[sc:review nota=5]

Esse episódio está com muita cara de estúdio Ghibli! Se preferir, muita cara de Hayao Miyazaki, mas prefiro não dizer isso pois Goro, seu filho e diretor de Ronja, já disse que não tem a pretensão de ser como o pai. O que estou querendo dizer? É um episódio que crianças e adultos podem assistir, nem uns nem outros estarão perdendo nada ou se sentindo deslocados, menosprezados ou ficarão confusos o assistindo. Não obstante, ou talvez exatamente por causa disso, a mensagem que alguém capta desse episódio depende da sua idade. Crianças assistirão e entenderão uma coisa, adultos entenderão outra (sem deixar de perceber o que crianças entenderiam, caso prestem atenção). Ótimo episódio, o melhor de Ronja até agora, e se houvesse uma competição de melhor episódio independente de qual anime dessa temporada, ele estaria concorrendo com grandes chances.

Depois de correr de Birk, Ronja encontra uma mãe raposa e seus filhotes

Depois de correr de Birk, Ronja encontra uma mãe raposa e seus filhotes

O episódio é dividido em duas partes, e o significado de cada uma e o relacionamento entre ambas possuem interpretações distintas dependendo da idade do espectador. Na primeira metade, depois de brigarem, a névoa cobre a floresta e Birk pede ajuda a Ronja para voltar para casa mas os dois acabam perdidos conforme a névoa se adensa. Ronja, em pânico, é enfeitiçada por criaturas sobrenaturais que a chamavam para dentro das brumas, e é salva por Birk. A garota não se lembraria de nada depois que a névoa dissipou-se e ela despertou do transe, mas não sentia mais raiva ou aversão por Birk. Na segunda metade, Ronja volta a perguntar ao pai se ele rouba. Diante da insistência da filha, dessa vez ele se vê obrigado a explicar, embora visivelmente perturbado por isso. Ele tenta convencer Ronja que ser uma ladra é o destino dela também, mas ela se recusa veementemente.

Birk estava olhando as raposas também e Ronja foi tirar satisfação com ele

Birk estava olhando as raposas também e Ronja foi tirar satisfação com ele

Resumido assim parece não haver nenhuma ligação entre ambas partes do episódio, mas há. Na floresta, Birk lembrou Ronja mais uma vez que seu pai é um ladrão, e como ela ainda não conseguiu falar sobre isso com o pai apenas ignorou Birk, mas a dúvida com certeza aumentou em seu peito, e contribuiu para que ela precisasse, naquela noite, ouvir tudo da boca do pai. Já no final do episódio, quando depois de conversar com o pai Ronja vai se deitar e dormir ela murmura, mais para si mesma do que para a mãe que a embalava, que não odeia nem repreende o pai. Ela ama o pai, o que ela não gosta e não pretende ter que fazer um dia é roubar. Quando adormece ela sonha com a floresta, a névoa e Birk novamente, e essa cena só está aí para reforçar a ligação que há entre as duas metades do episódio.

Birk dá a ela uma lição sobre quem é "dono" da floresta

Birk dá a ela uma lição sobre quem é “dono” da floresta

Primeiro permita-me tirar do caminho o mais fácil: o que significa a metade na floresta nebulosa do episódio para crianças. Como Ronja passou o começo do episódio inteiro com raiva de Birk, gritando e discutindo com ele por tudo, e no final dessa metade não o odiava mais, a primeiro e mais óbvia mensagem é que não se deve odiar alguém que sequer se conhece, só porque alguém mandou odiar. O nome disso é preconceito. Não seja preconceituoso, Ronja foi preconceituosa com Birk mas ele é um bom garoto e a salvou. É isso, bem simples e direto. A outra mensagem é bem simples também: mesmo que esteja sozinho e com medo, não siga desconhecidos. Se o fizer, talvez você nunca mais consiga voltar e encontrar sua família de novo. Enquanto a mensagem sobre o preconceito é independente de idade, é lógico que a segunda metade é desnecessária para adultos. Sobre a segunda metade do episódio não há muito o que dizer também, são duas lições de moral bem diretas: roubar, fazer pessoas ficarem tristes e chorarem é ruim, e apesar de tudo seus pais são seus pais, não guarde rancor deles, é provável que tudo o que façam seja pensando em você.

Ronja continuou discutindo, e Birk ficou desapontado com ela

Ronja continuou discutindo, e Birk ficou desapontado com ela

É na ligação entre as duas metades que reside a mensagem, para mim, fundamental do episódio. E é bom que ela esteja escondida de forma que apenas adultos entendam, porque crianças são simples como Ronja, elas não precisam escutar ou assistir isso. Em alguns momentos na vida podemos nos sentir perdidos, e é nesses momentos que estamos mais suscetíveis a soluções rápidas, a tomar atalhos, a sermos seduzidos pelo canto que vem das brumas. Mas assim como Ronja não aceitou seu destino de se tornar uma ladra, como seu pai é, como seu avô foi, como seu bisavô e tataravô foram, não devemos nos deixar levar pelas escolhas fáceis. Mesmo que doa, mesmo que machuquemos alguém querido, há momentos em que precisamos dizer não. Porque se dissermos sim, pode ser que nunca mais consigamos voltar atrás. E por que crianças não precisam dessa mensagem? Porque elas ainda vivem em um ninho aconchegante, protegidas do mundo pelos pais. Somos nós, adultos, que vivemos na densa névoa da vida real, e dentro dela é muito fácil nos tornarmos cínicos como Skalle-Per se tornou e apenas aceitarmos as coisas da forma como elas sempre foram. Há algo de triste em um velho que viveu a vida roubando dos outros, que sentia prazer no sofrimento alheio, e hoje não tem mais saúde para isso e vive apenas de memórias de uma vida lamentável. Não seja como Skalle-Per.

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