Mahou Tsukai no Yome é adaptação do mangá homônimo e um título bem conhecido dos brasileiros já que tanto o mangá é lançado no país pela Editora Devir, quanto o anime foi exibido no Crunchyroll e teve sua dublagem anunciada. Um título de sucesso? Com certeza. O estúdio que o produziu, o fato de ter tido dois cours e a popularidade internacional favorável da obra, assim como os bons números de vendas de seus produtos, acusam isso. Mas Mahou Tsukai é somente um produto ou também um trabalho de arte? Nesta minha resenha comentarei esses e outros aspectos desse anime tão peculiar.

O pedido de noivado mais estranho dos animes.

A história começa quando Elias, uma criatura de natureza misteriosa, compra uma escrava, e está é a Chise, uma jovem de 15 anos que amaldiçoa sua existência devido a uma condição com a qual nasceu e pela qual sofreu por quase toda a sua vida.

Ela é uma Sleigh Beggy, alguém com o talento para criar e absorver magia em grandes quantidades. Sim, o mundo dessa obra não é muito diferente do nosso, exceto por nele existir magia; criaturas e poderes que mexem com a imaginação humana faz séculos.

É com essa premissa que a trama se desenvolve, Elias compra Chise, a leva para morar na Inglaterra e a toma como sua aprendiz e noiva. Sim, por mais estranho que isso possa parecer ele também deseja que ela se torna a sua noiva.

Uma relação de dependência sim, mas não tão nociva quanto poderia se imaginar.

Todavia, a relação deles não é baseada em escravidão, subserviência ou qualquer outra interação nociva. Enquanto a Chise aprende magia com o Elias – não só fazer feitiços, mas também a controlar magia e a entender melhor sua condição de Sleigh Beggy –, ele a tem como aquela que um dia herdará o seu legado; além dela ser alguém com quem ele aprende a se importar.

Elias é uma criatura que pode até se portar bem, vestir trajes caros, falar bonito, emular a moral e os costumes humanos, além de conseguir interagir tranquilamente com eles; mas no fim das contas ele não deixa de ser uma criatura que não entende bem dos sentimentos humanos e quer desvendá-los com a ajuda da Chise.

Sendo que ela também é alguém que tem problemas com isso já que não teve uma vida fácil até encontrar o Elias, não se encaixando em lugar algum justamente por ver e ouvir as criaturas do outro lado, além de ser alguém pela qual elas se sentiam atraídas devido a sua condição.

A Chise é uma garota deslocada que tem problemas de socialização, mas seu grande coração sempre a impele a ajudar o próximo mesmo que não ganha nada em troca com isso. Aliás, uma característica marcante dessa obra é a forma como ela transita entre os mais diferentes gêneros sem deixar de ter consistência.

A maioria dos episódios cobrem casos em que o Elias e a Chise têm que resolver certos problemas, mesmo que alguns deles sejam somente a garota sendo raptada por alguém interessado em seu poder e isso rola sem que necessariamente foquem só em drama ou ação – dividem o espaço com o slice of life e a comédia quando bem cabe.

Todos os casos nos quais ela ajuda uma pessoa, ou a si mesma, corroboram com seu crescimento pessoal; uma evolução de um ponto a até um ponto b.

Se há uma coisa nessa história, essa é evolução de personagem.

A trama não passa a sensação de que seus personagens são imutáveis, e isso é ótimo, pois compensa muito do investimento emocional do público, além de que, se trata de um anime divertido, mas que sempre busca passar uma mensagem por meio dos casos abordados. Porém, não usa os secundários apenas para fazer o roteiro andar.

Eles são personagens que mudam a Chise e também são mudados por ela; tanto é que a garota faz amizade com um antigo dragão, uma aprendiz de feiticeiro com uma história de vida razoavelmente parecida com a dela, várias fadas de vários tipos, um antigo senpai do Elias e até humanos – estejam eles diretamente envolvidos com a magia ou não.

Para quem no início não ligava para a própria vida, essa jornada a permitiu fazer diversas amizades que a prendem a esse mundo e a fazem querer viver, apesar de sua natureza Sleigh Beggy diminuir sua expectativa de vida.

