O espião desse episódio se viu na pior situação possível para um espião: descoberto e capturado. Não bastasse isso, ele não foi apenas descoberto: ele foi entregue, dedurado mesmo por seu próprio país. O que fazer nessa situação? Confrontar o inimigo sinistro levaria ele aonde, exatamente? É como você ser um funcionário que faz trabalhos externos e ser demitido por telefone quando está em um cliente. Só que o cliente quer te matar. E seu ex-patrão também.

Izawa é capturado em sua casa

Izawa é capturado em sua casa

O espião … bem, os nomes deles não são relevantes, mas é um pouco incômodo ficar escrevendo dessa forma, então vou chamá-lo por seu “nome” nesse episódio: Izawa Kazuko. Só Izawa já está bom. Enfim, Izawa, o espião, devia ter lá suas ordens que em momento algum foram reveladas no episódio porque eram irrelevantes e provavelmente uma mentira também, e estava infiltrado em Londres, onde foi capturado pelo exército britânico. Como todo bom espião ele negou firmemente que fosse um espião e até fez uma atuação mais ou menos convincente tentando fingir ser um decente e comum cidadão japonês que de forma alguma jamais poderia ser um espião. Ele seria capaz de jurar que não espionava, nunca espionou e jamais espionaria novamente.

Até que foi apresentado a uma gravação de um diplomata japonês conversando com uma mulher. Certamente uma agente britânica. E tal diplomata não teve o menor pudor, o menor cuidado, simplesmente saiu contando que o Izawa era um espião. Com uma diplomacia dessas o Japão não precisava de inimigos, não é? É, e o Yuki pensava da mesma forma. Pois eis que tudo, desde antes do Izawa ter sido mandado para Londres e inclusive sua captura pelos ingleses era parte de seu plano. Plano para colocar o Ministério de Relações Exteriores japonês sob chicote do Exército Imperial, nesse plano em particular ele não tinha interesse nenhum no Reino Unido.

Em flashbacks o Yuki fala mais algumas bobagens sobre “guardar as informações em níveis diferentes de consciência” que eu já reclamei antes. Não é que não faça sentido imaginar a consciência (e a memória) com diferentes níveis, mas acho que não é possível acessarmos e manipularmos os níveis mais inferiores a nosso bel-prazer. Existe aí um monte de técnica sobre aprendizagem subconsciente, sobre mensagens subliminares, e isso é tudo o que se tem sobre colocar informações diretamente nas camadas mais inferiores da memória e da consciência – e são conhecidas bobagens. O simples fato de você se lembrar de algo puxa essa informação para o nível mais superior da memória (é mais fácil esquecer de algo nesse nível, portanto se quer esquecer de algo, primeiro se lembre disso!). Se você, leitor, tiver algum conhecimento em psicologia ou neurologia e puder acrescentar algo ou me corrigir, por favor o faça, mas por tudo o que eu sei é uma grande bobagem a ideia de que possamos acessar quaisquer níveis de memória ou consciência, como se fossem apenas gavetas diferentes.

Mesmo drogado pelos ingleses não há nada que Izawa possa fazer de útil

Mesmo drogado pelos ingleses não há nada que Izawa possa fazer de útil

Não obstante, o que o Yuki fez com o Izawa foi guardar informações em níveis mais inferiores de memória. Não porque ele se esquecesse, mas porque era algo aparentemente inútil, inócuo, o tipo de informação que mesmo se ele revelasse para algum inimigo não seria identificada como uma ameaça. Mas era uma mensagem que dizia tudo. Antes de enviá-lo para Londres, Yuki deu para Izawa uma cópia das Aventuras de Robinson Crusoé, um clássico sobre um náufrago britânico que mesmo décadas depois de perdido ainda seguia fiel à Sua Majestade. Izawa perguntou se haveria ali alguma mensagem, mas Yuki negou, claramente. Havia ali uma mensagem.

E a mensagem era: há um espião em Londres que, como Robinson Crusoé, embora longe do Japão (talvez nunca tenha estado no Japão já que era um inglês nativo) e embora não estivesse atuando como espião há anos, na hora que fosse necessário ele faria o seu trabalho, seria fiel a seu mestre. Assim Izawa tinha uma rota de fuga garantida e nem estava sabendo disso. Sua atuação foi bastante realista na maior parte do tempo, inclusive porque em boa parte do tempo nem ele sabia que era apenas o ator de uma peça. Izawa foi capturado por irresponsabilidade da diplomacia japonesa, e era exatamente isso o que Yuki queria que acontecesse e ele trabalhou ativamente para que isso acontecesse. Assim, como no caso da Polícia Militar em Xangai no episódio anterior e do próprio Exército Imperial nos dois primeiros episódios, Yuki trabalhou quase sem o conhecimento de seus próprios subordinados para aumentar o seu poder. As informações estavam mesmo em um nível “inferior” de memória: estavam na memória de outra pessoa, o mestre enxadrista que está controlando seus peões no tabuleiro de poder do mundo.

  1. Ótimo artigo. Mas vou deixar uma pequena correção xD

    “Não obstante, o que o Yuki fez com o Izawa foi guardar informações em níveis mais inferiores de memória. Não porque ele se esquecesse, mas porque era algo aparentemente inútil, inócuo, o tipo de informação que mesmo se ele revelasse para algum inimigo não seria identificada como uma ameaça.”

