Sassassul Quetzacoatl Quetzcalcot Quetzcalcoatl Quetzalcoatl (acertei na quarta tentativa, quantas você precisa para conseguir escrever Quetz… para escrever o nome dela corretamente??), enfim, a garota cobra finalmente foi apresentada!

E ela não é uma cobra. Digo, lógico, cobras não andam e falam, mas o ponto é que o povo cobra sequer evoluiu a partir de cobras. Estranho, né?? Estranho, mas não é diferente do que já aconteceu (e temo que ainda aconteça) no mundo real.

Anjos, demônios, pessoas-bichinho, centauros e sereias são todos “humanos” nesse mundo, pertencem a mesma espécie ainda que tenham diferenças físicas tão grandes. Em algum momento todos evoluíram a partir do mesmo ancestral mamífero. Os antárticos, por outro lado, são uma outra espécie. Evoluíram a partir de lagartos de sangue quente, assim como as aves. Estão bem longe das cobras, biologicamente falando. Mas todos acham que eles são cobras. Assim como no mundo real etnias e povos inteiros foram tratados como animais – e até mesmo se chegou a acreditar que fossem mesmo uma espécie diferente. Bom, em Centaur no Nayami pelo menos estão certos sobre antárticos serem uma espécie diferente. E errados sobre quase todo o resto.

A Hime realmente tem medo de antárticos, assim como cavalos tem medo de cobras, mas no anime o motivo é completamente diferente. Ela morre de pavor do povo cobra porque tem pais que se divertem fazendo a própria filha, então criança, assistir um filme de horror violento no qual, além de tudo, a vítima era uma centaura. O primeiro trauma da vida a gente nunca esquece. Bom, há adultos que efetivamente mostram filmes de horror para crianças, inclusive para os próprios filhos, então nada de novo até aí. O que pode parecer um pouco estranho é outra coisa: como em um país com leis anti-discriminação tão duras um filme desses é permitido? Estando presente até mesmo na estante de um clube escolar? Quando eu assisti o episódio achei um pouco estranho. Mas depois entendi.

Ele não estava sorrindo

Antárticos não são nativos do Japão. As leis anti-discriminação foram escritas pensando especialmente nos japoneses. Claro que quando aplicável elas servem para estrangeiros também, mas o caso dos antárticos é muito especial porque eles viviam isolados do resto do mundo até bem pouco tempo atrás. E para não dizer que o governo deixa passar qualquer coisa, livros conspiracionistas, material de caráter político meramente racista contra os antárticos foi, de fato, proibido. Suponho que a proibição tenha sido recente, para adolescentes acima de qualquer suspeita ainda saberem sobre a existência deles.

O que a Sassassul e o povo cobra acrescenta ao anime é uma nova dimensão, completamente diferente e ao mesmo tempo bastante parecida com tudo o que já havia aparecido até então. O tema continua sendo discriminação, claro, mas contra estrangeiros. Em particular, contra estrangeiros de uma nação poderosa e culturalmente bem diferente, o que adiciona questões diplomáticas no pano de fundo do anime. Que não obstante continua sendo um slice of life contando o dia a dia de garotas colegiais sem grandes preocupações na vida. Do ponto de vista delas, não há problema nenhum – mesmo quando algum problema é esfregado na cara delas e elas o reconhecem como tal.

As duas reagindo igual enquanto assistiam foram tão fofas, hehe

Não percebem nem a insanidade da distopia em que vivem (a Nozomi quase comeu chumbo por dar um croque na cabeça da Sassassul!) nem as tensões étnicas que ainda existem ou, pior, são criadas pela própria distopia que se estabeleceu formalmente para acabar com qualquer discriminação. A costureira na loja que ficou revoltada por não poder dizer que não conseguiria ajustar a roupa para passar o rabo da Sassassul é bastante eloquente. Ela é só uma figurante que provavelmente nunca mais aparecerá, mas não é difícil induzir que alguém sob constante medo de ser enviado para “clínicas de reabilitação” por causa de leis feitas para “proteger” um determinado grupo não vá acabar ficando com raiva desse grupo. Isso acontece no mundo real. Mas para Hime, Nozomi e Kyouko o mundo continua lindo como sempre.

Esse é um risco permanente em sociedades avançadas: confundir o seu próprio conforto circunstancial com bem-estar e justiça para todos. Não acho que o Centaur no Nayami vá desenvolver nada muito profundo acerca desse tema. Nenhum colega de classe delas vai parar em alguma clínica de reabilitação, e a tensão internacional entre americanos e antárticos deve continuar sendo narrada mas de resto completamente inconsequente para os destinos das heroínas. Para quem gosta de slice of life, está ótimo assim. Para quem gosta de ser provocado e pensar um pouco mais, está tudo aí no anime também.

❤️ Sassassul ❤️

  1. E soubemos que aquele medo da Hime não era por instinto animal, mas por causa de pais babacas! Como é que deixaram uma criança tão nova assistir a um filme de terror? Só a babaquice explica!

    E parece que a lei anti-discriminação é mais assustadora do que o filme. Em dois momentos do episódio vemos que o cidadão daquele mundo precisa tomar cuidado com seus modos e com suas palavras para não ser acusado de discriminação. Na cena da enfermaria, fiquei surpreso ao ver a Kyoko alertando a Hime. Na cena da loja de roupas, vendo a costureira cochichando com a vendedora e depois elas dando um sorriso constrangido para as garotas me deu a impressão de que a coisa é pesada.

