Samurai Champloo – Uma jornada para se encontrar
Série para TV, 25 min26 episódiosEstreou dia 19 de janeiro de 2004
Informações técnicas
Enredo | Original |
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Estúdio | Manglobe |
Diretor | Shinichiro Watanabe |
No auge do xogunato, essa não é uma história sobre grandes batalhas, samurais poderosos e orgulhosos, as intrigas do reino japonês, sua corte e generais. Seus protagonistas são três pessoas normais, plebeias. Quero dizer, plebeias sim, mas dizer que eles são normais é um equívoco. Eles não são normais e querem saber quem são, querem saber porque estão ali e para onde devem ir, qual o lugar deles no mundo – mesmo que na maior parte do tempo nem mesmo eles estejam cientes de qual é a verdadeira jornada que estão fazendo. E no caminho, eles acabam tropeçando e provocando sem querer (mas sem se importar) algumas daquelas coisas importantes do início do texto e que deveriam ser completamente inacessíveis para plebeus.
Mugen e Jin são dois guerreiros orgulhosos que não poderiam ser mais diferentes entre si. Fuu é a garota alegre e desastrada que salva a vida dos dois logo no começo do anime e os faz prometer acompanhá-la em sua busca pelo “samurai com cheiro de girassol”. E que esconde muita coisa sob seu sorriso.
O clima do anime é claustrofóbico, cáustico. A trilha sonora hip-hop representa bem a rebeldia indomável dos protagonistas, cada um por seus motivos. Os cenários são quase sempre apertados – ruas estreitas, cabanas, lugares cheios de gente ou trilhas no meio da mata fechada. Boa parte das cenas de ação e dos momentos dramáticos do anime ocorre durante a noite. Mesmo nos raros momentos em que os personagens estão em lugares abertos e ao sol, quase sempre a sensação é de aridez. Eles não estão livres: estão abandonados. E é isso o que Mugen, Jin e Fuu são: três pessoas rejeitadas, abandonadas. Descobrir o que as deixou nessa situação é parte fundamental da grande história do anime.
Essa descrição toda até agora pode parecer excessivamente dramática, trágica até, mas Samurai Champloo é alegre a maior parte do tempo. É comédia do começo até (quase) o fim. Entre arcos mais pesados há alguns episódios que servem totalmente como alívio cômico. A maioria dos arcos começa de forma despretensiosa, engraçada até, e por um motivo ou outro Fuu e seus dois guerreiros acabam se metendo em confusões – e quase sempre a culpa é toda deles. A maioria dos episódios é fechada, com alguns poucos arcos de dois episódios. De todo modo, todos eles funcionam de forma independente, tendo início, meio e fim de suas próprias histórias, enquanto acrescentam um pouco mais ou um pouco menos à história principal. Na primeira metade do anime vemos a miséria da vida japonesa da época (que ecoa e ressoa na vida moderna), enquanto a segunda metade se dedica mais às histórias dos personagens e ao épico fechamento da história. Samurai Champloo é totalmente orientado a seus personagens, e por isso qualquer análise do anime está incompleta se não analisar os três protagonistas.
Mugen é de Okinawa (que na época do anime ainda era o reino independente de Ryuukyuu mas como o anime toma certas liberdades históricas não é possível afirmar se em Samurai Champloo ele já havia sido anexado ao Japão ou não, apesar de ser referido pelo nome antigo), mas a ilha em que viveu era habitada apenas por exilados e pessoas abandonadas por quaisquer que fossem as razões. Ainda lá ele aprendeu a lutar com espada, provavelmente sozinho dado seu estilo único, e partiu para o Japão, onde continuou sendo um pária. Violento, revoltado, impulsivo, sua personalidade se traduz perfeitamente em sua técnica. Ele vive com raiva mesmo sem ter um motivo específico para isso. E quando arranja motivo é pior ainda. Se orgulha apenas de sua força e resolve tudo na espada. Se diverte lutando contra guerreiros poderosos.
Jin treinou num dojô tradicional onde se tornou um guerreiro excepcional, mas por algum motivo saiu em uma jornada sem rumo. Uma pessoa calma, educada e de bons modos, seu estilo de luta também reflete sua personalidade, sendo um espadachim de movimentos simples e certeiros. Apesar de uma personalidade que não poderia ser mais diferente da do Mugen, ele também parece se divertir enquanto luta e se orgulhar de sua força, embora às vezes pareça que algo está fora do lugar, que não faz sentido. Bom, pode ser também apenas resultado do seu jeito austero, não pode? Ou será que algo o incomoda em relação a si mesmo? Por que alguém com a habilidade dele e criado em um lugar onde ele poderia ter garantido um bom futuro se tornou um espadachim errante em primeiro lugar?
