Eu sempre me surpreendo com a capacidade dos clichês de se tornarem bons, quando eles tem todo um conjunto bem articulado e que os fazem funcionar melhor do que o esperado.

My Life as a Villainess: All Routes Lead to Doom! – ou Hamefura – é um exemplo claro desse tipo de obra, carregando tudo o que já se conhece sobre o universo das romcoms e simplesmente pondo isso num enredo diferente, apostando suas fichas em uma vilã que é tão protagonista quanto a própria mocinha da história.

O enredo do anime basicamente é sobre uma jovem que reencarna no mundo do jogo Fortune Lover seu otome game preferido, mas como nem tudo são flores, ela precisa lidar com um problema maior: ela renasceu como a grande vilã da coisa toda, a terrível Catarina Claes – mas sua maldade só se estende ao jogo, ela é uma verdadeira flor de pessoa.

Para além desse fato, o destino dela é certeiro quanto ao final infeliz, pois em qualquer rota escolhida ela morre de uma forma diferente, então considerando a grande sorte da moça, o que poderia dar errado aqui, com tanta coisa “boa” lhe cercando?

O mais legal dessa obra é que ela entende os próprios vícios e macaquices, mergulhando fundo nas piadas que inventa. A proposta do harém reverso que é feita aqui, acaba virando um harém zona mesmo, porque ao longo dos episódios vamos vendo como a vilã cativa até mesmo um gato que passa na rua, sem ninguém escapar da sua atração magnética.

Ela é simpática, divertida, gente boa, bonita, mas enquanto essas virtudes estão em sobra, a inteligência já fica no débito e esse não é pouco, mas são esses atributos que a tornam especial e a fazem carregar o anime nas costas sem dificuldades.

O famoso “Conselho Catarinense” é um grande acerto aqui, porque ele é uma forma bem humorada e diferente de explorar toda a tolice natural da garota, ao tentar entender o que acontece ao seu redor e bolar seus planos mirabolantes de sobrevivência, com cada membro representando um lado dessa nova e louca Catarina.

Conforme o tempo passa é engraçado que você já nem se pergunta mais como ela vai sobreviver, porque já está tão óbvio que isso é impossível, que só nos cabe pensar como criariam um risco real – e ele surge -, ao mesmo tempo em que rimos do quão tonta a pessoa é, por sequer pensar com calma nas coisas que faz e conquista.

Os demais protagonistas dessa bagunça também são igualmente engraçados e complementam bem a sua líder. Os quatro rapazes, Geordo, Keith, Alan e Nicol, seguem a risca os padrões do gênero otome sem muitas nuances até então, tendo destaque pelo modo como não conseguem chegar ao coração da sua amada, por mais que tentem descaradamente.

Do outro lado temos um time feminino bem coeso e carismático, com a verdadeira mocinha do jogo, Maria, a ciumenta e expressiva Mary – uma das minhas favoritas de longe -, além da delicada Sophia, que tem toda uma trama pessoal envolvendo o seu relacionamento com a Catarina. O elenco de apoio também não fica atrás e tem seus bons momentos na história, sendo relevantes quando necessário.

Todos aqui possuem uma boa interação e dinâmica entre si, não havendo um momento que em que não haja uma piadinha jogada ou que você se sinta entediado os assistindo, enquanto a vilã apronta alguma idiotice ao seu favor.

Curiosamente dentro dessa atmosfera mais cômica que o anime constrói, ainda se tem espaço para pequenos dramas que desenham a personalidade e o background de cada personagem, amarrando essas histórias ao que a protagonista está desenvolvendo na sua missão de sobrevivência.

Nesse mundo paralelo também tem a questão da magia presente, mas nada disso ganha muito foco, apenas servindo ao básico e para algumas piadas – como a fraqueza da Catarina que é a mais comum -, mas no geral a falta de exploração desse tema não chega a fazer falta ou incomodar.

Os episódios sempre encontram um ponto de foco diferente e apesar de não haver muito tempo para detalhar todos eles, acredito que ninguém ficou jogado a esmo, de modo que era possível entender o ponto de vista geral. Em compensação, se posso apontar algo que talvez comprometa um pouco o resultado final trazido pelo anime, eu digo que isso seria o conteúdo original criado.

Ainda que parte desse material tenha sido usado para tentar desenvolver as relações entre o grupo e alguns dos mistérios abordados – como o da Sophia -, a outra parte simplesmente não anda, nem desanda, apenas mantém estagnado aquilo que já sabemos sobre a obra e perdendo tempo mesmo que alguns episódios ainda sejam divertidos isoladamente falando.

De todo modo não considero que esse por menor prejudique o charme de Hamefura, ele apenas fica como um ponto negativo que serve de aprendizado e pode ser melhor executado na continuação, que já está confirmada para 2021 – e espero que não seja adiada.

Aqui não existe complexidade ou excessos, apenas um anime que se vende em cima dos clichês que todos estamos acostumados a ver, somada a pura e simples comédia, com um leve toque de romance, que só não anda graças ao esforço natural da Catarina em cagar para tudo isso.

Hamefura é consistente no que oferece e isso também se deve ao seu setor técnico, pois a animação é decente, muito embora contem com vários quadros estáticos, o que não é problema para esse tipo de produção. A direção por sua vez, tem um bom desempenho, mantendo um ritmo legal e que sempre te deixava ansioso pela próxima invenção da protagonista, além de uma boa condução das partes mais dramáticas, junto as mais leves e engraçadas.

Em resumo, saio muito contente com essa obra que me divertiu desde o seu primeiro minuto e que me encantou a cada episódio que passava, fazendo valer a pena o tempo gasto, vendo e escrevendo. O isekai é um gênero que tem se tornado cada vez mais problemático, então ter novidades como essa no meio dele é um sopro de ar fresco.

Para os amantes do gênero isekai, comédia ou slice of life, esse é um item obrigatório da lista e se não ama ambos, é obrigatório do mesmo jeito.

O martelo está batido, Hamefura é bom e não tem discussão.

Agradeço a quem leu esse artigo até o fim e nos vemos no próximo!

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