[sc:review nota=5]

Nesse episódio culmina toda a experiência da Mulher de Cabelo Negro desde que ela despertou sem memórias e se tornou ajudante do Decim. Talvez se não fosse um julgamento complicado com pessoas complicadas isso demorasse muito mais, ou talvez nem acontecesse. Mas aconteceu, e a conclusão dela é categórica: Decim não está julgando ninguém.

Se eu tivesse que resumir o que Decim faz, e acho que é o que a Mulher de Cabelo Negro também pensa, eu diria que ele tortura as almas que chegam a ele para ver se elas estouram. Se estourar vai para o vazio infernal, senão reencarna. A aparente falta de emoções dele e o comportamento austero que demonstra durante os julgamentos passam uma sensação de distância que dão uma falsa impressão de justiça. Se ele está só assistindo enquanto permite às almas em julgamento agirem sozinhas, então deve ser justo, não é? Ele até possui um instrumento para interferir nos jogos e forçar reações, mas raramente usa. Decim é justo sim, justo como uma criança que coloca diferentes insetos e pequenas criaturas dentro de um vidro e fica silenciosamente assistindo elas interagindo (e eventualmente se matando). Outros juízes podem ser menos silenciosos, como Ginti demonstrou. Mas a essência do que Ginti e Decim fazem não é diferente. O problema na verdade é anterior e o Decim nem tem culpa: jogos não são julgamento.

Mais uma vez, a aparência do Decim e de seus julgamentos podem fazer parecer que o que está acontecendo ali é justo. Talvez até funcione em alguns casos, como o do casal que jogou boliche, mas puxe pela memória os demais julgamentos e diga, com sinceridade, que acha que eles foram todos justos. Ou que pelo menos a maioria foi justa. Ok, tirando o do boliche, algum outro pareceu justo..? A resposta é desoladoramente negativa. Para efeitos de argumentação, não estou incluindo nisso o julgamento do Death Billiards, faz muito tempo que o assisti e eu não pensava sobre nada disso na época, então na impossibilidade de avaliá-lo prefiro excluí-lo da conta. No jogo de dardos, a esposa estourou por causa das suspeitas do marido (somado à culpa que ela sentia por tê-lo traído sim, mas o filho era dele e ela o amava de verdade) e foi enviada para o vazio. No fliperama, a mãe solteira com uma penca de filhos que comeu o pão que o diabo amassou para conseguir criá-los estourou com a possibilidade de morrer e não poder voltar a eles por perder em um jogo cuja vitória estava diante de seus olhos um mero instante atrás (e Decim roubou contra ela, tirando sua chance de vitória naquele momento). Na partida de air hockey, mesmo após encerrada, Decim permitiu que o detetive continuasse provocando o irmão mais velho que havia criado sozinho a irmã, e por fim Decim ofereceu ao jovem uma oportunidade tentadora de vingança.

Em todos esses casos as condições do jogo, o estado mental dos jogadores (com suas próprias memórias atormentando-os conforme retornam lentamente) e as atitudes do juiz (às vezes sendo assustadoramente lacônico, às vezes interferindo no jogo) contribuíram decisivamente para que os respectivos jogadores estourassem. Não é o caso de dizer que todos eles seriam pessoas boas, mas há que se reconhecer que só agiram da forma como agiram porque foram levados além de seus limites. E essa é precisamente a intenção do jogo, declarada por Decim quando ele diz que para julgar é preciso “atrair a escuridão da alma humana”. A Mulher de Cabelo Negro está coberta de razão quando afirma que ele não está atraindo escuridão coisa nenhuma, ele a está provocando. E nesse sentido ele é assustadoramente parecido com o detetive que permitia que crimes acontecessem e que provocou o jovem até o ponto de enlouquecê-lo. Não à toa ele é um detetive, ou seja, alguém que também está envolvido com a administração da justiça. E ele claramente é um fracasso, o que ele faz é tudo menos justo. Decim é um boneco quase inexpressivo, mas no fundo o que ele faz é igual ao detetive. E da mesma forma, o que ele faz não é justo.

