[sc:review nota=4]

Escrevi bastante sobre o livre-arbítrio nos artigos sobre os dois últimos episódios porque ele era de fato tema central neles. Como ações ensejam reações, é lógico que uma escolha que se faça irá ter uma consequência, e esse é o outro lado do livre-arbítrio que muita gente normalmente ignora. Especulei e falei um pouco sobre as tais consequências também, mas foi só nesse episódio que as escolhas de cada personagem começaram a cobrar deles um preço alto. É um pouco curioso que um anime de fantasia histórica, com magia, temas religiosos e guerras tenha um plano de fundo que trata de liberdade e responsabilidade. Mas isso é tão forte que acho que os personagens estão perdendo prioridade e estão se desenvolvendo pouco. Exceção honrosa: Ezequiel. Os demais, mesmo a protagonista, podem ter refletido um pouco, podem ter até refletido bastante em alguns momentos, mas se chegaram a alguma conclusão foi a de que deveriam continuar como estavam antes. Eu não acho isso ruim, mas pelo menos da Maria eu espero um pouco mais.

Três personagens foram obrigados a tomar grandes decisões nesse episódio: a Maria, como não poderia deixar de ser, Ezequiel, até agora a melhor personagem da história, e Galfa, o mercenário que tem um sonho. E todos eles, em graus variados, se deram muito mal. Tecnicamente os três poderiam ter morrido nesse episódio. Um breve resumo: sabendo que o pai de Ann havia ido para a guerra, Maria encontra a motivação que precisava para interferir mais uma vez na guerra. Os franceses haviam encurralado e estavam massacrando os ingleses, e na euforia trazida pela batalha Galfa sugeriu a seu líder que ignorassem as ordens e partissem para cima dos ingleses para amealhar o máximo de espólios de batalha que fosse possível antes da chegada da cavalaria, e assim foi feito. Uma vez no campo de batalha, Maria usou uma muralha mágica para impedir que franceses e ingleses continuassem lutando, e ordenou aos ingleses que fossem embora. Contudo, um inglês ressentido disparou uma flecha enquanto se retirava e matou um francês, o que reacendeu a batalha. Então Maria decidiu radicalizar e invocar uma de suas criaturas, e mais essa desobediência à ordem do Arcanjo Miguel fez com que Ezequiel fosse transformada em uma lança e tivesse que matar Maria, mas ela apenas atingiu a bruxa de raspão, a ferindo muito e a derrubando do céu, mas a mantendo viva. No entanto, a bruxa caiu no meio de soldados que já estavam fartos de sua interferência, e eles estavam prontos para matá-la. Aliás, eu falo “matá-la” mas tenho certeza que fariam algo ainda pior também (mulheres sofrem em guerras). A bruxa inglesa, Viv, salvou Maria de tal trágico destino e partiu para a casa da bruxa Edwina, aparentemente a melhor curandeira de todas, e chamou para lá todas as demais bruxas. Enquanto isso, no campo de batalha, cheios de rancor, no meio de uma batalha ainda mais feroz do que antes e sem Maria para interferir, os ingleses ameaçaram a unidade principal do exército francês, onde o conde Guillaume se encontrava. O conde se irrita com a abertura na defesa francesa causada pelo avanço dos mercenários (aquele sugerido por Galfa) e ordena que disparem os canhões contra os ingleses mesmo que isso atinja também os franceses que os perseguem e combatem. Percebendo o erro tático que cometeram, o líder dos mercenários culpa Galfa por tudo, afinal a ideia havia sido dele, e promete forçá-lo a distribuir todo o seu dinheiro entre os mercenários após a batalha como compensação. Galfa contudo não pode aceitar isso, e com um corte só degola o líder. Em seguida é atingido por uma bala de canhão e perde seu braço esquerdo. Ezequiel foge e leva uma bronca de Miguel por ter poupado a vida de Maria e é eventualmente encontrada por Joseph, que havia achado o garfo que Maria usa para voar. Os familiares de Maria encontram os dois e os levam até a casa de Edwina, onde estão todas as bruxas ao redor de Maria, já tratada e em recuperação. Ezequiel está profundamente triste por ter ferido Maria mas a bruxa não a culpa por nada, pois sabe que Ezequiel na verdade a salvou. Galfa tem sua amputação tratada para não infeccionar com o melhor que a medicina da época pode oferecer e já está acordado planejando vingar-se de Maria junto com o padre Bernard, que arranjou seu tratamento. O episódio termina nesse clima pesado de conflito iminente.

Começando por Maria: ela queria impedir a batalha como sempre faz, mas Joseph a pediu para que não o fizesse, prometendo que essa seria a última das batalhas e que ele voltaria dela viva. Quando soube por Ezequiel que o pai de Ann estava na batalha, contudo, ela decidiu agir. Mais tarde ela pediria desculpas a Joseph por ter quebrado a promessa, mas ele diria que ele é quem deveria se desculpar por ter forçado ela a prometer tal coisa em primeiro lugar. Maria se vê dividida entre seus sentimentos por Joseph e seu pacifismo sem limites, não consegue decidir o que fazer e essa decisão a paralisa e a torna infeliz. No fim das contas a paralisia já era uma escolha. Que no entanto mudou quando ela soube de nova informação: o pai de Ann estaria na batalha. Tendo agora pessoas importantes para defender com qualquer decisão que tomasse, ela pendeu para sua ideologia pacifista natural. Contudo, e ela sabia disso faz tempo, os céus estavam de olho nela e a qualquer novo uso ostensivo de magia em público ela poderia ser executada. Ela nem pensou nesse risco e simplesmente agiu. E dessa vez a Lança de Miguel (que é Ezequiel) a atacou. Longe de se sentir intimidada, porém, ao fim do episódio ela parece ter ainda mais certeza que fez o que era certo.

