Bom dia!

Yagate Kimi ni Naru, também conhecido pelo seu nome em inglês, Bloom Into You, e pela abreviação do original japonês YagaKimi (que eu prefiro usar) é um excelente anime do gênero romance de 2018, e ouso afirmar que salvou o subgênero yuri (romance entre garotas ou mulheres) depois dos malfadados Netsuzou Trap e Citrus.

É uma história sobre como duas garotas, Yuu e Touko, se conheceram, como uma se apaixonou pela outra, e como deram os primeiros passos nessa relação, não exatamente conturbada mas longe de ser fácil.

O mais difícil, no final das contas, é não se apaixonar por elas e torcer forte a cada episódio.

As duas são adolescentes, então essa é também uma história sobre descobertas. Descoberta de sentimentos, descobertas sobre si mesmas, descobertas sobre a vida. Os primeiros episódios sugerem conflitos difíceis e que desafiam o gênero, mas em seguida as coisas se ajeitam e o ritmo da história garante que o anime faça a transição de desafiadora de clichês para um romance padrão de anime sem que isso pareça forçado ou ruim.

Isso e muitas outras coisas que se destacam em YagaKimi se devem à boa direção de Makoto Katou (de Sakurako-san no Ashimoto) e ao nível técnico da animação.

 

Essa cena no sexto episódio é um primor de direção

 

Eu não li o mangá, mas passei os olhos por alguns capítulos, e o anime não realiza grandes mudanças. Mas as pequenas mudanças que faz, bem como a destreza no uso das possibilidades únicas da mídia áudio-visual, fazem toda a diferença.

As metáforas visuais que já existem no mangá são amplificadas no anime. E esse é um mangá com muitas metáforas visuais. Outras cenas recebem pequenos detalhes a mais, como objetos ou iluminação, que não estavam no mangá, e cuja presença, longe de modificar os significados originais, os reforçam.

Mas por mais que tecnicamente Yagate Kimi ni Naru seja quase impecável, nada poderia salvar um anime com animação incrível que tivesse uma história medíocre. Felizmente a história de YagaKimi também é incrível.

A protagonista é Yuu. Depois de seu melhor amigo no ginásio (primário 2) se declarar para ela após a formatura, mas ela não sentir nada por ele, Yuu passa a acreditar que é incapaz de amar.

 

O amigo da Yuu se declara para ela

 

Um exagero, não é? Mas não de todo incomum. Ela é jovem, não tem nenhuma experiência com amor. Tudo o que ela sabe aprendeu em músicas e mangás. E em mangás o melhor amigo se declarar na formatura escolar é um dos clichês mais populares, não é? Se ela não sentiu nada, deve então ser um problema com ela.

E de fato era com ela, só não era um “problema”: nem sempre nos apaixonamos por pessoas próximas, por mais queridas que sejam e por mais tempo que tenhamos passado juntos. Mais ainda, não é porque ela não sentiu nada por ele que ela deveria ser, necessariamente, incapaz de amar.

É nesse ponto que YagaKimi parece que vai tecer algum tipo de crítica à mídia a qual ele próprio pertence: como assim o amor real não é como nos mangás?

Rapidamente a Yuu vai aprender o que é amar, porém.

 

Touko se declara para Yuu

 

No colégio (médio), tendo recém-entrado, por uma série de razões acaba conhecendo Touko, segundo-anista membro do Conselho Estudantil e candidata a ser a próxima presidente. Yuu vê Touko rejeitar uma confissão, e escuta depois de Sayaka (outra garota do Conselho Estudantil e melhor amiga de Touko) que isso é normal, a Touko recebe muitas declarações de amor e rejeita todas, sempre.

A Yuu acha que a Touko faz isso por ser, como ela acreditava que fosse, incapaz de amar. Isso leva as duas a terem um momento de intimidade que cativa Touko: ela se apaixona pela Yuu. E é rápida em revelar isso.

O problema da Touko não é que fosse incapaz de se apaixonar, mas sim que ela tem um objetivo muito claro e não quer se deixar distrair por nada, então não pode dar chance a ninguém. Bom, essa é só a primeira camada dos problemas dela.

