[sc:review nota=4]

Sobre a maior parte desse episódio não há muito o que falar. Foi consequência direta e previsível do episódio anterior. Me refiro, claro, à partida do príncipe e seu grupo (agora com Narsus e Elam) em direção à capital. Narsus foi astuto escondendo-os em uma caverna até que seus perseguidores desistam de encontrá-los por perto, mas até aí, o episódio anterior inteiro serviu para mostrar e dizer o quanto Narsus é astuto, então, bem, novidade teria sido ele não ser astuto. Uma boa porção do episódio é usada para retratar o cerco lusitaniano à Ectabana, a capital do reino de Pars, e as primeiras horas da primeira batalha pela cidade. Vou comentar algumas coisas sobre isso, bem como sobre o Gieve, que aparece na abertura como um dos membros do grupo de Arslan então já sabemos onde isso vai parar. O episódio em geral foi morno (apesar do título “Ecbatana em chamas”, no final só tinha um foguinho num cantinho lá), mas os parsianos não perderam a oportunidade de parecer idiotas. Como o rei que tinham e que, com sorte, já deve estar morto.

Antes um parágrafo de curiosidades. Arslan Senki é um livro de Yoshiki Tanaka, adaptado para mangá por Hiromu Arakawa e então para anime, certo? Errado. Digo, isso é só parte da verdade. Primeiro, é uma série de livros com quatorze volumes no total. Segundo, já foi adaptado para anime antes, um OVA no início dos anos 1990. Terceiro, a história não é totalmente original, mas inspirada em Amir Arsalan-e Namdar, de um contador de histórias do século 19 chamado Mohammad Ali Naqib al-Mamalek, que a narrou para o então xá da Pérsia. A história seria depois transcrita pela filha do xá e ficaria imortalizada. Mas mesmo Mohammad não inventou a história totalmente, ele apenas contou a sua versão de uma lenda muito mais antiga. A partir dessa versão do século 19 foi feito um filme no Irã em 1954, e outro em 1965, dessa vez um filme musical. Como pode ver, é sucesso há muito tempo! Mas a versão japonesa é bastante diferente da persa, se passa em uma versão fictícia da Ásia Central, enquanto Mohammad contou uma história que começa em Constantinopla (Istambul) e, suponho, deva se passar quase toda na Ásia Menor, Egito, Levante e Oriente Médio de forma geral, e o Arslan de Tanaka cresceu como príncipe em um castelo enquanto o Arslan (ou Arsalan) de Mohammad era filho de uma rainha destronada e só descobriria isso depois de crescido, quando parte em sua jornada para reconquistar o reino que era seu por direito. Em comum, nas duas versões os persas são atacados por europeus (além do nome, os lusitanianos claramente vestem cruzes, a inspiração deles nos cristãos europeus é óbvia). Agora que já falei sobre a ficção original, o que ela tem de verdadeiro?

Além da Pérsia, houve um reino muito mais antigo (entre os últimos séculos antes de Cristo e os primeiros após) onde hoje é o Irã chamado Pártia (a semelhança dos nomes não deixa dúvida de que ambos fazem parte de uma mesma história, com um sucedendo ao outro ainda que indiretamente). Uma cidade chamada Ecbatana foi capital da Pártia durante parte de sua história. Curiosidade dentro da curiosidade: os gregos acreditam que Ecbatana também tenha sido capital do Império Médio, sobre o qual eu falei no meu mais recente artigo sobre Fate/Stay Night, embora aparentemente eles tenham se enganado. Pártia guerreou várias vezes contra os romanos, que eram os europeus da época, que tentaram invadir a Ásia Central e Oriente Médio diversas vezes. O problema é achar um Arslan na história da Pártia. Andrágoras há: houve um rei vassalo dos selêucidas com esse nome. Ele foi destronado justamente pelo fundador do Império Parta, Ársaces (o Império Parta também é conhecido como Império Arsácida). A famosa Rota da Seda atravessava a Pártia, e Pars de Arslan Senki também deve sua riqueza à sua posição central em uma importantíssima rota comercial. O Império Parta é, sem dúvida, um grande candidato a inspiração para o reino de Pars, mas e Arslan? Houveram vários xás e sultões com o título de Arslan ou Arsalan, mas o mais antigo deles é do século 11. Poderia ser a Pérsia da idade média então, sem Andrágoras mas com Arslan? Seria estranho, já que nessa época a Pérsia já havia sido islamizada e portanto era monoteísta, de modo que a guerra contra os lusitanianos perde um pouco do sentido, já que fica subentendido que apenas esses são monoteístas. Minha opinião? Uma lenda (possivelmente derivada de alguns fatos reais) passou de boca em boca durante séculos até que em algum momento seu herói ganhou o nome Arslan em homenagem a um nobre. Atropatene (a planície onde a grande batalha do começo do anime ocorreu) também existe e era um reino mais ou menos onde hoje fica o Azerbaijão e norte do Irã, e claro, também fez parte dos impérios Parta e Persa. Agora, prometo que falarei do episódio!

