Blue Lock – O Japão quer um Haaland para chamar de seu – Primeiras impressões
Blue Lock é um anime do estúdio 8bit que adapta o mangá esportivo (futebol) escrito por Muneyuki Kaneshiro e ilustrado por Yuusuke Nomura. Segue abaixo a sinopse extraída da Crunchyroll (o streaming oficial do anime).
“A eliminação do Japão da Copa do Mundo de 2018 fez a União Japonesa de Futebol começar um programa com foco em convidar estudantes para participar de uma seleção de jogadores para treinar e se preparar para a Copa do Mundo de 2022. Yoichi Isagi, um atacante no time de sua escola, recebe um convite para participar do programa logo após seu time perder as finais do campeonato de Saitama e deixar escapar a chance de jogar o campeonato nacional.”
Assistindo essa estreia fiquei pensando no quão “cringe” Blue Lock parecia, ainda mais para quem já está cansado da mesma conversa fiada de sempre em animes de futebol, que é o Japão levar a Copa. Contudo, refletindo sobre a história, não é que ela sai da “caixinha?”
Animes de futebol (de esportes em geral) focam muito no desenvolvimento dos personagens em meio ao esporte, de suas relações interpessoais e da ideia de disciplina e esforço frente a um objetivo, algo praticamente intrínseco a cultura japonesa.
Então sim, ao propor o “egoísmo” como alternativa para o sucesso, Blue Lock faz uma crítica a cultura japonesa, dando a entender que são justamente a irmandade e o respeito ao processo coletivo as grandes falhas que levam o Japão ao fracasso nos gramados.
A forma de apresentar esse conceito, em uma espécie de battle royale de atacantes, com certeza não é a mais madura do mundo, mas, convenhamos, se trata de um anime (e um que adapta um mangá da demografia shonen), seria difícil não ter essa pegada.
Além disso, por mais que eu questione a proposta de reunir 300 atacantes para selecionar um (como vão formar times para se enfrentarem se todo mundo joga na mesma posição?), por conceito faz sentido a colocação que é levantada ao longo do episódio.
Produzir um atacante de nível mundial (o famoso “world class”) não é o mesmo que produzir um jogador do mesmo nível, mas de outra posição, pois, e isso é uma verdade absoluta, a finalidade da competição é o gol e quem é a figura encarregada de fazê-lo mesmo?
Sendo assim, apesar de ainda achar a abordagem meio caricata, é inegável que as ideias do chefe do “experimento” têm fundamento. Aliás, você conhece um pouco de futebol? Sabe porque eu citei o Haaland, o centroavante do Manchester City, no título deste artigo?
Porque ele é exatamente o que o Blue Lock quer produzir, um atacante world class oriundo de um polo de menor relevância no futebol, que no caso do comandado do Guardiola é a Noruega. Haaland é, no momento, o artilheiro da Premier e da Champions League.
O escorpião que sair do pote vai ser uma espécie de Haaland de olho puxado, o que está na cara que será o protagonista, o Yoichi, mas até lá temos muito a ver na história e creio que essa estreia já deu uma boa palinha do que deve ser o anime.
Só que antes de me aprofundar nisso, quero entrar um pouco na mente do protagonista para juntos entendermos o que o levou a agir como agiu nessa estreia, como a construção narrativa da formação do seu ego abriu espaços para os gols que essa história pode marcar.
Primeiro, Yoichi não é nenhum prodígio e, apesar de ser um bom jogador, começa a história com um fracasso, o que é ainda pior por ele ter estado diretamente envolvido no lance crucial para a derrota e desclassificação do seu time. “E se eu não tivesse passado a bola?”
Essa é uma pergunta que todo jogador, principalmente um atacante, já deve ter feito na vida, mas para a qual não há resposta. O Yoichi nunca vai saber o que teria acontecido, por isso faz sentido que ele lamente e pense em como a história poderia ter sido diferente.
Isso atiça seu “ego”, desperta-o para um egoísmo que nem mesmo ele reconhecia em sua formação como jogador. Mesclar essa experiência com um sonho ambicioso, ganhar a Copa do Mundo pelo japão, move Yoichi a um ponto sem volta em sua jornada no esporte.
Blue Lock acerta ao construir a narrativa em torno desse protagonista, ao mesmo tempo em que também se dá ao direito de, potencialmente, questionar as próprias verdades na figura do Nagi, o co-protagonista que entra no battle royale para derrotá-lo em seu jogo.
Quer o Nagi faça igual o Yoichi e “venda” a alma para o egoísmo ou não, imagino que acompanhar sua trajetória também seja interessante. Claro, se a eliminação do “bobo” for pegadinha, e deve ser. Não vejo a trama jogando fora um personagem desses.
É por esses e outros aspectos que a proposta de Blue Lock me conquistou, pois, apesar de ser absurda, é conceitualmente razoável. O movimento de reduzir o grupo de personagens em torno do protagonista mesmo foi uma boa forma de centralizar a competitividade.
E não só isso, a posição “hierárquica” do Yoichi não foi tão próxima da “nota de corte” por acaso, foi para realçar a ideia de superação das próprias limitações e enfrentamento da própria mediocridade, é por isso que ele desiste de bater em quem é mais fraco que ele.
Fazer isso seria cômodo, mais fácil. Bater em cachorro morto é diferente de desafiar e matar um Golias. No futebol muitos jogadores têm que matar um Golias por dia para chegar ao topo e isso se liga umbilicalmente a ideia de egoísmo, de ser fominha na frente das redes.
Exemplos de grandes craques egoístas não foram dados por acaso, foi para exemplificar a fome de gol, a fome de reconhecimento que persegue um atacante matador por toda a sua vida. Você não acha que o Cristiano Ronaldo marcou tantos gols por ser um cara abnegado, né?
O Yoichi quer ser um monstro desses e para isso ele precisava dessa virada de chave, dessa coragem para enfrentar suas próprias limitações morais em prol de seu objetivo, ser campeão mundial de seleções, chegar ao topo, ser o melhor e marcar seu nome na história.
É por isso que, apesar do nariz torto de início, posso dizer que apreciei genuinamente essa estreia, principalmente pela segunda metade do episódio, que contou com uma animação muito boa na hora do “game” e uma roupagem de impacto, cheia de adrenalina.
Os fins justificam os meios para marcar gol e vencer jogos? Veremos. Em qualquer conclusão a qual o anime chegar, pode ter certeza de que estarei lá para acompanhá-la, pois Blue Lock se mostrou o Haaland dos animes de futebol, um fominha que já está marcando história.
Até a próxima!
P.S.: Pelé é o maior da história, quem discorda nem é gente.