Chainsaw Man é um mangá de Tatsuki Fujimoto que foi lançado na revista Weekly Shounen Jump e finalizado com 11 volumes. Um anime foi anunciado e será produzido pelo estúdio MAPPA (Jujutsu Kaisen, Banana Fish, Kakegurui, The God of High School) e o mangá está sendo lançado no Brasil pela Panini. Já adquiri os três primeiros volumes e espero que você faça o mesmo após ler essa resenha. Segue abaixo a sinopse da editora:

 

“Denji é um jovem extremamente pobre que junto de Pochita, seu demônio de estimação, trabalha feito um condenado como Caçador de Demônios para pagar a imensa dívida que possui. Mas sua vida de miséria está prestes a mudar graças a uma traição brutal!! Aqui começa a história de um novo anti-herói que com um demônio em seu corpo, caça demônios!”

 

 

Chainsaw Man é um mangá subversivo? É. Por que, se tem um trio de heróis, um bando de “waifus”, ecchi, ação desenfreada e vários dos clichês comuns aos battle shounens? Porque esses e tantos outros elementos são trabalhados de maneira às vezes sutil, às vezes significativamente fora do padrão. E olha que ainda nem falamos do autor. Você leu Fire Punch (maior obra dele até CM)? Conhece a “fama” do Fujimoto-sensei?

Não vou falar demais do criador, tudo que você precisa saber sobre ele está em suas personagens e nas tramas que ele cria. Peguemos o trio de heróis; Denji, Power e Aki. O primeiro poderia seguir o padrão do Tanjiro (Kimetsu no Yaiba) e Yuuji (Jujutsu Kaisen), mas é bem diferente. A Power não é a Nezuko e nem a Nobara, mas não é a Noelle (Black Clover) também. Já o Aki é o Eren (Ataque dos Titãs)? Quase… Mas não!

Apesar disso, eu diria que o Aki é o que mais se aproxima do padrão de protagonista com objetivo “forte” que é justamente limitado por isso. Mas ele é o deuteragonista, essa padrão acaba sendo trocado entre ele e o Denji, que tem o mesmo passado triste de um Naruto ou Tanjiro, mas reage a sua miséria de maneira bem mais crível. Ele quer curtir os prazeres da vida que nunca teve a oportunidade de experimentar.

Nós vivemos em um mundo globalizado, cheio de atrativos e distrações e, apesar de demônios emergirem a sociedade vindo literalmente do inferno, de resto o mundo de CM é exatamente como o nosso mundo. Sendo assim, o individualismo do Denji acaba sendo bem mais crível vendo o contexto de merda em que foi criado, assim como ele “cresce” ao fazer um pacto com seu demônio de estimação para sobreviver.

Aliás, esse é outro detalhe muito daora de CM, o dinamismo com o qual a trama é contada, a ação se desenrola e as personagens são introduzidas e sacadas. Ser um funcionário público que caça demônios (porque é isso que o Denji e seus parças são) é uma profissão de risco e como tal faz muito mais sentido que personagens morram ao longo das tretas que se desenrolam, ainda mais com a chegada do Denji, alguém “especial”.

Além disso, a aceleração dos planos de ação (muitas vezes partindo de um ponto A a C sem passar pelo B, desnecessário aqui) e a forma muito descontraída (e bem menos dramática do que poderia ser) que a história é contada compactuam com esses protagonistas que citei mais acima e que são sim clichês em alguma medida, mas que acabam tendo essas características manjadas usadas de maneira mais inteligente que a média.

O Aki busca vingança, mas muda ao longo da trama (infelizmente, não a tempo de não “pagar o pato” por isso). O Denji tem 16 anos, é normal que queira pegar em seios e ter várias namoradas, o moleque está explodindo de hormônios (e tudo isso enquanto se questiona sobre “sentir” alguma coisa). A Power é a mais zoeira do trio, mas acaba tanto não sendo um interesse romântico fácil, quanto não sendo sem “personalidade”.

Os clichês que rondam as personagens são bem aproveitados justamente para destacá-las em comparação a outras na mesma posição que elas ocupam em suas respectivas tramas. E aqui não estou querendo dizer que acho o Tanjiro ou o Yuuji ruins, mas será que já não está saturando? O nível de violência gráfica e narrativa (Kimetsu e Jujutsu são um bagulho meio “dark”, né?) mudou, mas o que querem os heróis não, porém…

 

 

Chainsaw Man é o próximo passo da indústria, é o filho pródigo de uma sociedade muito mais urgente, muito mais intensa e sarcástica do que era há dez anos atrás. De tal forma, é normal que as produções artísticas e culturais acompanhem esse ritmo. Não à toa uma das discussões mais pungentes do mangá no Brasil (e aqui não pretendo me aprofundar nela) é sobre as zoeiras da tradução “alternativa” feita por fãs da obra.