Galfa, depois de quase morrer no episódio anterior, conseguiu passar por dificuldades ainda maiores nesse episódio. Sem a interferência de Maria e com a força de um ataque surpresa fulminante as forças francesas estão massacrando as inglesas, e Galfa se deixa levar pelo otimismo quando decide que era melhor abandonar o local estratégico de sua tropa para perseguir os ingleses e auferir maiores lucros. Não pode ser totalmente culpado por isso, contudo, já que seu líder concordou e cabia a ele decidir. Tivesse dito não, seria não. Quando Maria chegou e acabou com o ânimo dos franceses, contudo, a história da batalha mudou completamente. Os ingleses atacaram mesmo com a presença da bruxa (na pior das hipóteses só seriam impedidos de novo, não é? não é como se eles estivessem esperando lucrar naquele momento, mas sim matar cada francês que conseguissem), e o buraco na defesa causado pela decisão equivocada de Galfa deixou a tropa principal francesa desprotegida. Sem pensar duas vezes o conde ordenou que os canhoneiros atacassem, devastando tudo pela frente, ingleses e franceses. Ao perceber a decisão horrível que tomaram, o líder tentou jogar em Galfa a culpa por tudo, e isso custou-lhe a vida. Galfa já provou que para conseguir atingir seu sonho ele não se importa sequer com a própria vida, então por que se importaria com a de outra pessoa? Faz sentido. Enfrentar seus companheiros mercenários por causa disso não seria nada, mas a tanto ele não chegou: perdeu um braço para um canhão, e só não perdeu a vida porque Bernard tem utilidade maior para ele. Cheio de ressentimento e ainda mais cheio de ambição, Galfa já pensa em como irá derrotar Maria.

Por último Ezequiel. A convivência com Maria e entre os humanos a fez perceber algumas coisas e questionar os métodos celestes, de forma que ela não quer mais matar a bruxa, de quem sem perceber se tornou uma amiga. Por isso ela não quer que Maria vá para a guerra, pois foi instruída por Miguel a matá-la da próxima vez que usar magia de forma ostensiva. Ao mesmo tempo, entendendo Maria, ela sabe o quanto a bruxa está sofrendo por não poder fazer o que acha que tem que fazer, e também está profundamente preocupada com o pai de Ann, razão pela qual no fundo de seu coração ela quer que Maria interfira. Após muito esperar, ela não se aguenta e se ancora na desculpa de que passar um recado não é colaborar, e conta a Maria que Ann pediu que a bruxa protegesse seu pai mais uma vez. Maria parte para a guerra, e Ezequiel parte atrás dela, desesperadamente desejando que Maria não faça nada que enseje a punição que caberá a ela administrar, mesmo sabendo que é inevitável que Maria o faça. E por inevitável, Maria o faz, e Ezequiel é obrigada a cumprir sua missão e perfurar Maria. Contudo, a anja decide se arriscar e salvar Maria, não a atingindo de forma fatal. Ainda assim ela a atingiu e se sente profundamente envergonhada por isso. E ao mesmo tempo ela traiu Miguel e sabe que agora está em risco. Aparentemente ficou barato, custou apenas uma bronca a ela. Ezequiel se reencontra com Maria e ouve da bruxa que ela não a culpa por nada.

Outra forma de enxergar Junketsu no Maria é como uma guerra entre três lados: os humanos que querem se matar, a bruxa que quer impedir que eles se matem e os céus que não querem intervir nem permitir que a bruxa intervenha. Acho que não é bem isso, contudo, e sustento que o mais importante do anime é sua mensagem sobre decisões e consequências, certo e errado. Às vezes decisões certas atraem consequências ruins. Isso pode parecer injusto, mas no final você age por convicção ou para ser reconhecido? Em Junketsu no Maria todos até agora agem por convicção. Os próximos episódios devem desviar da guerra um pouco, acredito. Galfa irá atrás de Maria de alguma forma, Joseph deve se aproximar mais da bruxa, e o silêncio ensurdecedor da casa de Ann quando a garota chama sua avó me parece mau agouro. Lembrando que quem deu o (suposto) remédio para a garota da última vez foi Ezequiel, pois Maria estava fora conversando com Joseph. O que acontecerá com Maria se ela perder a confiança dos únicos humanos comuns que ainda acreditam nela? Será Maria capaz de continuar agindo puramente por convicção, não importa o quanto aqueles que ela própria tenta proteger sejam ingratos ou mesmo a odeiem? E Joseph? E Ezequiel? A anja tem liberdade para abandonar os céus ou sempre será obrigada a obedecer Miguel?

  1. Pow bacana sua análise, tava vendo o anime meio que “superficialmente” já que tava com preconceito principalmente pelas piadas, mais olhando direito até que vale apena e mudou minha opinião sobre muita coisa. E parabéns pelo site, gostei bastante apesar de ainda ter lido só esse post, mais com certeza irei dá uma lida nos outros.

    • Antes de tudo, obrigado pelo apoio e pela aprovação =) E fico mais feliz ainda que meu conteúdo tenha sido útil para você!

      Eu esperava piadas bem pesadas sobre sexo antes do anime estrear por causa da sinopse, né, bruxa virgem que perde os poderes se fizer sexo. Felizmente o tema vem sendo tratado com relativa dignidade, e a história de que Junketsu no Maria conta é bastante interessante. Não é o melhor da temporada, mas na minha opinião é um dos bons sem sombra de dúvidas.

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