A irmã de Touko, Mio, foi presidente desse mesmo Conselho Estudantil há sete anos. Há sete anos, ela morreu. Mio era uma heroína para Touko, e morreu saindo de casa para ir fazer compras que sua mãe pediu. As duas tiraram no papel-pedra-tesoura quem iria, e a Mio foi. Nunca voltou. Touko se sente culpada por isso desde então, e para compensar sua culpa decidiu viver a vida de Mio em seu lugar.

Por isso ela quer entrar para o Conselho Estudantil, por isso ela se esforça para ser perfeita, de acordo com a imagem que ela tinha da irmã. A irmã não tinha um namorado ou namorada que ela saiba, por isso ela não pode ter também.

Por fim, ela não pode ter ninguém porque ela não pode ser amada. Ela acredita que se alguém declara seu amor, está amarrando a outra pessoa, caso ela aceite, forçando-a a ser daquele jeito para sempre. Afinal, foi por aquela pessoa que a outra se apaixonou, não foi?

 

Touko e Yuu, de mãos dadas

 

Não está totalmente errada. Descobrir mais sobre seu parceiro, descobrir lados desagradáveis daquela pessoa especial, pode ser mesmo causa de crises e rompimentos em relações. Mas certamente a coisa não é tão drástica quanto ela parece acreditar que seja. Compõe o problema o fato de que a Touko é alguém que ela não acredita que seja ela mesma: ela acha que está vivendo a vida de sua irmã.

Por causa de como elas são, dois problemas surgem de imediato na relação entre as duas: primeiro, a Yuu se afeiçoa rapidamente à Touko, mas aquilo ainda não é bem como ela leu que seria em mangás, então ela continua acreditando que não é amor e que ela não é capaz de amar. Mesmo assim, Yuu não rejeita os avanços de Touko.

 

Yuu queria ser honesta sobre seus sentimentos, mas não pode

 

O segundo e mais grave problema é que esse arranjo é típico de um relacionamento abusivo. É a Touko quem detém todas as cartas. É ela quem ama a Yuu, é ela quem decide o quê e quando elas podem fazer qualquer coisa, é ela quem possui a iniciativa sempre. É só ela quem pode dizer que ama.

O segundo potencializa o primeiro, e mesmo a Yuu começando a perceber de forma mais clara que ama a Touko, continua negando. Diz para si mesma que é apenas normal ser seduzida por alguém incrível como a Touko, e tenta de todas as formas se convencer de que não sente nada especial.

Há outras representações de amor no anime, além do casal principal. A única heterossexual é uma das amigas da Yuu, que é apaixonada por um colega do clube de basquete, mas se declara e é rejeitada.

Tem um casal lésbico de adultas, formado pela professora Riko, da escola das garotas, e por Miyako, barista dona de um café que elas frequentam regularmente (embora Riko preferisse que não passassem por lá…).

O relacionamento delas é um segredo para as adolescentes, presumivelmente porque a Riko, uma professora, prefere que seja assim. Medo de sofrer preconceito? Provavelmente. Uma das alunas da escola, porém, percebe que há algo entre as duas…

Sayaka também é lésbica, mas por conta de uma primeira relação que terminou de forma amarga, ela decidiu se reprimir desde então. Todos esses personagens ao seu redor farão seu coração voltar a palpitar.

No curso dos 13 episódios de YagaKimi, porém, nenhuma pessoa de fora chega a ameaçar o relacionamento de Yuu e Touko. Os principais problemas delas são delas mesmo, os já mencionados.

A Yuu apresenta desenvolvimento lento e gradual ao longo do anime, e não é surpresa quando ela simplesmente para de inventar desculpas para o que sente pela Touko. Desde o começo do anime ela tentou ajudar, depois cuidar da outra, e costumava justificar isso para si mesma dizendo que a Touko precisa, que ela está só sendo uma boa pessoa, porque a Touko merece, enfim.

Mas não é só isso e ela aprende que não é só isso. Não existe um momento específico em que ela descobre que está apaixonada, não tem nenhum momento catártico, e para ela isso funcionou muito bem.

 

Se teve algo próximo a um único ponto de virada para a Yuu, foi durante os jogos escolares

 

Com a Touko a coisa é bem diferente. Ela não só acredita que está vivendo a vida que sua irmã não pôde viver, como tem isso como sua própria missão de vida. Sua relação com a Yuu é seu segredo mais bem guardado. E embora ela esteja verdadeiramente apaixonada, ela não acredita que mereça qualquer coisa para si nessa vida que está vivendo, porque afinal de contas não é a sua vida, mas a de sua irmã.

