Kiseijuu – ep 4 – As três mães
[sc:review nota=5]
O episódio da semana começa com o combate entre Shinichi e Migi contra A-san, o parasita que invadiu a escola para caçá-los. Visualmente, não é uma luta muito interessante (embora não tenha ficado ruim), mas ela, como todo o resto do episódio, tratou mais de conceitos do que de ações. Nesse episódio muitas ideias foram lançadas, conflitos surgiram, a professora Ryouko cresceu vertiginosamente em importância na história, e ainda não dá para saber aonde estamos indo. Um bom episódio, e que se eu tivesse que elogiar só uma coisa seria a animação das expressões faciais dos personagens. Ao contrário de muito anime por aí, não precisamos que os personagens nos expliquem o que pensam ou como se sentem: podemos ver isso claramente (e às vezes dolorosamente) em seus rostos. Animação soberba.
No começo da luta entre Shinichi e A-san, o garoto está obviamente assustado e nervoso. E A-san sabe disso, a seu modo, dizendo que o corpo inteiro dele, exceto a mão direita, é inútil porque sujeito à dor. Então, se tínhamos alguma dúvida agora não temos mais: os parasitas não sentem dor. É mesmo uma vantagem e tanto para uma criatura com tamanha inteligência e que matura tão rápido. Ainda assim, a dor é só uma metonímia para a total envergadura dos medos de Shinichi: ele tem medo de morrer, ele tem medo do que A-san irá fazer aos seus amigos, entes queridos e demais colegas de escola caso ele não o derrote. Assim como no mundo real, a dor existe para que tenhamos medo de algo que de outra forma talvez não teríamos, é um mero mecanismo de proteção e de auto-contenção. E esse medo está estampado no rosto de Shinichi. A-san, por outro lado, não tem dor nem medo de nada nem limites. É um escravo de seus desejos e não pensa duas vezes antes de eliminar qualquer obstáculo. Ele achou que um humano com um parasita que não consumiu seu cérebro é perigoso? Então ele vai matá-lo, à luz do dia, de frente, sem a menor preocupação.
Conforme Shinichi se concentra no plano, qual seja, Migi apenas defende para que eles tenham uma defesa quase inexpugnável enquanto Shinichi se aproxima sorrateiro para atacar A-san, assisto à mudança de expressão no rosto de Shinichi indicando que agora ele está determinado em fazer o que precisa ser feito, e confiante de que Migi fará a sua parte do combinado. Ele se move com firmeza em meio ao mar tentáculos furiosos se movendo mais rápido do que ele poderia sonhar em enxergar e atinge A-san em cheio. A quantidade de sangue que sai do ferimento não deixa dúvidas de que ele atingiu uma importante artéria, ou seja, o golpe foi fatal. Mesmo com a cabeça transformada em uma série de tentáculos retorcidos, é possível reconhecer claramente a confusão no rosto de A-san. E talvez possa até chamar aquilo de “medo”. Ele sabe que o golpe foi fatal, mas não consegue conceber que tenha sido um humano a golpeá-lo daquela forma. Já Shinichi, após o surto de adrenalina que o permitiu agir quando precisou agir, está novamente em pânico e se recusa a seguir A-san quando Migi o ordena. É curioso como Shinichi considere que finalizar A-san agora o tornaria um “assassino”. Migi corretamente aponta que A-san não é um ser humano. E eu aponto que se a preocupação dele é ser ou não um assassino, ele já é, pois já desferiu um golpe mortal muito embora A-san ainda esteja vivendo seus últimos instantes.
Tudo muito bom, tudo muito bem, mas como a escola e o mundo reagirão depois que encontrarem um homem com cabeça de tentáculos morto na escola? É algo bastante difícil de esconder, se me perguntar. Bom, o anime resolveu isso de duas formas: primeiro, por alguma razão, A-san achou por bem retornar a cabeça quase ao normal. Segundo, como última medida drástica para tentar sobreviver ele procurou por Ryouko pois pretendia migrar para o mesmo corpo que ela. Ele não sabia se seria possível mas o que mais ele poderia tentar àquela altura? Mas Ryouko tinha outros planos e já estava preparada, e assim que A-san entrou na sala onde ela estava, Ryouko fugiu pela janela e a sala explodiu. Provavelmente o que restou foi um corpo humano quase normal em pedaços. Só fico em dúvida de porquê não investigaram as razões da explosão, mas nem tudo pode ser perfeito, né.
Ryouko é questionada na escola por estar grávida, ser solteira e não informar quem é o pai da criança. Para uma escola japonesa isso é um escândalo. Ao invés de tentar inventar uma explicação, ela simplesmente decide abandonar a escola e a identidade de Ryouko. Interpelada por Shinichi, diz que pretende dar à luz ao bebê e fazer experimentos nele, devorando-o quando deixar de ser útil. O garoto se enfurece e eles se preparam para lutar. Ryouko acredita que todos os seres-vivos têm um chamado, uma missão. O chamado dela (e suponho, dos parasitas em geral) é devorar seres humanos. Por isso, embora possa se nutrir normalmente como um ser humano (como faz Migi, através de Shinichi) ela prefere continuar devorando pessoas. Aparentemente os humanos seriam os únicos seres-vivos a não terem um chamado. Mas isso não é uma coisa boa? Significa que pessoas podem ser qualquer coisa. Enquanto todos os demais animais (e outros seres-vivos também, mas concentremo-nos nos animais) já têm toda a sua vida traçada diante de seus olhos desde o momento em que nascem, seres humanos são livres para seguir quaisquer caminhos escolham para si. E os parasitas, ainda que super inteligentes e super poderosos, já deram vários sinais de que são criaturas primitivas em muitos aspectos. Nascem de esporos, maturam rápido, se entregam aos instintos. A mensagem, para mim, é que você é um ser humano não pelo que você é, mas por tudo o que pode se tornar. As feras, por mais inteligentes que sejam, não têm essa escolha.