    Gostei da Sassassul, deram uma boa voz para ela, combinou bem com personalidade dela. Também gostei de vê-la tendo as mesmas reações da Hime assistindo ao filme e ela foi compreensiva com a situação dizendo estar no Japão para desfazer mal entendidos como aquele. Foram boas as explicações que ela deu sobre sua espécie. Como as aves, pode-se dizer que ela é descendente dos dinossauros, pois há uma teoria que defende que eles tinham sangue quente.

    É uma boa garota! Foi curioso como ela teve empatia pelo que aconteceu com os americanos enquanto as humanas japonesas não se incomodaram com aquilo. Sassassul ainda não deve ter aprendido que os humanos não são muito unidos.
    Senti um peso ali quando ela disse: “… eram humanos como vocês…” enquanto a Hime só responde com um “Mas…” e muda logo de assunto falando de roupas e elas voltam às futilidades.

    Julgando pelo choque que a fez desmaiar e pelo constrangimento que sentiu, parece que aquela foi a primeira vez que ela ouviu falar de um ato violento entre humanos e seu povo.
    Mas por que os antárticos se desentendem com os americanos e os japoneses querem tanto ter boas relações com eles que chegam a destacar um grupo de guarda-costas disfarçados para uma simples aluna. Ou Sassassul é mais que isso? Ela mesma disse às amigas que não poderia falar sobre certos assuntos…
    Esse é mesmo um anime interessante para quem quer só ver o slice of life e também para quem quer ver essa parte sombria.
    Até a próxima! xD

    • Fábio "Mexicano" Godoy

      Esse episódio se esquivou de vários conceitos comuns pré-estabelecidos de homens-cobra na ficção, começando pelo medo da Hime e a voz da Sassassul, os mais óbvios, passando pela sessão de perguntas dos colegas da classe, a biologia das cobras e as teorias conspiratórias, além de outros detalhes menores.

      É só porque é engraçado?

      É porque um dos temas centrais do anime é justamente preconceito – ou seja, conceitos comuns pré-estabelecidos?

      Qualquer que seja sua preferência, o anime está fazendo um ótimo trabalho.

      E de novo, em um mesmo episódio que tratou de preconceito, o anime debruçou-se sobre seu segundo tema predileto: o discurso de combate ao preconceito usado como ferramenta de dominação e opressão.

      Ou talvez tenha sido só piada de novo?

      Pode até ser. Eu sinceramente não me importo que algumas pessoas sejam tão insistentes com essa interpretação. Não importa no que você acredite, a mensagem é transmitida do mesmo jeito.

      Sobre a Sassassul em si, bom, é normal que ela seja compreensiva porque a função dela é diplomática. E ela tem algo de especial sim, ela mesma disse isso. Mas acredito que tenha a ver apenas com sua personalidade, não com seu papel. O que ela não pode dizer, ela simplesmente não pode dizer e pronto. Foi bem estabelecido pelo episódio que os antárticos são uma espécie eussocial, o nível de cooperação entre membros dessas espécies é muito maior do que o visto entre parassociais, como nós, humanos. Houvesse uma espécie inteligente eussocial, imagino que a incompreensão entre eles e nós seria desse nível.

      Obrigado pela visita e pelo comentário =)

      • Eussocial? Parassocial?
        Cara, como você escreveu difícil! Tive de consultar o Google.
        xD

        Quando Sassassul explicou que somente a rainha botava ovos, isso me lembrou dos insetos sociais, abelhas, formigas e cupins, não fazia ideia de que isso se chama eussocialidade!
        E você usou o termo corretamente, pois, além desses insetos, existe um único exemplo entre os mamíferos, o rato-toupeira-nu (Heterocephalus glaber). Antes de ver pela Wikipedia, eu já tinha conhecimento desse bicho, porque eu adorava assistir aqueles programas de vida selvagem, só não estava lembrando o nome dele.

        E essa tal eussocialidade me levantou umas questões, se somente uma fêmea-rainha põe os ovos, então, os demais antárticos são irmãos. Como resolvem o problema da falta de diversidade genética? E se a rainha morrer, quem a substitui? Há outras nações antárticas para que possibilite trocas genéticas?

        Como eu gosto de complicar esse slice of life!

      • Fábio "Mexicano" Godoy

        Eu vivo lendo coisas aleatórias, daí na hora de escrever artigos às vezes são úteis =D

        Tinha escrito um parágrafo inteiro sobre eussocialidade vs parassocialidade no artigo, aí achei que tava viajando demais e apaguei =D

        E bom, essas questões que você levantou sobre os antárticos é a mesma que os cientistas se fazem sobre as espécies eussociais existentes. Tem um molusco eussocial também, se não me engano, além dos insetos e dessa toupeira – sobre a toupeira, é interessante que a eussocialidade dela está associada com a escassez de recursos: em ambientes ricos em recursos, eles se tornam parassociais.

        Mas sim, são todas parentes, provavelmente todas meio-irmãs – nos insetos pelo menos, vários machos fecundam a rainha antes do estabelecimento da colônia. Isso garante alguma variação genética. De todo modo, não é como se variação genética fosse um fim em si – a sobrevivência dos genes que é. E em uma comunidade em que todos são parentes parece haver algumas vantagens nesse sentido.

        E pelo que o anime disse até agora eu tendo a acreditar que exista apenas uma nação-cobra, mas talvez seja na verdade uma confederação de ninhos, isso seria interessante de se ver também.

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