    Na verdade é o contrário. As informações “inúteis” ou “não prejudiciais” ficam nos níveis superiores, enquanto as realmente importantes ficam no subconsciente, onde não poderiam ser acessadas nem com a pessoa sob efeito do soro da verdade.

    • Fábio "Mexicano" Godoy

      Olá, obrigado por comentar aqui =)

      Na verdade a questão é que havia DUAS informações aí: uma era a óbvia, que o Yuki tinha dado um livro para o Izawa. Isso estava na camada mais superior e era inócuo. A segunda informação era derivada dessa: há um espião em Londres. Não estava na “memória” do Izawa, já que era só uma conclusão, mas metaforicamente é uma informação de nível mais baixo no enredo do anime. Foi o que eu quis dizer =)

  2. Excelente matéria, este episódio foi muito bom, em certas partes fez-me lembrar das minhas aulas de psicologia o que gostei bastante. Na parte do interrogatório o estúdio de animação e os seyuus estão de parabéns (principalmente o o interrogador que também era um espião (quem diria que o seyuu de Jiraya de naruto também sabia fazer outros papeis) ) e o seyuu de Izawa também está de parabéns. Nunca num anime vi cenas tão realistas como neste episódio, o Izawa sob o efeito dito soro da verdade estava excelente e a animação dos movimentos dele enquanto sob o efeito de drogas estava excelente.
    Do resto do episódio esteve tudo ok, achei bem interessante o monólogo do Izawa sobre o Robinson Crusoé.
    Boa continuação na tua escrita de novas matérias.

    • Fábio "Mexicano" Godoy

      É verdade, fez bem em comentar a qualidade da dublagem. Em um anime com pouca animação e com muita carga psicológica ela faz toda a diferença!

  3. Dane-se a referência a Robinson Crusoé!
    Quando eu vi aquele espião inglês, eu não parava de lembrar do nosso personagem brasileiro “O Amigo da Onça”!
    Será que mais alguém ainda conhece? Que pena que não dá pra enviar imagem pelo comentário.
    Aliás, por que não usa o Disqus?

    • Fábio "Mexicano" Godoy

      O Howard Marks tava muito esquisito mesmo, até destoou do resto do anime que é mais ou menos realista. E acho que conheço seu amigo de nome só…

      • xD fui identificado?!
        Então, tenho a impressão de que estão fazendo isso de propósito para representar o lado inimigo, acho que só no ep. 3, aquele na França, não apareceu algum personagem de aparência bizarra.

        Às vezes, fico incomodado com esse comportamento dos japoneses, quando se trata de fazer alguma obra ambientada na Segunda Guerra eles não parecem ter arrependimento, e chama a atenção a quantidade de personagens alemães amigáveis como em Strike Witches, Girls und Panzer, Kancolle, etc.

        Exemplo recente é Haifuri! Por que a garota estrangeira tem que ser alemã? Por que não americana sabendo que a marinha americana é muito atuante no oceano Pacífico?
        Aliás, acho que se criarmos uma lista de personagens estrangeiros, encontraremos mais personagens alemães que americanos.

      • Fábio "Mexicano" Godoy

        E teve personagem de aparência bizarra no episódio em Xangai? Acho que não, hein? Não entre os principais do episódio pelo menos, ao contrário do Marks que é o principal antagonista desse episódio.

        Sobre japoneses e alemães, bem, primeiro é bom notar que, soldado a soldado, o exército alemão em si não era composto de vilões malignos, ao invés era como qualquer outro exército da época. Não imagino japoneses se identificando militarmente com os americanos por causa da ocupação no pós-guerra (e das bases americanas que existe por lá até hoje). Então tanto faz quem representará o “estrangeiro amigo” ao mesmo tempo em que é pouco provável que se escolha o americano. Dito isso, há sim uma preferência pelos alemães, mas os motivos para isso provavelmente são inúmeros e muito complexos.

        Sobre o comportamento japonês em relação às suas próprias guerras passadas, não tenho o que discordar. Eu me incomodo também sempre vejo uma obra japonesa glorificando ou o passado de guerras do país ou fazendo propaganda imperialista através de cenários fictícios. Felizmente não parece ser o caso de Joker Game, embora não pareçam demonstrar arrependimento também. Mas dá uma vergonha alheia cada vez que assisto algo como Gate…

      • Gate te incomodava?
        Pelo anime, me parecia que a JDF fazia o possível para não repetir os erros do exército imperial!
        Eram muito cuidadosos com os civis do outro mundo e pisavam em ovos para entrar em batalhas!
        Os soldados estavam até proibidos de frequentar os puteiros de lá!
        Não havia mulheres de conforto!
        O Itami não podia nem aproveitar a recompensa a mais da elfa negra!
        Se o Exército Imperial tivesse agido como a JDF, teria dominado o mundo!
        Mas naquele tempo não existia Cool Japan e não se usava soft power.

      • Fábio "Mexicano" Godoy

        Mas é justamente por isso que incomoda! Isso é _propaganda_. Não existe exército “bonzinho”. Tenho certeza que antes da Segunda Guerra Sino-Japonesa o governo não anunciava que suas tropas estavam se preparando para o Massacre de Nanquim, me entende? Aliás, mesmo depois de iniciado o conflito o Japão sequer admitiu que houvesse uma guerra ocorrendo, não houve declaração de guerra de nenhum dos lados e o país ficou satisfeito com isso.

        Divulgar seu exército nacional “ajudando” povos estrangeiros é propaganda imperialista militarista. Gate me incomodou DEMAIS por causa disso.

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