Começando pelo que acho mais importante: os parsianos são estúpidos como seu rei. Em uma cidade cheia de escravos, cercada por um enorme exército inimigo que grita por cima dos muros que irá libertar os escravos que colaborarem, eles fingem um tipo muito estúpido de superioridade e não fazem nada a respeito a não ser desdenhar desses “bárbaros”. Ora, é lógico que os escravos que ouvem a promessa de liberdade se rebelam! Narsus nem precisou assistir o episódio para prever isso, de tão óbvio que era. Tudo bem, eu sei que ele é um gênio, então teria previsto mesmo que fosse algo impensável, mas então ofereço outra: até Arslan previu isso, com apenas uma leve sugestão de Narsus. Em tempos de guerra esse tipo de promessa do inimigo é extremamente comum e uma tática importante (os EUA bombardearam o Iraque não apenas com bombas, mas também com panfletos prometendo libertar o país da tirania de Saddam). Pela mesma razão, também é extremamente comum que em tempos de guerra escravos que lutem ao lado de seus senhores sejam libertos ou pelo menos recebam a promessa de liberdade para que lutem por aqueles que os açoitam. Era o básico que os parsianos deveriam ter feito, mas preferiram zombar dos lusitanianos e dos escravos. E agora vão perder Ecbatana por causa disso. Tal rei, tal reino, já dizia eu desde hoje (aposto que existe algum adágio popular com esse significado que eu não me lembro ou não conheço). E em vista disso, preciso retornar ao Narsus: se é tão óbvio que os lusitanianos iriam apelar aos escravos e é tão óbvio que o melhor contra-ataque contra isso é fazer a mesma oferta, ou Narsus não é tão esperto assim ao não ter especulado a possibilidade da segunda obviedade ocorrer ou ele é bastante realista em relação ao seu reino e sabe que todos são provavelmente estúpidos demais para pensar nisso.

Mais alguns comentários sobre o cerco de Ecbatana: esse clérigo lusitaniano ficou muito caricato. Pessoas más e vis podem chegar ao sacerdócio, e chegaram várias vezes, mas elas costumam pelo menos se comportar com um pouco de decoro, e não ficar rindo alucinadas como vilões de filmes de Hollywood, entre outras coisas inacreditáveis que aquele velho fez. Eu sei que a intenção é pintar o fanatismo religioso como algo muito ruim e feio, mas dessa forma pateta eu acho que menos gente presta atenção e leva a sério. Quero dizer, você já viu um desses clérigos assassinos de grupos terroristas rir dessa forma nos vídeos que fazem dando ordens e emitindo sentenças de morte? Nada disso, são sempre bastante solenes. A função pede uma gravidade que não se enxerga nesse clérigo lusitaniano que apareceu no episódio, de forma que não é possível relacioná-lo com nenhum clérigo do mundo real e dar mais substância à crítica. Longe de ser maligno porque fanático religioso, ficou parecendo que ele é apenas uma pessoa má que por acaso é fanática religiosa. Assim, você vê, os dois lados parecem bastante patetas, mas sabemos que os lusitanianos vão ganhar, pelo menos no curto prazo, então eles estão em “vantagem”, suponho.

Ah, e teve o Gieve. Não tenho muito o que falar sobre ele, só o óbvio: não inspira confiança. Irá causar problemas para Arslan ou será corrigido pelo príncipe, conquistado por sua aura de liderança ou coisa assim. E bom, as duas coisas não são excludentes, pode muito bem ocorrer ambas. Só me sinto na obrigação de comentar o quanto foi idiota terem ficado tão espantados pela flechada dele. Tivessem se impressionado por ele ter acertado com uma flecha só, vá lá, é mesmo um feito e tanto. Mas ficaram espantados por ele ter conseguido lançar a flecha tão longe, em primeiro lugar. Ora, as flechas do alto do muro já estavam chegando a poucos metros do local, considerando que ele estava muitos metros acima dos outros arqueiros é apenas natural que ele tenha acertado: quanto mais alta a base, mais longe vai a flecha. E ninguém especulou também sobre a hipótese dele simplesmente ter um arco melhor (não parece ser o caso). No geral, Arslan Senki vem sendo divertido mas não empolga, não cativa.

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