[sc:review nota=2]

É preciso um esforço grande para fazer o que esse episódio fez, viu. Às vezes eu tenho pouco o que escrever e o texto acaba ficando pequeno, aí eu preciso encorpar um pouco mais aqui, um pouco mais ali, caçar assunto pra ocupar espaço, e isso dá tanto ou mais trabalho do que escrever objetivamente quando há o que escrever. Esse episódio inteiro não contou nada. Terminou (mais ou menos) a luta do Archer com o Shirou, que havia começado no episódio anterior, e a Rin realmente fez um pacto com a Saber, o que eu achei que não fosse acontecer mas aconteceu, de todo modo foi algo já imaginado no episódio anterior. Daí o Archer raptou a Rin e todo mundo foi pro castelo da Illya porque ela não tá precisando dele agora mesmo. E embora você possa se perguntar, nossa, mas o que levou Shinji e Gilgamesh a descobrirem que a Rin estava lá e decidirem ir atrás dela? O que o Lancer ponderou antes de decidir ir com Saber e Shirou tentar resgatar a Rin? Seu mestre sabe disso? Aprova? As respostas a essas perguntas rendem história (nem vou discutir agora se história boa ou ruim), mas elas não são dadas nunca. O anime assume que já sabemos todas elas e toca o barco. Eu até concedo: boa parte disso é previsível, óbvio mesmo, ou pelo menos fácil de imaginar. Mas não é como se Fate tivesse algo melhor no que gastar o seu tempo. Todo o resto do episódio foi dedicado a contar o que já sabemos: Archer é o Shirou e ele se tornou cínico e ressentido de tanto ser o Shirou. Acho que eu teria raiva de mim mesmo se eu fosse o Shirou também, mas o ponto é que isso já estava mais ou menos estabelecido, não era necessária toda aquela apresentação em CGI ruim excessivamente dramática para contar isso. Como resultado desse apagão no enredo eu me encontrei subitamente sem saber o que escrever. Decidi falar um pouco sobre o que aconteceu (porque não dá pra falar muito sobre tão pouco) no episódio e em seguida teço longas especulações e digressões sobre temas do anime que eu não não havia tido tempo e oportunidade para tratar até hoje. Eu preciso arranjar sobre o que falar também, afinal.

Antes de tudo, quero aqui parabenizar a Rin, a Saber, e o roteirista responsável por me provar que ainda há inteligência nessa história. Eu sei, eu sei, não é como se fosse uma história burra em momento algum, mas quando o protagonista é o Shirou pode acontecer de se ficar com essa impressão, porque a história é contada do ponto de vista dele. Eu me deixei levar, a história pode não ser a melhor (olha, nem é ruim, me incomoda muito mais o ritmo da narrativa do que o enredo em si) mas também não é estúpida. O único estúpido aqui é o Shirou, e eu já entendi que sua estupidez é atribuível a uma provável desordem psíquica resultado do trauma que teve quando criança, então até a estupidez do protagonista é compreensível e justificável. Só para encerrar o que tenho para falar sobre esse episódio especificamente (o resto já foi suficientemente dito no primeiro parágrafo), repare como finalmente Fate assume de forma objetiva o que já é óbvio há muito tempo: o Archer é o Shirou. Mas o faz propositalmente sem dizer isso de forma direta, sem sequer mostrar o Shirou como Shirou antes da transformação (ele aparece ou obscurecido ou já na forma adulta que o Archer tem). Fate faz muito isso: conta sua história de forma oblíqua, forçando o espectador a completá-la mas tornando óbvio o que ele deve encaixar ali. Quando o espectador entende uma história, quando ele a completa, ele se sente inteligente por isso, e tende a achar a história mais inteligente também. É como um quebra-cabeça, que é só uma ilustração ou foto sem nada de especial mas colamos em uma moldura como se grande coisa fosse apenas porque estamos orgulhosos do nosso próprio feito. Mas existem quebra-cabeças de cem mil peças e existem quebra-cabeças que vem de brinde no McLanche Feliz, e temo que Fate esteja mais próximo do segundo do que do primeiro.