Por quê? Porque o mangá dava margem para isso, ainda que br seja huehue mesmo quando só força. É sério, consigo entender a “adaptação” feita, ainda que não concorde com ela em todos os balões ou não tenha rido de todos os exageros. A mídia é assim, as gerações mudaram, a sociedade mudou, então por que as narrativas clichês de mangás battle shounens não se sofisticariam ao menos um pouquinho?

Chainsaw Man se aproveita bem disso ao não só subverter algumas expectativas com seu protagonista, mas também tratar de maneira muito crua certas questões que são bem mais enroladas em outras obras do mesmo gênero. Não à toa eu consigo ver a nudez de CM e não achar nada erótico em praticamente nenhum momento porque não é para ser mesmo. As funções das coisas nesse mangá muitas vezes são invertidas.

E é aí que entra outra personagem fantástica que ganhou um tanto de rage da fanbase por causa do final do mangá, mas eu tenho certeza de que todo mundo gosta: Makima. Assim como o Gojou de Jujutsu Kaisen ou o Kakashi de Naruto, ela é a “mentora” dos protagonistas, mas não é somente isso, e não só porque é uma mulher, mas porque ela não é uma mentora porcaria nenhuma e sim alguém que se aproveita deles.

Em um mundo cheio de demônios, possessos e o “Homem Motosserra”, ter essa figura feminina profissional e zoeira, centralizadora e esquiva, acaba sendo bem legal de ver, mas não exatamente em um sentido de reparação histórica pela forma patética com a qual personagens femininas muitas vezes são tratadas em mangás e sim porque ela comporta muitos elementos em seu leque de características. É durona, é sedutora, é inteligente, é implacável.

Não por acaso ela manipular os outros é parte do que ela é. É um spoiler grande para quem ainda não leu o mangá, então não falarei mais, só friso que a Makima é sim uma ótima personagem pelo quão cheia de si e fdp a desgraçada é, e tudo isso sem perder a pose. Ela ajuda o Denji crescer, pois ele é um moleque com os hormônios à flor da pele, sentimentos confusos e nenhum parâmetro para entender o que são relações saudáveis.

Pouco antes de entrar no serviço público e se tornar o “cachorrinho” da Makima tudo que ele tinha era horrível, não tem como julgar a entrega dele a essa figura, assim como super entendo os movimentos que ela faz para atingir seu objetivo. A gente pode até encarar uma ou outra saída como artifício de roteiro safado ou uma construção que queime a “heroína”, mas, convenhamos, tematicamente não é mais interessante assim?

O Demônio Pistola mesmo, que era pintado como o grande vilão da trama quase pelo mangá todo, no final era uma figura quase abstrata usada a fim de equilibrar o poder entre nações, se aproveitando de um cenário geopolítico que pode não ser o mesmo da guerra fria, mas emula o que acontecia naquela época e, repito, encontra na figura da Makima um ponto de solidez capaz de englobar a história em todos os seus aspectos.

Diria até que foi justamente o advento na Makima na vida do Denji que o fez acordar para mais coisas do que ele faria se não sofresse o choque de realidade que teve com ela. Peguemos as relações que ele constrói ao longo do mangá, seja com seus parças, Power e Aki, ou até com várias das outras heroínas que aparecem ao longo da trama, o Denji ainda tem muito o que se desenvolver enquanto pessoa, ele é muito inexperiente.

Aliás, é também em sua variedade de personagens que CM se destaca. Tem o hilário e safo Kishibe, a Quanxi com seu harém de possessas (as páginas coloridas delas são umas das mais “ousadas” do mangá), a fofa Kobeni com sua caranga irada (que inclusive ficou na frente dela em um concurso de popularidade da obra) e a pinguça e sexy Himeno (que proporciona um dos momentos mais nojentos dos mangás), entre outros.

 

 

Poderia falar de vários outras, inclusive demônios, mas me limitarei a duas questões relevantes sobre as personagens coadjuvantes. Primeiro, a Rize, que com sua sensualidade de moleca seduz o Denji e nos oferta um caminho alternativo ao magnetismo maduro da Makima, e em uma comparação entre as duas com certeza abocanhou muitos corações antes e após o fim do mangá. Segundo, a utilidade dessas personagens como um todo.

