Não, não acho que Ushio to Tora seja realmente uma desconstrução de Calvin e Hobbes (ou Calvin e Haroldo, se preferir). Talvez Kazuhiro Fujita, o autor de Ushio to Tora, até conheça as histórias do garoto e seu amigo imaginário tigre de Bill Watterson, e não seria impossível imaginar que ele criasse seus protagonistas em Ushio to Tora como homenagens aos do cartunista americano, mas convenhamos, mesmo isso já é improvável, quanto mais uma desconstrução.
Mas funciona! Imagine um garoto real que conhece um tigre falante de verdade. Ora, no mundo real, um tigre falante não pode ser outra coisa senão um monstro! Por que eles se conheceram em primeiro lugar? Como se tornaram amigos? Todo o resto deriva daí. Até o resultado final, também idêntico ao esperado para os bonitinhos e inofensivos Calvin e Hobbes mas que nunca aconteceu oficialmente (mas não falta produção de fãs que retrate isso).
Esse foi um episódio bem legal, eu me diverti durante ele sem interrupções, assim como em quase toda essa temporada de Ushio to Tora. Mas eu fiquei o tempo todo esperando que algo a mais acontecesse e quando ele acabou eu estava frustrado. Você vê, ao final do episódio anterior esse foi anunciado com seu título: “O Fim”. Eu estava esperando nada mais nada menos que O Fim, o que em termos de Ushio to Tora significa que eu estava na ponta da cadeira esperando o Hakumen no Mono morrer.
Em dada altura do episódio eu percebi que isso não ia acontecer. Comecei a esperar então qualquer tipo de fim. Sei lá, o fim do Japão, o fim de algum personagem, o fim de uma mísera partida de futebol inocente que por acaso estivesse sendo realizada apesar de, você sabe, o Japão estar afundando e sendo destruído por um monstro com poderes devastadores. Depois de muito esperar, o único fim que eu tive foi o do episódio mesmo.
Tora voltou! Mas não foi fácil, apenas o sangue do Ushio não foi suficiente para mais do que recobrar a consciência do guerreiro milenar. O buraco em seu peito era físico e também metafórico. A rejeição que sofreu do Ushio foi tão forte quanto a derrota que sofreu para o Hakumen. Enquanto isso o mal encarnado continua preso pelas múltiplas barreiras criadas ao seu redor mas está muito longe de desistir ou se entregar! Ele usa o exército de monstros parecidos com o Guren (parece que esse era seu real objetivo ao recrutá-lo) para atacar monstros e humanos que tentam empurrá-lo de volta para o pilar de pedra, onde a barreira mais poderosa pode ser criada. No fim ele conseguem prendê-lo, mas não sem mais perdas pesadas!
A guerra contra Hakumen no Mono ainda não atingiu seu ápice mas todas as tropas já estão em campo. Bom, quase todas: o Tora ainda não se recuperou, mas creio que isso ocorrerá no próximo episódio. A Lança da Besta já se restaurou – sozinha – e Ushio a empunhou e removeu dela o seu limitador. Ele está disposto a ir até as últimas consequências. Os youkais estão lutando a boa luta e oferecendo o apoio necessário. Os monges se posicionaram estrategicamente e eles, junto com as guardiãs (a mãe do Ushio e a Mayuko) estão mantendo o Hakumen preso na mais poderosa barreira que jamais foram capazes de conjurar. Outra que deu sua contribuição para a barreira foi a antiga líder da Seita Kouhamei, falecida mas cuja alma pôde voltar para o mundo dos vivos uma vez mais graças à um portal aberto pela Saya. Os mortos nas ilhas japonesas devem se contar aos milhões ou no mínimo centenas de milhares (para comparação: contam-se em cerca de 30 mil os mortos e desaparecidos na morte que veio do mar no Grande Terremoto de Tohoku em 2011, que atingiu apenas a linha costeira de uma região do Japão medianamente povoada). Entre tantas mortes trágicas, as forças que se opõe ao Hakumen no Mono não temem a sua própria morte. Heroica.