Agora um tema que eu adoro e do qual posso falar livremente depois do anime assumir que o Archer é o Shirou do futuro: paradoxos temporais! Então Shirou envelheceu, se tornou um “herói”, morreu, e voltou como um Espírito Heróico em variadas Guerras do Cálice, aparentemente sendo traído ou assistindo sofrimento humano suficiente nelas para se ressentir da humanidade e de si mesmo. Agora, por coincidência ou por sadismo do Graal, ele reencontrou a si próprio antes de tudo isso acontecer, e fracassando em convencer seu eu jovem a desistir dos ideais que no fim das contas o empurraram a essa “vida” de desgosto decidiu matar o jovem Shirou. O que acontece se ele matar a si mesmo quando mais jovem? O que acontece se você voltar no tempo e matar a si mesmo, ou aos seus pais antes de lhe darem a luz, ou de forma genérica alterar fatos que foram fundamentais para que você existisse e fosse quem você é? Quero dizer, se eu volto no tempo e me mato, então eu não terei existido no futuro para voltar no tempo e me matar, portando não terei morrido e viverei o suficiente para voltar no tempo e me matar, e esse é o delicioso paradoxo da viagem no tempo, que admite várias soluções.

O cenário que cria o paradoxo ocorre se você imaginar a linha do tempo como uma linha única e contínua de causas e consequências: alterar as causas irá alterar inevitavelmente as consequências. A solução mais simples é admitir a existência de várias linhas temporais. Assim, o Archer quando volta ao passado, não encontra a si mesmo no passado, mas outro Shirou de outra linha temporal. Uma variação dessa solução (usada em Negima, adoro Negima) é postular que a linha inicialmente é única, mas se você voltar ao passado e alterá-la criará uma nova linha, uma ramificação nesse ponto. Por essa definição, Archer volta ao passado e realmente encontra a si próprio quando mais jovem, mas ao matar o Shirou não irá alterar a sua própria linha do tempo, ao invés criando uma ramificação da linha do tempo naquele ponto, a partir da qual existem dois futuros possíveis: aquele onde o Archer existe e de onde ele veio, e outro onde o Shirou morreu e o Archer nunca existiu.

Existe outra solução para o paradoxo da viagem no tempo: você jamais consegue alterar algo que afete sua própria viagem no tempo. Essa é a solução do clássico da ficção científica A Máquina do Tempo, de H.G. Wells. Nele, um cientista cria uma máquina do tempo para evitar a morte de sua noiva (ou esposa, não me recordo), e ele consegue, mas ela acaba morrendo de todo modo de outra forma. É como se o próprio tempo tratasse de manter sua continuidade: ele criou a máquina para evitar a morte de sua noiva, então se ela não morrer ele jamais terá criado a máquina e portanto não poderia ter viajado ao passado para salvá-la, enfim, o paradoxo em sua forma mais normal. Se for assim que funciona a linha do tempo em Fate/Stay Night, é impossível para o Archer matar o Shirou. Mais do que isso: o Shirou pode se considerar imortal, já que para o Archer estar ali é condição fundamental que ele permaneça vivo. Muito legal, não? Ele poderia se lançar à cabeçadas contra todo mundo com a certeza de que as forças da continuidade temporal operariam de alguma forma para garantir que ele sempre sobrevivesse. Por outro lado, é aterrorizante também: significa que seu futuro de sofrimento é inevitável.