Unindo os dois guerreiros e dando sentido à história fornecendo sua trama central está Fuu, uma adolescente órfã que ao encontrar Mugen e Jin, um ano após a morte de sua mãe, decidiu partir em uma misteriosa jornada para encontrar o “samurai com cheiro de girassol”. Ei, eu já disse que girassóis não tem cheiro? Eles não tem. No entanto, essa é a única informação dela … talvez? No começo sua relação com os dois é mais complicada, já que nenhum deles parece querer seguir uma garota maluca atrás de uma pessoa da qual eles não tem nenhuma informação. Ela insiste e de alguma forma consegue convencê-los a continuarem com ela. O que ela deseja com esse misterioso samurai? Ela é desastrada e confia muito fácil nas pessoas – o que a coloca em encrenca na maioria dos episódios, e também é bondosa e, acima de tudo, solitária.
Samurai Champloo é um anime para rir, para chorar e se emocionar. Fuu, Mugen e Jin se encontraram por acaso. Por acaso também encontraram várias pessoas durante sua jornada – bom, algumas não tão por acaso assim. Cada episódio é uma obra de arte e uma lição de vida por si só, mas o final é tão absolutamente poderoso que enquanto escrevo esse texto não consigo deixar de desejar que esses três estejam até hoje viajando pelo Japão. Juntos ou separados. Encontrando todos os tipos de pessoas boas e más. Mais ou menos como é a vida de todos nós, plebeus.
Lucas Magalhães
Terminei de assisti hoje. É uma boa obra. Mas não entendo o motivo do endeusamento da maior parte das pessoas que eu vejo por aí e que gostam da obra. Não é uma obra-prima. Passa longe disso. Enquanto um anime de comédia e ação não chega a ser excelente nem em comédia, nem em ação (as cenas de ação são muito boas, mas não são tão numerosas assim e acabam rápido até). 21 dos 26 episódios eu acabei dando uma nota 7/10 (que, no meu conceito, é algo bom o bastante, acima da média, para eu ter dado prosseguimento até o fim). Os outros 5 episódios eu dei nota 8 (no caso, foram os episódios 20 e 21 e os episódios finais, 24, 25 e 26) – de 8 para cima entra no meu conceito de obras ótimas.
O que me manteve vendo esse anime foi o carisma dos personagens principais. Mas no geral os episódios trazem histórias bastante simples e não tão memoráveis. Com exceção dos episódios que eu citei anteriormente.
Fábio "Mexicano" Godoy
Olá Lucas, desculpe pela demora em responder!
Você chegou perto de entender porque tanta gente adora Samurai Champloo: os personagens.
Não é só que eles sejam divertidos e carismáticos, mas eles são muito bem caracterizados e passam por grandes arcos de desenvolvimento.
Samurai Champloo não é um anime de ação ou comédia. É um coming of age. E como coming of age ele se destaca, sim. Mas talvez eu seja suspeito para escrever sobre isso, porque é um dos meus temas preferidos.
Obrigado pela visita e pelo comentário 😊
Lucas Magalhães
Entendi boa parte da sua colocação. E concordo principalmente com a parte do desenvolvimento dos personagens e a caracterização dos mesmo. Mas queria te perguntar uma coisa, já me desculpando por minha ignorância, o que “coming of age” significa?
Fábio "Mexicano" Godoy
Ah, desculpe.
A tradução literal seria chegada da idade, ou rito de passagem. Está relacionado com a maturação e a passagem da infância/adolescência para a vida adulta. Envolve coisas como entender como o mundo funciona, desapegar-se de crenças e gostos de criança, etc. Pode ser traumático, ou em alguns casos pode ser veículo para superação de traumas também.
Em um bom coming of age, a pessoa termina melhor do que ela era antes. Mais sábia, mais preparada. Supera algumas de suas características negativas ou aprende a lidar com elas. Qualquer gênero literário pode ser veículo para um coming of age. Assim, Samurai Champloo é uma comédia com ação.
Outros bons exemplos (queria ter uma lista disso no blog e acabo de perceber que está nos fazendo falta):
Sakamichi no Apolon (dirigido pelo mesmo Shinichiro Watanabe de Samurai Champloo), Ping Pong, vários animes da Mari Okada (como Anohana, Kokoro ga Sakebitagatterunda, Araburu Kisetsu no Otome-domo yo, Maquia, Hanasaku Iroha, etc), Crianças Lobo, Beck, Sora no Woto, Koe no Katachi, Irozuku Sekai no Ashita kara, além do melhor anime do ano passado e ainda um dos melhores que já foram produzidos nesses meus cinco anos de blog, Sora yori mo Tooi Basho.