Que episódio! Aconteceu muita coisa, e ao mesmo tempo aconteceu uma coisa só: a aliança contra o Hakumen no Mono, ao redor de Ushio, foi restabelecida! Quem já leu épicos de fantasia deve reconhecer o padrão. Eu li bem menos do que eu gostaria, mas isso me lembra conceitualmente O Senhor dos Anéis: a Última Aliança dos Povos Livres para mim é diretamente comparável à aliança entre humanos e monstros em Ushio to Tora. Que nossos heróis japoneses tenham mais sorte que elfos e homens!
O que é uma comparação imprópria, de todo modo. As duas alianças, as duas histórias são muito mais parecidas. Houve uma “última aliança” entre humanos e monstros em Ushio to Tora séculos atrás, Hakumen quase foi derrotado mas uma traição no final permitiu que ele continuasse vivo e lentamente recuperasse suas forças, e agora, como na história dos hobbits, a encarnação do mau retornou. Conhece O Senhor dos Anéis? Eu diria que esse episódio é equivalente ao acendimento dos faróis que ligam Gondor à Rohan, o que marca o começo da virada da sorte dos povos livres. Estou muito errado?
Que episódio anti-climático. Quero dizer, depois de 32 episódios de desenvolvimento e muita ação finalmente o grande vilão surge em carne e raposa gigante de nove caudas, graças a um ardil que ele planejou. Todos os núcleos de personagens combatentes do anime se apresentam: os militares humanos, os youkais, os monges, e claro o protagonista Ushio com seu inseparável parceiro youkai Tora. A garota que ele gosta está lá, torcendo por ele. Ele encontrou a mãe pela primeira vez na vida. Sua grande amiga Mayuko também está lá.
O vilão se levanta das profundezas dos mares, derrota os youkais, destrói uma ilha habitada e mata todos os seus habitantes, tem a clássica cena dos caças de guerra indo dar combate e sendo destruídos instantaneamente que nunca pode faltar nessas ocasiões, tem o protagonista enlouquecendo e atacando o vilão apenas para ver a única arma capaz de derrotá-lo ser destruída e ele próprio ser arremessado nas profundezas do mar no instante seguinte. Ah, e as ilhas japonesas estão afundando. Deu para segurar o fôlego? Foi essa a deixa para esse episódio.
E o que aconteceu? Apareceram novos aliados para lutar contra o vilão enquanto o herói se recupera? Alguém partiu em missão desesperada para salvar o herói que, afinal, está afundando no oceano? O herói se recuperou? Alguém se sacrificou heroicamente para segurar o vilão, mesmo que só por mais um minuto? Talvez nada disso, mas pelo menos teve mais uma boa dose de destruição e desespero provocados pelo vilão? Não, não e não. Flashback. A história de como o vilão surgiu, era isso o que você queria? Eu não queria. E se além de tudo tiver um filtro maneiríssimo durante o flashback inteiro que o torna além de tudo feio de se assistir? Eu continuo não querendo. Por que fez isso comigo, Ushio to Tora?
Desespero é a palavra desse episódio. Desespero é a palavra dessa temporada. A essa altura é fácil criticar o Ushio: se descontrolou, não ouviu a mãe, não ouviu o Tora, agiu obviamente de acordo com o que o Hakumen no Mono queria que ele agisse, e não era difícil de perceber. É fácil comparar a fúria do Ushio com a de uma criança que não pode ouvir um “não” da mãe no supermercado que começa a rolar no chão berrando e chorando.
E bom, talvez seja isso mesmo. O Ushio merece mesmo cada crítica. O anime faz um trabalho muito bom em retratar o que acontece quando uma criança é contrariada e não sabe como lidar com a frustração. O Ushio só tem 14 anos, ele não é muito mais do que apenas uma criança. Se até adultos podem ter um colapso emocional, o que dirá um garoto de 14 anos nas circunstâncias do Ushio?
Ushio conseguiu chegar até o pilar de pedra onde sua mãe se encontrava, mas uma vida inteira achando que a mãe está morta não se resolve com um “e aí mãe, vim aqui te salvar, bora?”. Compreensivelmente, Ushio estava bastante nervoso. Tinha muito para falar, para contar, para cobrar. E o mesmo se pode dizer de sua mãe. Ela era a adulta ali, ela era a pessoa mais responsável, mas mesmo assim ela estava sobrecarregada de emoções. Os dois se perderam em seu reencontro mas o mundo não iria parar para esperá-los.
