[sc:review nota=3]

Honrando a mais antiga tradição humana de contação de histórias, Fate/Stay Night traz nesse episódio inteiro seus personagens contando tudo o que sabem, abrindo seus corações (não, Lancer, não era desse jeito!) e transmitindo ao distinto público várias informações que não havia transmitido antes desse ou de qualquer outro meio. Queria dizer que isso me faz lembrar de quando meus pais contavam histórias para mim à cama, mas isso nunca aconteceu. Contudo temo que, tivesse eu assistido um pouco mais tarde, talvez acabasse adormecendo como crianças normalmente fazem nessas ocasiões.

Vamos falar de coisa boa? Não, nada de Tekpix. Você assistiu Fate/Zero? Se não assistiu e não quer spoilers, pule para o próximo parágrafo. Nesse episódio pegaram pesado nas referências ao Zero, hein? Quero dizer, não joguei a Visual Novel nem assisti o filme da rota Unlimited Blade Works então não sei exatamente quem copiou quem aqui, mas muita coisa é parecida. A começar pelo irônico destino do Shirou-Archer, que se tornou exatamente como seu pai adotivo Kiritsugu era antes de se conhecerem, com a diferença que ele não gosta de ser assim. Mas sobre isso falo depois, é importante e mesmo quem pulou o parágrafo para evitar spoiler merece ler. O momento que eu mais rolei os olhos aqui foi quando o Lancer morreu exatamente do mesmo jeito (embora em circunstâncias diferentes) que o Lancer do Zero. É falta de criatividade ou eles acham que é legal todo Lancer morrer igual? Teve a história da traição do Kirei também, e de um modo geral tive a sensação de estar assistindo um dos episódios expositivos do Zero, mas não tão bem animado. Como adoro o Zero, achei isso bem divertido. Mas não sei se foi intencional ou apenas resultado da quantidade de informações reveladas de uma vez só sendo que parte delas tem a ver com o Zero.

Um pouco de desenvolvimento para o Archer! Ele não é só um Shirou que deu errado. Ele é um Shirou que deu errado de um jeito bem específico e irônico. Pois você vê, seu pai adotivo vivia dizendo que ser um herói da justiça era impossível, que não dá para salvar todo mundo. O próprio Archer já havia desenvolvido isso um pouco mais na primeira metade da série quando ele disse para o Shirou que salvar uma pessoa significa necessariamente não salvar outra. Shirou quando criança nunca deu bola para o que o pai disse e decidiu se tornar um herói da justiça do tipo que salva todo mundo. No final, ele acabou concordando em se tornar um guardião, que é igual a um espírito heróico mas não é invocado pra reconstituir Battle Royale, e sim enviado ao mundo (por uma entidade desconhecida, pelo menos foi o que eu entendi) para manter algo que é chamado vagamente de equilíbrio, mas que na prática significa impedir que a humanidade cometa atrocidades atrozes demais. Suponho que o Holocausto, o Holodomor, os bombardeios atômicos de Hiroshima e Nagasaki, os genocídios em Ruanda e em Darfur e a queda do avião dos Mamonas Assassinas tenham acontecido nesse mundo de Fate, o que significa que atrocidades muito maiores do que essas foram evitadas pelo Archer, de modo que nem consigo começar a imaginar quão horríveis foram os eventos que ele evitou (ou reescreveu?). Obrigado, Archer.

De todo modo, para conseguir isso ele precisou matar pessoas. Matar pessoas era basicamente o seu trabalho. Quero dizer, se há pessoas querendo matar pessoas, o modo mais eficiente para evitar isso é matando os potenciais assassinos. Principalmente se você é só uma alma penada, e não um estado constituído, um exército, enfim, uma instituição fixa capaz de manter a ordem por longo prazo. Quando você tem que resolver um assunto definitivamente de uma só vez, matar é a solução mais eficiente. Pergunta pro Rambo. Acontece que matar era tudo o que o Archer-Shirou não queria fazer, tudo aquilo que seu pai havia dito ser inevitável. Golpeado pela realidade, Archer se tornou cínico e arrependido. E é nisso que o Shirou que ainda não é o Archer se apega: ele não pretende se arrepender! Tá bom Shirou, você tem razão, arrependimento é algo que planejamos com antecedência, então se você não quer, você não vai, tá certinho isso daí. Mas tudo bem, não vou chamá-lo de deficiente mental por causa disso dessa vez, ele é apenas um adolescente e adolescentes são portadores dessa lógica única. Me desculpe se você ainda for um adolescente, mas eu já fui, e digo com propriedade que adolescente é muito bom em fazer e pensar merda, sendo melhor apenas em uma outra coisa: justificar essa merda toda com merdas ainda maiores sem sentido nenhum. O que não quer dizer que você, se for adolescente, deva mudar. Que chato seria se o Shirou tivesse mudado agora, não é? No caso dele isso signicaria a própria morte. Não se mate. Apenas não seja um adolescente para sempre. Archer foi adolescente até a morte e escolheu um destino de adolescência eterna, e veja só no que ele se transformou.

Encerro criticando de novo o excesso de falatório desse episódio: vai me dizer que foi “importante”? Ora, eu sei que foi. As informações transmitidas foram importantes, e, devo dizer, comparado ao Fate/Stay Night anterior e ao Fate/Zero, esse é o que mais esclarece as questões sobre o funcionamento do Graal, da guerra, de onde vêm os espíritos heróicos e essas coisas todas, e eu gosto disso. Mas não gosto quando um anime, um meio de comunicação audiovisual e com tantas possibilidades narrativas se reduz a ditar a história. O dia que eu for traumatizar crianças contando Fate para elas dormirem ao lado da cabeceira da cama, eu vou ditar tudo, simplesmente porque não tem outro jeito. Um anime tem, e Fate sabe disso, tanto que foi assim, aproveitando todo o potencial narrativo de uma animação, que ele contou que o Archer era o Shirou. Perderam o momento de revelar isso com mais impacto, mas esse é outro problema. Admito que provavelmente nem tudo pudesse ser contado de formas não faladas, mas algumas coisas poderiam, ou poderiam talvez ter dividido essa exposição toda em mais de um episódio. O episódio anterior foi o que mesmo? Inteirinho para “revelar” que o Archer era o Shirou? E ainda repetiram isso nesse episódio? Tá vendo, já comecei a achar tempo que poderia ter sido usado de forma melhor e nem me esforcei ainda.

    • Eu sei que o Zero foi criado depois, mas nada impede que nesse anime, feito depois do Zero, eles alterem detalhes da história original do jogo para ficar mais próximo ao Zero que é recente e fez tanto sucesso. De todo modo já vi quem conhece a VN dizer que esse anime tem sido basicamente a transcrição da rota para a tela (e essa é a causa de tantos problemas narrativos), então sendo isso verdade a chance de alterarem a história é menor, realmente. Mesmo assim, como não conheço, preferi não afirmar.

      • Emmannuel Alexandre

        Ah sim, agora eu entendi. Mas como alguém que já leu a VN, não tem Ctrl C Ctrl V não, pode ficar tranquilo.

      • Vou assistir depois quando estiver em casa, obrigado!

        Sobre a questão do arrependimento, bom, foi a única coisa (além da “narrativa narrada”) que critiquei nesse episódio, mas acho razoável que um adolescente contrariado diga isso por puro despeito, então não considero uma falha. Claro que a gente em geral prefere protagonistas mais inteligentes, mais racionais, mais coerentes, mas em Fate/Stay Night só temos o Shirou mesmo, fazer o quê, hahaha!

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