E onde Shinichi entra nisso tudo? É notável que Ryouko tenha interrompido a luta antes que ela começasse por ter percebido que Shinichi já não seria mais “puro”. O que isso significa? Que ele está se tornando um parasita? É porque ele matou um homem com as próprias mãos? Ou é porque, conforme amadurecemos, fazemos escolhas e tomamos decisões, diminuímos o nosso próprio potencial de nos transformarmos em qualquer coisa? Shinichi está amadurecendo afinal de contas. Ele carrega sozinho o fardo de saber a verdade sobre os parasitas e ter que decidir constantemente o que fazer a respeito. Sua amiga de infância não tem certeza se o reconhece mais. Sua mãe está em crise porque não entende mais o filho (e chegarei a ela em breve). Então eles não lutam. De volta em casa, Ryouko recebe a inesperada visita de sua mãe (ou melhor, a mãe do que um dia foi Ryouko antes de ter a cabeça devorada por um parasita) porque ela foi informada pela escola do comportamento da filha. Ryouko tenta escapar dela, mas ela enxerga através da atuação do parasita e percebe que aquilo não era mais a sua filha. A certeza dela era tamanha que tentou ligar para a polícia – e foi morta por isso. Ryouko matou a própria mãe quando ela não a reconheceu mais e se tornou uma ameaça para ela. A parasita ficou bastante impressionada com a capacidade de uma humana em perceber que ela não era mais a mesma pessoa, mas uma sósia, um simulacro.
Se a mãe de Ryouko tinha certeza que sua filha não era mais quem costumava ser, que era uma pessoa totalmente diferente, o que a mãe de Shinichi pensa sobre o filho? Uma série de eventos durante o episódio fazem mãe e filho interagirem, e de forma sempre conflituosa. Como mãe que é, ela corre para o quarto do filho em sua ajuda quando ele acorda gritando pela manhã. Shinichi havia gritado pois se assustou ao acordar e perceber não ter mais seu braço direito, já que Migi havia se descolado do corpo para fazer experimentos. Lembra aquela coisa que falei noutro artigo, de perdermos o controle do corpo durante as transformações da adolescência? No caso de Shinichi isso é um pouco mais literal, mas opera exatamente da mesma forma. Ele esconde o braço da mãe assim que ela entra no quarto e inventa uma mentira. A noite a mãe entraria no quarto para chamá-lo para o jantar e de novo ele esconderia o braço, mas dessa feita ele brigou com a mãe, ordenando que ela não mais entrasse no quarto sem bater na porta. Os pais de Shinichi estão planejando uma viagem de férias (a primeira desde que ele nasceu, aparentemente) e a primeira reação do garoto foi ficar preocupado por causa dos parasitas e se dizer contra. Migi o acalmou depois dizendo que provavelmente estariam mais seguros em um lugar afastado do que em um centro urbano, então Shinichi mudou de opinião. Como tudo isso aconteceu em um único dia, a mãe dele ficou compreensivelmente confusa, perguntando se ele não se importava com os pais, o que ele estava pensando, e ela não pôde evitar chorar na frente de toda família. Shinichi então inventou outra mentira para acalmar a mãe e se retirou da mesa, visivelmente incomodado.
E qual a terceira mãe do episódio que eu citei no título do artigo? É a própria Ryouko. Não é mãe de um filho que já saiu do ninho, como era a sua mãe. Não é a mãe de um jovem que está passando por rápidas mudanças e se preparando para voar por conta própria, como a mãe de Shinichi. É a futura mãe de uma criança que ainda nem nasceu. Apesar do que ela disse ao Shinichi, que usaria o bebê para experimentos e o devoraria eventualmente, ela demonstra surpresa genuína e faz o gesto protetor de levar a mão ao ventre que toda mãe faz ao sentir o bebê se mexer. Não é por ter sido provocada por Shinichi, e se quer saber, ainda duvido que Ryouko mude muito, mas ela não é o parasita mediano que mata qualquer um que se meta no seu caminho. Ela tentou desde o começo viver como uma humana normal. Quando teve que abandonar a escola, ela não atacou ninguém lá – nem Shinichi, que sabe sobre ela. Ela tentou poupar até mesmo a própria mãe, só a matando quando sua farsa havia sido descoberta. Ela é um personagem cheio de possibilidades e eu não poderia estar mais ansioso para saber como ela irá se relacionar com seu bebê quando o mesmo nascer. Dá até para traçar paralelos dela com o Japão real. Mães solteiras lá, como em muitos lugares, são bastante discriminadas, como vimos na cena na escola. Como o aborto é livre no Japão, o mais comum é que mulheres nessa situação escolham abortar. O mais comum é que escolham o próprio bem-estar à custa do bem-estar de seus bebês ainda por vir. A intenção confessa de Ryouko é compatível com isso: usá-lo para experimentos e devorá-lo. Não obstante, ao “sentir” a maternidade ela fica estupefata, e pode ser que venha a mudar de ideia. Eu realmente não poderia estar mais ansioso pelos próximos episódios.
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