Lupin III – ep 2 – A Determinação de um Samurai
Eu sempre me pergunto o que meus personagens favoritos fazem quando não estão salvando o mundo (ou roubando as joias da coroa Britânica ou se tornando o homem mais forte do universo), e o programa tipicamente italiano de Lupin, Jigen e Goemon parece ser assistir uma boa partida de futebol. O trio está impressionado com a performance e determinação de um jogador chamado Brozzi, que leva uma cotovelada no olho direito e mesmo assim não para de avançar em direção ao gol para marcar, selando a vitória de seu time. Goemon compara a determinação do homem com a de um samurai, com sua fala normalmente encríptica. Já Lupin prefere reclamar como uma velha resmungona que acabou de perder uma aposta, porque bem… ele tinha mesmo perdido uma aposta sobre a partida de futebol, graças à vitória assegurada por Brozzi para seu time.
Já o Inspetor Zenigata nos mostra que a justiça nunca descansa e o vemos procurando por Lupin num estádio de futebol acompanhado por outro policial. Com seu binóculo, ele avista uma figura muito suspeita num camarote e o policial lhe explica que o homem com guarda-costas é Mondini, um mafioso que, graças à sua paixão pelo futebol, acaba tornando-se uma espécie de celebridade local e assegura ao colega de profissão japonês que ele não precisa se preocupar com Mondini; outra agência europeia já está de olho nas atividades ilícitas do homem. Mondini, sem saber que é observado, comemora a vitória de seu time, em quem ele investiu rios de dinheiro e com isso temos todas as peças no tabuleiro para essa aventura.
Aquilo que Goemon fala no começo do episódio é muito importante para o desenrolar de todo o resto da trama. Determinação. A incrível capacidade de perseguir um objetivo apesar de todas as dificuldades, não importa quais sejam, não importa como as pessoas o vejam durante sua cruzada pessoal. Goemon considera Brozzi um homem cuja determinação é comparável à de um samurai e isso, vindo de Goemon, é provavelmente o maior elogio que ele fará à alguém em sua vida. Quando Jigen e Lupin estão tomando uns bons drink, Fujiko aparece acompanhada por Brozzi, a lenda em pessoa, dizendo que ele tem um trabalho para o ladrão dos ladrões. Mondini, o mafioso amante de futebol, está chantageando Brozzi para que ele não jogue a final da Taça Itália, usando fotos e documentos que provam que os resultados dos exames de antidoping do jogador voltaram positivos.
Doping, pra quem não sabe, é um jargão dos esportes para descrever atletas que usam substâncias, lícitas e/ou ilícitas para aumentar seu desempenho físico durante competições. Existe uma agência mundial que fiscaliza atletas de todas as categorias e que também determina quais substâncias entram na lista de substâncias proibidas.
Lupin e Jigen parecem achar irônico que o jogador de futebol de ouro tenha sido pego no exame antidoping e não parecem muito dispostos a ajudar Brozzi, que estava mais breaco que o Batman no bar. O ladrão mundialmente famoso discute com Brozzi no banheiro e percebe algo quando desvia de um soco dele, mudando imediatamente de ideia sobre o trabalho, para total surpresa de Jigen. Brozzi lhe assegura que dinheiro não é problema e assim o trabalho tem início.
Enquanto almoçam uma maravilhosa macarronada à carbonara, Jigen reclama sobre a dificuldade em encontrar informações sobre Mondini e seus negócios. Lupin, por sua vez, parece mais preocupado em comer (esse é dos meus!) e jogar seu xadrez em paz, sacando um dossiê completo do MI6 (a Agência de Inteligência Britânica) sobre Mondini, revelando que o interesse do mafioso em ver Brozzi fora do jogo está ligado ao fato de ele ser dono do time que disputará a final da Taça Itália contra o time de Brozzi. Com todas as informações em mãos, Jigen arquiteta o plano de invasão à casa de Mondini e Lupin finalmente entra em ação.
Ele se passa por um dos thugs de Mondini e consegue passar facilmente pelo outro guarda costas depois de um jogo de xadrez, arrombando o cofre e roubando os exames antidoping de Brozzi. Enquanto Lupin foge da casa, o guarda costas com quem ele estivera jogando xadrez momentos antes aproveita a confusão para roubar outros documentos do cofre de Mondini e, após a escapada de Lupin e Jigen da perseguição, esse guarda costas acerta Mondini com um soco e lhe diz que jamais trabalhou para o homem, antes de ir embora. Numa das últimas sequências, Lupin entrega os papéis para Brozzi e o confronta sobre o doping: o jogador está ficando cego do olho direito e, para evitar que o clube o afaste dos campos, ele tem se auto-medicado contra a doença, buscando retardar o seu avanço para que ele possa pelo menos trazer a vitória da Taça Itália para o time que depositou tanta confiança nele. As drogas detectadas pelo exame antidoping nada mais eram do que sua medicação, tão crucial para a continuidade de seu objetivo. E é nesse momento que entendemos porque Goemon admira tanto o jogador. Claro que eu não imagino que ele soubesse os pormenores da condição de Brozzi, mas ele percebe que, apesar da cegueira de um olho, o jogador ainda era capaz de feitos incríveis no campo e que estava determinado a não deixar que tal problema lhe atrapalhasse.
Eu particularmente gosto muito de bons exemplos de determinação dentro de estórias. Não me refiro à protagonistas que são caricatamente ineptos em algo que eles almejam muito (esses exemplos na verdade me irritam um pouco, tanto pelo humor barato quanto pela pobreza da condição/situação sendo abstraída), mas à personagens como Brozzi, que veem seu talento e brilhantismo ameaçado por algo que eles não tem nenhum controle sobre e, ao invés de chorar sobre como o mundo é injusto, contornam a situação e reajustam seus planos àquilo que é possível fazer e alcançar. O exemplo sobre o protagonista que insiste e bate a cabeça contra a parede até conseguir o que quer é bonitinho, mas acho nocivo em função à distância que tal exemplo tem em relação à vida. Nossos planos e objetivos não são linhas retas e não são coisas simples. Nossa capacidade de insistir não é a única coisa entre nós e nossos objetivos e existem muitas barreiras nesse caminho tortuoso que não podem ser ultrapassadas apenas com nossa força de vontade e disposição a bater com a cabeça na parede quantas vezes forem necessárias. Há quem diga que ficção é sobre alienação e fuga da realidade e que, por isso mesmo, tudo é válido; eu gosto de ver estórias como coisas que te alienam sim, mas que ainda podem ser espelhos da realidade de alguma forma e que, muito importante, não cuspam na minha inteligência. O protagonista de determinação cega e inocente cospe na minha inteligência. Caras como Brozzi são inspirações.
Ah, e o nosso amigo sisudo que nunca trabalhou para Mondini realmente?
Ninguém mais ninguém menos do que o contato de Lupin dentro do MI6!
É Zenigata, por essa nem eu esperava!
Mas sendo o Lupin, a gente não devia se surpreender cada vez que ele tira uma carta nova da manga, afinal de contas ele não é o melhor ladrão do mundo por nada.