E muitos outros. Esses já são bastante variados, talvez já tenha visto alguns, então ficamos assim. Em animes com protagonistas adolescentes frequentemente o coming of age é pelo menos um tema secundário da obra.
Lucas Magalhães
Muito obrigado pela explicação. Gosto da forma como você escreve, é muito bom de ler e entender.
Metade dos animes que você falou eu conheço de nome, a outra metade me escapa. Como faz tempo que não vejo animes (Samurai Champloo foi uma tentativa minha de buscar algo diferenciado) acho que vou pegar alguns desses que você falou para ver. Em especial o último.
E sim, faça uma lista aqui no blog kkkkkk
Se não for pedir demais, tirando esses que você falou… Teria alguma indicação para me dar de algo que você considere excelente? Qualquer coisa, qualquer gênero. Estou atrás de coisas que me prendam.
Fábio "Mexicano" Godoy
Excelentes? Bom, alguns dos que eu já citei com certeza merecem essa classificação: Ping Pong, Hanasaku Iroha, Crianças Lobo, Beck e Sora yori mo Tooi Basho.
Outros que eu recomendo: Túmulo dos Vagalumes, Maison Ikkoku, Gurren Lagann, Michiko & Hatchin, Hibike! Euphonium (toda a franquia, incluindo Liz to Aoi Tori), Kanojo to Kanojo no Neko: Everything Flows (pensando agora, esse é um tipo de coming of age também, de um ponto de vista bastante peculiar), 91 Days, Shouwa Genroku Rakugo Shinjuu, Little Witch Academia (toda a franquia), Made in Abyss, Houseki no Kuni, Happy Sugar Life (esse é preciso sangue frio), Dororo (o recente, de 2019), Ghost in the Shell (toda a franquia, mas principalmente o filme de 1995), Spice and Wolf, Girls’ Last Tour, Rainbow Nisha, Tokyo Magnitude 8.0, Nichijou, Shirobako, Flip Flappers, Violet Evergarden, Glass Mask (o de 1984, não assisti o mais recente, não posso indicar, mas provavelmente é bom também), Nana, Ushio to Tora, Haifuri e qualquer filme do Satoshi Kon (Perfect Blue, Tokyo Godfathers, Millenium Actress, Paprika).
Ok, talvez eu tenha indicado animes demais? 😂 Um top 10 desses então (sem ordem específica):
Ping Pong, Sora yori mo Tooi Basho, Túmulo dos Vagalumes, Maison Ikkoku, Michiko & Hatchin, Kanojo to Kanojo no Neko: Everything Flows, Houseki no Kuni, Ghost in the Shell, Girls’ Last Tour e Nana.
Lucas Magalhães
Agradeço pela atenção e pelas indicações. E não, animes bons nunca são demais. Principalmente hoje em dia que já não são tão abundantes assim. Agradeço a tudo. Começarei a ver alguns já nessa semana.
Fábio "Mexicano" Godoy
Eu que agradeço pela confiança 😊
Temos resenhas de alguns desses animes no blog, se quiser procurar depois.
Alexander
Fábio, gostei muito do seu texto, você conseguiu sintetizar o tema de forma magistral, que é essa busca por nós mesmos, que nessa quarentena eu experimentei bastante, e tô vivendo isso agora, por isso me identifiquei com os personagens. Eu quase nunca vejo séries, prefiro filmes, pois sintetiza melhor a história. Por isso esse é só o 3º anime que vejo (já assisti Death Note e Bakuman), procurei ele pelo episódio da maconha kk, mas o anime é muito mas que isso, ele me emocionou de uma forma que eu não esperava, assisti em menos de uma semana, e a estrutura de histórias que iniciam e terminam no mesmo episódio é fastástica, com eles conhecendo as pessoas na viagem e mostrando que tudo termina, tudo tem fim. Me identifiquei com isso também, pois estou preparando uma viagem de carro para o ano que vem, uma viagem interestadual com meus amigos. Enfim, esse anime eu vou guardar no coração, e fico feliz por encontrar alguém que gostou dele tanto quanto eu, obrigado por essa oportunidade de fazer esse comentário Fábio, te desejo todo sucesso!
E Fábio, se você puder em dar um feedback do meu site eu te agradeço. [http://cine.ga]