Mas há um fator extra aí que precisa ser levado em consideração, ou, mais precisamente, uma pergunta que precisa ser feita: o Archer é mesmo o Shirou? Essa é uma pergunta relevante, e acho que em algum comentário, de algum episódio, um leitor disse que os espíritos heróicos não são os heróis de volta à vida, mas simulacros deles criados magicamente. Não sei se é assim mesmo, mas nesse caso, se Archer não é o Shirou, isso muda alguma das considerações dos parágrafos anteriores? A resposta é “não”. Mesmo se ele não for o Shirou, ele é uma cópia do Shirou do futuro. O Shirou do futuro ainda não existe, mesmo se ele não for o próprio Shirou, a existência do Shirou é condição necessária para que ele venha a existir – é o caso de matar os próprios pais ou impedi-los de se casar (como em De Volta Para o Futuro). Concluo que o estado de real ou simulacro do Archer é irrelevante no que diz respeito ao paradoxo da viagem no tempo. Mas se ele for um simulacro há outras questões que precisam ser respondidas: uma vez criado o simulacro, todas as ocasiões em que ele for invocado será sempre o mesmo? Se ele não for sempre o mesmo, sua memória é cumulativa ou ele tem apenas as memórias do herói real a quem representa? A história do Archer conforme narrada em pensamento pela Rin sugere que essa memória é sim cumulativa: o Archer possui lembranças das outras Guerras pelo Cálice das quais participou. Nos dois casos é preciso responder: onde o Archer ou suas memórias e experiências acumuladas são armazenados entre uma invocação e outra? Aliás, se ele pode ser invocado no passado então qualquer noção de continuidade temporal deixa de fazer sentido e não existe um “entre uma invocação e outra”, então ele coexiste simultaneamente em todas essas guerras? Ou elas transcorrem em uma ordem qualquer, ainda que não seja a temporal? Ou é a ordem temporal, fazendo com que ele tenha memórias do futuro (em relação ao anime) apenas de seu eu real, o Shirou, e não de suas participações como espírito heróico em guerras futuras? Bom, não tenho respostas para essas perguntas, apenas as deixo aí e mudo de assunto.

Li em um blog em inglês que eu gosto muito e com o qual eu praticamente sempre concordo uma outra interpretação para o altruísmo do Shirou. Ele questiona porque o anime se esforça tanto em tentar fazer o altruísmo do Shirou parecer algo não natural ou danoso no episódio 16 (aqui, em inglês). Se você costuma me ler e se lembra, eu defendi a posição do anime nesse episódio. Eu acho que uma coisa é você ser altruísta, ajudar, gostar mesmo de ajudar os outros. Outra muito diferente é você ter uma compulsão doentia por ajudar os outros, incontrolável mesmo, como no episódio em que Gilgamesh batalha contra Hércules e o Shirou precisa ser seguro preso contra o chão para não se intrometer ainda que ele fosse obviamente incapaz de fazer qualquer coisa. Você pode me achar um monstro por causa desse exemplo, por que quem não ficaria fora de si vendo uma garotinha (que tentou te matar, mas esqueçamos isso por enquanto) ser brutalmente assassinada sem fazer nada, mesmo que seja de fato incapaz de ajudar? Tudo bem, tenho exemplos melhores: Shirou não consegue evitar atender um pedido para consertar um aquecedor. Ok, foi feito por um amigo seu? Ele também não consegue evitar atender um pedido completamente irrazoável para limpar o chão de um clube do qual ele não é membro. Em situação cujas circunstâncias são desconhecidas, ele também foi incapaz de evitar limpar uma loja aleatória e levar o lixo para a rua, chegando mais tarde em casa por causa disso. Ele não consegue evitar, é mais forte do que ele, e por isso é uma compulsão, e não um simples bom sentimento. Ofereço uma comparação para ficar mais simples de dizer o que estou tentando: existem pessoas organizadas, e é ótimo ser organizado. Mas existem pessoas que não conseguem evitar arrumar tudo o que sua vista alcance, que se sentem desconfortáveis se a toalha não estiver perfeitamente alinhada na mesa, se as cartas de um baralho não estiverem guardadas perfeitamente em ordem, se os vidros de xampu no banheiro não estiverem em ordem de tamanho ou cor. Pessoas assim saem de seus caminhos, empreendem esforços insanos (e desnecessários) porque simplesmente não conseguem evitar. É uma compulsão, uma doença. Essa é a natureza do altruísmo do Shirou: compulsiva. Sabe um jeito fácil de tirar o Shirou da Guerra do Graal? Fique pedindo coisas para ele o tempo todo (ou arranje quem faça isso). Ele não conseguirá evitar atender cada pedido e ficará afastado de todos os combates. Lógico que essa minha “sugestão” é uma brincadeira, mas ela tem um fundo de verdade.

  1. Emmannuel Alexandre

    “Archer é mesmo o Shirou?”

    Sempre respondo essa pergunta como: O Archer já foi o Shirou e o Shirou pode se tornar o Archer. E quando a ele escapar desse futuro, as chances dl Archer são ínfimas.

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