Lhes apresento dessa vez um anime que talvez já conheçam, mas caso essa não seja a realidade, deixo aqui o convite. Assistam Da Yu Hai Tang, mais conhecido por seu título em inglês, Big Fish & Begonia.

 

 

Diferente do que já estamos acostumados, ou mesmo anestesiados, esse anime desenvolve uma narrativa tipicamente chinesa, que não tem real preocupação com o estilo mais padrão de transmissão visual. Embora essa afirmação que acabei de fazer, seja contraditória ou mesmo mentirosa se analisada a fundo. Big Fish é uma obra que adentra na linguagem estabelecida e consolidada do que comumente conhecemos por anime, e conta uma história do jeito típico e consolidado do que conhecemos por mitologia chinesa.

As particularidades temáticas, o ângulo de abordagem, a construção narrativa e expositiva, a visão de mundo e a apresentação do mistério, tudo remete a cultura da China, é um anime profundamente engajado em se consolidar respeitando as suas próprias origens, homenageando-as.

 

 

Digo tudo isso acima, principalmente, mas não apenas, para que o olhar de quem assiste não adentre com preconcepções e costumes críticos engessados, é preciso imergir na proposta e no ritmo próprio da fantasia expressa pelo filme, caso contrário, incômodos perniciosos podem assomar injustamente.

Esse conselho é mais para os espectadores ingênuos ou esporádicos que não estão condicionados junto a uma abertura maior de perspectivas e consideração, pois é claro que os já iniciados em animes artísticos e personalistas, compreendem bem o que estou dizendo.

Muitos, e digo muitos mesmo, animes japoneses são o que consideramos fora da caixa, seja na premissa visual, seja na estruturação dos elementos de roteiro; o como manejam as peculiaridades de suas histórias pode variar e agradar imensamente aqueles que estão abertos ao novo e ao diferente, e Big Fish, embora tenha um rosto tradicional, inspirado em estéticas japonesas e ocidentais de animação, mantém o mais importante, a história e o esqueleto da obra, em submissão a cultura chinesa estritamente apresentada.

 

 

Quebrado as barreiras do preconceito ou da rigidez de deleite, o anime é singelo e simples em apresentar um conto popular, elemental e mitológico, que representa o romantismo de uma fábula milenar.

Acompanhamos Chun, uma garota no final da adolescência que habita um mundo estabelecido na fronteira das forças vitais da natureza. Ela, assim como a todos que ali habitam, se consideram como “outros” seres que não são nem divinos e nem humanos, mas que possuem profunda conexão com as forças vitais da natureza, e por vezes são as próprias forças vitais da mesma. O povo de Chun controla os elementos, o clima e a transição das forças, não apenas nesse reino fronteiriço que complementa o plano humano material, como até mesmo no que tange ao princípio da vida e da migração das almas.

Chun tem de passar por um rito de amadurecimento, ela e seus semelhantes que atingem uma determinada idade, são enviados ao mundo humano, ao mundo que gerenciam o clima e as almas, para conhecer a realidade prática e bruta da aplicação da vida. É como se um escritor adentrasse em seu livro, ou um criador de jogos, em seu jogo, para poder presenciar em carne e osso, as consequências de sua gerência e influência sobre essa criação. No caso dos “outros” eles não são os criadores, mas sim os administradores.

 

 

Chun migra para o mundo humano e interage com esse plano existencial com grande curiosidade, entretanto, em sua jornada, acaba por se machucar e se aprisionar, a brecha para retornar para o plano elemental é curta, e caso não retorne, seu destino é incerto. Acudida por um dos humanos locais, Kun, um pescador e jovem morador que nada sabe sobre a real identidade de Chun, a ajuda, mas no processo, sem querer, Chun empurra Kun para um trágico fim.

O mundo humano não é o palco dessa obra, mas sim o mundo elemental. Chun retorna para casa abalado e aflita, acabou de assassinar um dos humanos com quem interagiu. A culpa e angústia lhe guiam para uma decisão resoluta. Ela é guiada, em parte por sua vontade, em parte pela mágica fábula do cenário, a encontrar o responsável pelas almas dos mortos, e em face dessa prosa com aquele que cuida e dá destino a essência dos corpos, ela efetiva um contrato, um pacto para pagar pelo seu pecado assassino.

Big Fish conta a história de Chun, sua jornada de redenção ao cuidar e amadurecer a alma de Kun, o humano que ela matou, auxiliada pelo seu amigo e igualmente determinado Qiu, um rapaz um pouco mais velho que entende a situação e se rende ao afeto que tem pela garota.

 

 

Toda a jornada de cuidar da alma de Kun, no entanto, é tempestuosa, principalmente pelo fato de que amadurecer uma alma humana dentro do reino elemental, não apenas é um tabu, como efetiva uma catástrofe em degradação revoltosa inevitável.

Chun, indiretamente e diretamente, leva o reino elemental ao completo colapso, e esse processo de proteger e cuidar, pagar a sua divida e se render a sentimentos de amor em relação a alma humana, representada por um grande mamífero aquático com chifre, que no caso é o Kun, é a metáfora maior do filme. A paixão dos “elementos” pela vida que protegem.

 

 

A jornada de Chun e Qiu é complexa e repleta de tragédias, mesmo auxiliada por sua Avó e seu Avô, mesmo que esteja em constante relação com os responsáveis pelas almas humanas, representados por uma entidade de um olho que gerencia as boas almas, e por uma senhora de aparência roedora, que gerencia as almas ruins, Chun se depara com a constante degradação que sua decisão arremessou o mundo. O risco de manter Kun no mundo elemental é tamanho que sacrifícios ainda maiores acabam tendo de ser manifestados.

Chun e Qiu são personagens muito interessantes que moldam o destino através da gentileza e do egoísmo. O desfecho da obra é digno de nota e de elogio, muito pode lembrar e se equiparar aos clássicos filmes da Ghibli ou outras obras intrincadas que tão bem conhecemos do Japão.

Deixo essa resenha parcialmente inconclusiva propositalmente para que aceitem o convite e apreciem com atenção essa obra delicada e intensa, estritamente alegórica e diretiva, com a adequada cabeça aberta que a mitologia elemental chinesa nos convida a adentrar. Até a próxima.

 

    • ^^ sim, eles tem semelhanças, ambos são chineses, mas para além disso, algumas características e escolhas técnicas em relação ao tom da linguagem da animação… mas acho que Shiki Oriori não conseguiu convencer tanto quando Big Fish em sua proposta artística!!! De todo modo, são animes interessantes mesmo ><

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