equilibrou no fio da navalha entre o Bem e o Mal, que sabia que a fronteira entre ambos era tênue e borrada e mesmo assim é capaz de enxergar com clareza todos os limites que não se deve atravessar, também parece ter pensado de alguma forma parecida comigo, e eis que fez corpo mole para permitir que a ação criminosa de Wasuke passasse impune. Quero dizer, impune de todo não foi, pois a emoção o fez morrer do coração ali mesmo, mas sua vingança já estava cumprida. Os bandidos que ele ajudou não levaram nada, mas continuaram livres, pelo menos. E você, teria conseguido aguentar?

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