Hakumen no Mono, o exército e os monstros já estavam se movimentando. O monstro milenar já estava recuperado e desperto o bastante para retomar seus planos vis, enquanto os humanos e todos os monstros do Japão tinham seus próprios planos para combatê-lo. Pena que ambos já haviam sido previamente enganados pelo Hakumen.
Um bom episódio mas que deixou claro o problema de adaptar uma série muito longa em um anime relativamente curto. As revelações mais importantes desse episódio foram literalmente do nada, não havia o que servisse de premonição para elas. Não vimos os atores e eventos lentamente caminhando em uma direção. Ushio to Tora simplesmente informou: o Ushio provavelmente não vai conseguir retornar depois da próxima transformação e o Nagare cresceu consumido por angústia e raiva.
Mas isso não tira o efeito dramático da reunião entre Ushio e Asako ou da belíssima e emocionante luta entre Tora e Nagare. O anime como um todo poderia ser melhor, mas esse episódio por si só foi muito bom.
É isso aí que está parecendo mesmo: vou começar a escrever sobre Ushio to Tora agora, quando ele retorna para sua temporada final, embora nunca tenha escrito nada antes além de primeiras impressões. É um anime bom baseado em um bom mangá battle shounen dos anos 1990 que eu nunca tive a oportunidade de conhecer antes, mas que tem uma história sólida, um enorme elenco de personagens coadjuvantes, tanto aliados quanto inimigos, ahn, ok, para você que nunca assistiu Ushio to Tora e está lendo esse artigo agora, vou escrever um resumo rápido e básico, mas antes de começar, talvez queira ler as minhas primeiras impressões da primeira temporada.
Ushio é filho único de um monge velho e que vive dando trabalho para ele, e eles moram em um templo. Um dia, enquanto ele está limpando um depósito anexo, encontra um alçapão e o abre. Lá dentro encontra um demônio laranja, um monstro que lembra vagamente um tigre, preso à parede do porão que até então ele nem sabia que existia por uma lança com ponta de pedra. O demônio está preso lá há 500 anos, e pede para Ushio soltá-lo para que ele possa devorá-lo (ele diz isso mesmo, não é do tipo de demônio bom em convencer as pessoas com palavras). Ushio se nega mas o simples fato do porão ter sido aberto atraiu centenas de demônios para as redondezas e eles começam a causar o caos, e aí o demônio se oferece para derrotar os outros demônios… se ele for solto. Ushio não tem escolha e remove a Lança da Besta que prendia o demônio, e descobre que com a lança ele próprio é capaz de lutar. Com os demônios todos derrotados Ushio usa a lança para domar o demônio felino que ele encontrou no porão, e eles passam a mais ou menos viver juntos (o demônio quer devorar Ushio e Ushio não quer deixar o demônio ir embora e devorar outras pessoas impunemente). Ushio passa a chamar o demônio de “Tora” (simplesmente “tigre” em japonês).
Com o tempo, outros demônios aparecem e Ushio descobre que ele, Tora e a Lança da Besta estão envolvidas em uma guerra milenar contra um demônio poderosíssimo chamado Hakumen no Mono que veio da China. Já no Japão, depois de uma guerra travada há séculos atrás na qual todos os demônios do Japão se uniram com os humanos de então o Hakumen fugiu e se escondeu nos pilares das ilhas japonesas, e por isso quando os demônios vieram para exterminá-lo a sacerdotisa Yuki criou uma poderosa barreira que os impediu de atingi-lo (ao mesmo tempo que o impediu de sair). Considerando aquilo uma traição, os demônios recuaram e nunca mais confiaram nos humanos.
Ushio parte em uma viagem para descobrir mais sobre sua mãe, que ele nunca conheceu, e a Lança da Besta, junto com Tora. No caminho descobre sobre Hakumen no Mono, descobre que foi o escolhido pela Lança da Besta para derrotá-lo de uma vez por todas, e através de suas ações de coragem e de bondade ele consegue unir novamente os demônios do Japão (os do leste e os do oeste) e os humanos. Quando estão quase prontos e animados para partir para a batalha final, Hakumen no Mono reage. Agora que chegou até aqui, se ainda não leu é uma boa ideia ler as minhas primeiras impressões dessa temporada.