Elas não vieram a trama (e muitas delas foram embora) apenas para chocar momentaneamente e sim trabalhar ideias que em muitos pontos agregam ao desenvolvimento do Denji e mesmo de outras personagens, como o Aki, que ao interagir com o demônio anjo, além de seus parças, mudou muito sua visão de mundo sobre os demônios e sua vingança, passando a valorizar mais a vida daqueles que amava que sua sede de sangue.

Isso, claro, levando em consideração toda a influência que a Himeno teve para ele, e um pouco até para o Denji, ainda que ele não tenha sentido nada quando ela se foi. Aliás, a relação do herói com a Rize mesmo foi muito bacana não só por mostrar essa alternativa sentimental ao controle da Makima, mas também por trazer essa pincelada sobre um contexto maior que influencia no cenário de desigualdade e exploração por trás da “heroína”.

A Rize não existe só para prover novas experiências e, em alguma medida, um coração partido ao protagonista, mas ir avançando em uma ideia que tomou o mangá da metade para o final e justificou muito do “hype” criado em torno da figura do Homem Motosserra. É verdade, falei pouco dele até aqui, mas é justamente por isso porque antes da figura do herói com sua cabeça e braços motosserra há muita coisa rolando no mangá.

Pochita, o parceiro inseparável do Denji, faz uma espécie de contrato com o herói no qual ele carece de sangue para se transformar, mas não há limites aparentes para o que ele, o “Serra” (não aquele do PSDB, por favor), pode fazer, o que é muito estranho se formos pensar no quanto os demônios e seus poderes exigem das pessoas envolvidas com eles, mas trabalha a favor de criar o “culto” em torno da figura desse herói insano.

E o mais bacana é que o autor entende perfeitamente o local em que pode usar essa personagem, trabalhando com essa ideia de hype (tão comum atualmente na nossa sociedade) tanto para trazer a adversidade necessária ao clímax (afinal, os demônios se fortalecem com o medo das pessoas e se enfraquecem com o fascínio), quanto para mexer com a ideia de que havia algo a mais que o Homem Motosserra poderia dar.

E ele dá, tendo uma transformação clichê que rende lutas ainda mais loucas, mas também capazes de provocar reflexão, muito por causa da Power, que sai da trama em um momento chave e retorna em um momento mais importante ainda, provendo o tipo de apoio emocional do qual o Denji mais precisava, mais que qualquer apelo romântico ou sexual real que poderia rolar (mas não rolou) entre eles. E também pela “quebra”.

A quebra de expectativa é um dos recursos narrativos mais velhos e eficientes em que qualquer autor pode pensar e apesar de achar o Fujimoto-sensei um gênio em vários aspectos, nem ele foge dessa predileção pelo inesperado. A forma como a ultima batalha se desenrola e mesmo a resolução em que o Denji pensa para o problema que se apresenta a sua frente foram formas sagazes de quebrar as expectativas dos leitores.

Em algum ponto a gente pode falar de conveniência narrativa, mas, honestamente, eu não trocaria nada em Chainsaw Man, que ri na cara dos battle shounens sem graça ou ainda muito “presos” ao ousar flertando com o choque pelo choque enquanto busca sempre trazer uma sensação extremamente excitante para o leitor. Dinamizar atos, matar personagens, subverter expectativas, zoar pra caralho é o jeito ninja de ser de CM.

É por isso que digo e repito, leia Chainsaw Man, assista o anime quando sair. Poderia seguir falando da obra por parágrafos a fio e certamente não me saciaria tão cedo. Em um cenário no qual os battle shounens estão gradativamente se arriscando a dobrar a aposta sinto que Chainsaw Man é esse farol para nos guiar a um mundo de narrativas que se levam menos a sério, mas conseguem ser gratificantes em igual ou maior medida. O futuro é…

Até a próxima!

 

 

P.S.: O mangá vai ter segunda parte (especulam uma terceira) que vai acompanhar o Denji na escola. A Power vai voltar? É bem provável que sim. A Nayuta vai dar trabalho? Também. O Denji vai conseguir seu harém? É claro que não. Vai ser bom? Não tenho a menor dúvida. O anime deve estrear em 2022 e como você pode ver acima, tem tudo para ser muito bem animado e divertido porque todos amam o Homem Motosserra!!! ❤️

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