Até onde o anime dá a entender, as coisas simplesmente são assim nesse tribunal-purgatório. Sempre foram e se nada mudar, sempre serão. Não obstante, Nona está tentando fazer algo para que alguma coisa mude. Será ela movida por justiça? Ela sabe o que é justiça? Talvez apenas curiosidade? Ou algo mais urgente que tem a ver com o fato dela já ter dito mais de uma vez que “o tempo está acabando”? De todo modo, ao fim do episódio, após o julgamento, a Mulher de Cabelo Negro estourou enquanto Decim ainda tentava entender o que estava acontecendo consigo mesmo (porque algo aconteceu com ele quando ela começou a surtar durante o julgamento). Como quem saía de um transe, Decim focou o olhar nela. E o episódio termina com a imagem sinistra do elevador para o vazio. A Mulher de Cabelo Negro pode estar em apuros.

  1. Na minha opinião foi tudo justo sim, a mulher casou com o cara so por causa do dinheiro enquanto o estava traindo, a mãe dos 5 filhos era uma merda pra todas as pessoas, humilhou tanto uma mulher q fez com q ela a matasse, e o garoto mesmo indo em busca de vingança matou o detetive q não tinha nada a ver com isso, todos que foram pro vácuo foi merecido.

    • Fábio "Mexicano" Godoy

      A justiça ou injustiça, no caso, não se refere ao merecimento efetivo da pessoa, mas à condição do julgamento. À rigor, alguém terrível mas sem nenhum remorso pode eventualmente passar e “ser absolvido” no julgamento que o Decim promove, enquanto alguém que não fez nada demais pode sucumbir. Talvez alguém que não fez nada mesmo, se a única alternativa aparente for a outra pessoa contra quem você está for alguém que você não queira que desapareça – e eu poderia citar como exemplo o primeiro episódio, mas ele não é categórico sobre a mulher ter ou não traído, então prefiro o episódio do outro julgador em que a fã, que era meio abobada mas era um amor de pessoa, perdeu de propósito para salvar seu ídolo arrogante.

      Esses julgamentos em si são injustos, porque não estão avaliando as ações em vida das pessoas. São apenas testes de resiliência – e são jogos, ainda por cima, em que duas pessoas são jogadas uma contra a outra na maioria das vezes. Como um relógio quebrado, que acerta a hora duas vezes ao dia, mesmo esse tipo de julgamento pode acertar às vezes.

      E isso para não entrar no debate mais profundo sobre o que é “bom” e o que é “mau” nos resultados desses julgamentos. Ir para o vazio e deixar de existir é mesmo “mau”? Reencarnar é “bom”? Para o budismo, é exatamente o contrário. Eu sei que o imaginário do anime faz parecer que é assim que as coisas são, mas não esqueça que de todo modo todas as almas irão eventualmente para o vazio se só existem essas duas opções.

      Obrigado pela visita e pelo comentário =)

      • Sobre a garota que era fã eu realmente achei injusto, mas no caso não levei em consideração por não ter sido o Decim, de resto ainda acho q não houve injustiça de pessoas boas foram pro vazio, mas o contrário, de pessoas ruins que foram para a reencarnação, tipo o marido que tentou matar a esposa, os dois deviam ir para o vazio, e sobre oq vc falou de ser relativo reencarnação ser bom eu concordo, pensei bastante e pessoalmente se fosse comigo preferiria ir para o vazio do que reencarnar.

      • Fábio "Mexicano" Godoy

        Eu só usei exemplos do próprio anime, mas a questão independe disso. O julgamento é, em si, injusto, porque não está de verdade julgando nada. O Decim só libera memórias devagar para ver se os jogadores-almas em julgamento enlouquecem e perdem o controle, e aí ele diz “ahá! perdeu!”. Bom, diria, se tivesse emoções. Você entendeu. O fato é que isso não tem nada a ver com as pessoas serem boas ou más. O fato de ser um jogo um contra um só piora, ainda que frequentemente sejam pessoas conhecidas e relacionadas – mas não necessariamente são.

      • Fábio "Mexicano" Godoy

        Naturalmente, você pode achar que, independente de tudo isso, um ou outro resultado foram “justos”, da mesma forma como olhamos uma pessoa que não gostamos chutar um móvel com o dedinho e pensamos conosco “bem-feito, mereceu!”, como se isso fosse alguma forma de julgamento divino – mas não é. O que eles fazem aqui também não é, ainda que seja construído como se fosse.

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