O Elias procura ajudá-la ao máximo, e é de encontro a esse desejo cada vez mais humano que ele se vê desesperado e chega a tomar atitudes drásticas. Algo que eu consideraria até previsível visto que ele não é humano e, na verdade, mesmo humanos são capazes de atos hediondos se pressionados o suficiente.

Isso provoca uma cisão entre eles, mas é claro que isso seria apenas momentâneo e logo eles se unem de novo, depois que tudo é dito e feito. Aliás, isso é provocado pelo único personagem que veste essa carapuça vilanesca de fato na série. E isso nem é algo ruim, mas tem certas ressalvas.

A figura do Cartaphilus é misteriosa e intrigante durante quase toda a série, tanto é que se havia um personagem com cara de chefão final, esse era ele.

Isso não é um meme.

Contudo, seu envolvimento com a Chise somente em momentos pontuais da série acabou sendo um pouco melhor do que quando é feito um paralelo entre ele e a garota. Sua história de vida não é ruim, longe disso, mas acho que a narrativa se perdeu um pouco quanto ao que queria dizer sobre o personagem e seu drama.

A Chise continua sendo uma personagem excepcional, tanto é que quando ela confronta o seu passado isso só fica ainda mais em destaque. Mas o Joseph acabou tendo seu desenvolvimento aquém – incapaz de provocar o mesmo envolvimento, o mesmo fascínio, que me cativou nas histórias de vida do Elias e da Chise.

Considero isso uma pena, mas é claro que não estragou todo um excelente anime, apenas manchou a reta final.

Um roteiro que entende bem o peso das palavras.

Um dos últimos quesitos que gostaria de pontuar nesta resenha é um dos maiores trunfos da obra, a forma como a magia é trabalhada. A magia ocidental é explorada de forma bastante satisfatória, não se prendendo a classificações de níveis, características, afinidades, etc.

É “maleável” de acordo com a necessidade e a situação, mas também não é usada como um recurso de roteiro conveniente, afinal, sempre há uma compensação a ser dada e esses efeitos costumam fazer jus ao que é proporcionado.

Além disso, a representação das criaturas mágicas, seus costumes e habilidades, é ótima. Tudo muito ligado a terra e a natureza, além de ser um pouco explorado o papel que o homem tem como agente modificador da natureza e, consequentemente, da vida das criaturas mágicas. O mundo explorado é o da magia, mas o mundo dos humanos não fica alheio a isso – ainda que não possua todo esse foco.

Ademais, acho que só posso elogiar Mahou Tsukai por ter sido um anime que tinha sim sua base no drama, mas conseguiu transitar bem entre outros gêneros e, mesmo assim, voltar naturalmente ao drama. Além de que, foi um elemento tão bem trabalhado na história que mesmo casos específicos de pessoas que a Chise ajudou conseguiram trazer uma carga dramática incrível, sem parecer forçada por se tratarem de personagens coadjuvantes.

Tudo isso mantendo certo alinhamento temático que só pode ser visto em uma obra cujo autor tem o “domínio” sobre aquilo que está querendo contar e a forma como ele deseja fazer isso. Ele pode sim apresentar um arco que o público vai achar menos satisfatório que outro, mas acho bem difícil que ele perca a mão e faça a obra ter uma queda grande de qualidade.

Mahou Tsukai no Yome é um verdadeiro “achado”, um anime que não se encontrar em qualquer temporada, e que dificilmente vá ter outro como. O anime não é perfeito, não é para tanto, mas não tem só ótima produção técnica – é, tecnicamente não é de se jogar fora –, como também é satisfatório na maior parte da duração dos seus episódios.

É um anime que vale a pena ser assistido? Com toda certeza. Vale a pena assistir dublado? Se pensarmos que o Guilherme Briggs é quem dá voz ao Elias ao menos conferi-lo é mais que indicado. Vale a pena comprar seu mangá? O preço é salgado para os padrões brasileiros, mas se você tiver gostado muito do anime acho que vale o esforço sim. E aqui me despeço, curtam a mágica história de vida de Elias, o mago, e Chise – a noive do velho mago.

O conto da noiva do velho mago.

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