Para a Touko, assim, a Yuu é apenas um alívio para momentos de necessidade, ou uma diversão para momentos de lazer. Ela está satisfeita com isso. A Yuu, obviamente, não. É dessa forma que o relacionamento entre as duas chegou perto de se tornar abusivo, mas felizmente a boa natureza de ambas impediu que isso acontecesse.

É possível viver a vida no lugar de outra pessoa? Lógico que não. Essa foi fácil. Pergunta mais difícil então: é possível viver como se fosse outra pessoa, emulando-a até os últimos detalhes?

Possível, até é. Mas é preciso conhecer tudo o que há para se conhecer sobre a pessoa em questão. Você é uma pessoa diferente a depender de com quem está tratando. Com seus pais você é uma pessoa. Com seus amigos íntimos, outra. Com parceiros românticos, uma terceira totalmente diferente. E por aí vai.

A Touko ainda era criança quando tomou a decisão de viver a vida como se fosse sua irmã, então ela não sabia nem nunca pensou nesse detalhe. Um detalhe vital que será a chave para todo o seu desenvolvimento de personagem, de uma vez só, brusco. E é nesse momento que a Yuu vai conseguir começar a equilibrar a relação, sendo mais pró-ativa, e tentará também começar a convencer a Touko de que ela é ela mesma, e está tudo bem assim.

E o anime termina nesse ponto. Elas estão apenas começando.

 

Não importa para onde elas estão indo agora, Yuu e Touko estão indo juntas

 

    • Fábio "Mexicano" Godoy

      Olá Lívia, tudo certinho?

      Olha, talvez o mangá seja. Ele já era super popular antes de ter o anime anunciado, não era? Mas o anime eu confesso que me frustrou. O pai esquisito foi um incômodo, mas ainda compensou pelo bom arco das protagonistas. Mas daí aparece uma amiga de infância do nada, por pura coincidência vê elas por perto, e decide separar as duas quase que só por diversão? Eu não consegui mais levar o anime a sério depois disso. Está no nível das piores reviravoltas em novelas mexicanas cheias de dramalhões.

      Mas isso é o anime. Quem sabe o mangá convença, né?

      Obrigado pela visita e pelo comentário 😊

  1. Digitando com os pés pq com as mãos estou aplaudindo kkkkk Durante td o lançamento eu não sabia se ficava mais animada pelo episódio da semana ou por suas resenhas. Aprendi muito com td q vc escreveu, e me senti muito acolhida por esse anime, q é um ótimo exemplo de algo simples mas muito bem feito ♡ espero q esse seja o primeiro de muitos yuris atuais de qualidade. Obrigada por ter decidido “cobrir” YagaKimi ♡

    • Fábio "Mexicano" Godoy

      Olá Laralayc, tudo certinho?

      Puxa, que bom que gostou tanto assim, muito obrigado! Fico feliz de verdade, porque essa é uma das minhas metas como blogueiro: escrever artigos que meus leitores gostem e queiram ler, sem abrir mão da qualidade do conteúdo.

      Claro que um anime incrível como YagaKimi ajuda, né?

      Desde o começo problemático, quando eu discutia sobre a natureza da sexualidade da Yuu ou sobre como a Nanami a estava prendendo em um relacionamento tóxico, até como tudo se desenrolou depois, não necessariamente da melhor forma possível, mas bem o bastante. Assim é a vida real, não é? A gente se mete em relacionamentos complicados, às vezes a gente é o lado tóxico da relação, é importante ver tudo isso e aprender com tudo isso. A determinação da Yuu e a boa natureza da Nanami as guiaram para o bom caminho, e foi nesse ponto que nos despedimos delas. Felizes, aliviados, e ainda torcendo pelas duas.

      Muito obrigado pela visita, por acompanhar esse anime comigo, e pelo comentário! ❤

  2. Diferente de Citrus que é voltado pra quem gosta de sofrência e um tanto vazio, Yagate é uma história de amor, com bastante conteúdo muito interessante que nos prende e nos faz apaixonar a cada episódio. Assisti a montagem teatral e não deixou a desejar. Maravilhoso!! Apesar da minha idade, me sinto todos os dias adolescente. Parabéns pela matéria. Yagate é o melhor do gênero.

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