86 volta para se despedir do público com um episódio arrebatador no qual não só vimos a superação dos grandes traumas que atormentavam o protagonista Shin, como o reencontro com aquela que para ele simboliza a esperança, a Major Lena.

Ainda não foi dessa vez que eles se reencontraram para valer, mas a palinha dada e toda a sobreposição do lúdico com o real que permeou o desfecho do conflito com o Kiri, assim como dos conflitos do próprio Shin, tornaram esse o episódio mais incrível do anime.

O longo e caótico trecho lúdico envolvendo o Shin e o agravamento de todos os seus tormentos tomou vários minutos desse episodio e nos mergulhou em uma onda de desespero e pessimismo que só poderia mesmo ter sido superada com a ajuda de uma interferência externa.

Não sei se quem o salvou antes foi a Lena e sua unidade, mas sei que dessa vez foi ela que fez isso, o trazendo para a luz, sobrepondo o azul mórbido que representava dramas congelados no tempo com o vermelho vívido do sangue derramado nos campos de batalha.

Esse sangue, que por um lado simboliza as vidas perdidas e todas as desgraças que elas trouxeram, também pode ser encarado como uma prova de humanidade daqueles que perderam a vida no campo de batalha. Não como desperdício, mas para pavimentar um futuro.

E foi com essa destreza, embalada por tanta delicadeza, quanto coragem, que a direção propiciou momentos intensos e intricadamente inteligentes não só em seu trecho inicial, como também na sequência em que os dois protagonistas se conhecem pessoalmente.

Ficar para trás, sozinho, suportar expectativas, de alguém que já está morto, encontrar um significado para a vida em meio a tantas mazelas, após se deparar novamente com a perda. Foram tantos sentimentos, tantas aflições, que é impossível não se sensibilizar com o Shin.

E o melhor disso foi a forma como esses pesadelos se sobrepuseram e se misturaram com a simples e pura realidade. Na hora em que a Lena se dirige ao veículo de combate do Shin eu jurava que aquilo era ele delirando, mas não, estava acontecendo fora do plano das ideias.

Ao mesmo tempo, ele ainda se via atordoado por todos aqueles pensamentos negativos, e não inverídicos em sua totalidade, que só foram se diluindo com a conversa, uma conversa carregada por um diálogo convenientemente pungente, mas na mesma medida compreensível.

Por quê? Porque o impacto que o Shin e os outros tiveram na vida da Lena voltou para eles, trazendo uma percepção de que valeu a pena, suas vidas não existiram apenas para aquele momento, mas também para ele, para que alguém levasse seus nomes e histórias até a luz.

A Lena buscava a dignidade e o reconhecimento dos heróis/vítimas Eighty-Six, os irmãos do campo de batalha que Shin cultivou e carregou por tanto tempo e que ao reencontrá-la ele percebeu que não eram mais apenas dele. Não é um peso que ele precisa mais carregar sozinho.

Agora o Shin pode dividi-lo com alguém, e alguém que ele inspirou e que foi inspirada por ele. Isso não é extremamente gratificante? Ser transportado para dentro dessa catarse e acompanhar em primeira mão ao que essa compreensão podia levar foi sem palavras.

Shin reencontrou algo que nunca perdeu, pois nunca teve: a esperança. Ao reencontrar a Lena e ter certeza de que era ela, a Major que aprendeu tanto com eles, amadureceu tanto com eles e sobreviveu também para honrá-los, tudo pelo que ele passou fez sentido.

Promover esse reencontro guardando a consciência plena dele para outro momento (o que talvez o anime sequer mostre em sua plenitude, apenas indique que vai acontecer) foi uma jogada de mestre tão safada, quanto diabolicamente irresistível.

Não consegui me chatear com essa opção narrativa, ainda mais diante de tanto beleza, simbolismo e bom gosto. O apego aos detalhes, a trilha sonora exemplarmente bem produzida e encaixada e a própria composição visual cheia de trejeitos elevaram demais a catarse.

Para mim esse episódio foi uma experiência a qual não tenho palavras suficientes para descrever pelo quão gratificante e surpreendente ele conseguiu ser. Eu pensava que o Kiri e o Morpho não tinham mais nada a acrescentar, mas não, eles fomentaram a base para o resto.

E que “resto”, hein. Mas não posso deixar de elogiar o pós-catarse, que foi a conversa com a Frederica, a descoberta da sobrevivência dos companheiros e até mesmo a mudança de fisionomia do Shin, que não deixou de ser pacato, mas agora consegue sorrir genuinamente.

E não só genuinamente, deliberadamente também. Os sinais de melhora, de mudança, são evidentes, o que me faz esperar com ansiedade pelo encontro deles com a Major, o qual, repito, talvez nem precise ser explorado em primeiro plano, deve bastar que saibamos que aconteceu.

Porque é como o Shin diz, ele deseja reencontrá-la fora do campo de batalha, com os objetivos de ambos concluídos, com suas missões encaminhadas e suas histórias cruzadas, como iguais. É o que eles são, iguais, pessoas que conseguiram se apoiar nos piores tempos.

86 nos deu uma lição valiosa sobre a complexidade dos sentimentos e a importância de dar uma resposta equivalente a esses sentimentos, por meio de atitudes capazes de apoiar alguém em desespero, alguém traumatizado e atormentado pelas cicatrizes de uma guerra.

Em tempos tão difíceis nos quais russos atacam ucranianos e o mundo finge demência diante de tantas outras barbaridades que também não deveriam ser esquecidas, me deixa feliz ver a história que 86 é capaz de nos contar, uma ficção tão cheia de camadas e lições.

Até a próxima!

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