Dentre toda a nebulosa jornada que nos aprisiona em pensamentos e emoções das mais controversas, aqui estamos para correr pelo desespero, estamos e sempre estaremos atrasados.

 

 

No auge da realidade, nada mais natural do que imergir em fantasia, e o ápice dos contos de fadas, nada mais fez do que refletir as rupturas a ele oferecidas pela cultura em ebulição. Não sejamos ingênuos, da revolução luminosa de nossa ocidentalidade, ou mesmo humanidade, surgiu o imperialismo e as posteriores guerras definidoras da desenfreada ganância pelo poder que marcaram o século passado.

Mas voltemos ao lúdico fantástico, ao prenúncio da criatividade disruptiva que nascia corrompida pela loucura e tortuosidade de seu tempo acelerado. Estamos atrasados.

 

 

O OVA que lhes trago em resenha é apenas uma experimentação de pouco elogio, ou mesmo de muitas e variadas críticas e decepções. Lançado em 2015, ele reflete apenas o aprendizado de uma tentativa, de um esforço sistemático para sorver o raso e apresentar o efêmero.

Alice nos país das maravilhas é um clássico psicodélico na cisão revolucionária da razão. O século das luzes, o progresso indomável, seu lançamento é reflexo e estigma de uma época e uma cultura, e adivinhem, estamos em cenário semelhantemente arenoso novamente.

As novas luzes dos anos 2000 cruzam a ponte em direção a novos horizontes e velhos abismos, é um caminho inevitável, sabemos que iremos cair, é a sina de nosso destino.

 

 

Divago por essas palavras para anunciar que cruzamos as maravilhas e estamos agora no mundo dos sonhos. Alice, a protagonista, ainda está em delírio, entre a vida e a morte, no reino do inimaginável que se realiza.

Fotografia é a nova arte, a imagem que capta o cru e o seco das cores, a colagem de criatividade suspensa que organiza os sistemas para usufruir dos resultados. A animação em questão, que de animação quase inexiste, é plenamente amadora em todos os sentidos, e absolutamente respeitável em seguir sua própria ambição de resultado, um esmerado e conflituoso mundo artificial onde o Escuridão habita.

Seus amigos, companheiros de jornada, são planos pouco articulados determinados por um mundo de completo vazio. Aos saltos do tempo, a infância que navega pela esperança, se vê tragada pelo vão heroísmo que não salva ninguém, um ciclo de penitência que penetra pela carne ingênua de uma boneca sem expressão.

 

 

De Lewis Carroll a um herdeiro sem nome, estamos no aprendizado de um esquecimento. Como julgar algo tão desprovido de amplitude. Estou apenas fluindo pela estética estática de uma rica imagem que lentamente ganha depreciamento.

Qual a história se não a aventura por um mundo impossível e sem lastro de empatia, estou asfixiado pela simplicidade da premissa, seguir o destino. O chamado do tempo, dos olhos vidráceos que exigem salvação, mas que deslizam pelo limbo. O encontro com o hábito, o chá amigo e os demais coadjuvantes. Quem eles são pouco importam.

Seja o cavaleiro seduzido pela carnificina de sua lâmina, ou o leão, o outro coelho, os gêmeos, as rainhas, um amontoado de nuances pouco relevantes e insubstituíveis que movem o desfecho.

 

 

O Dragão, oponente que representa a decadência, o controle e o ego, se destaca pela fragilidade, poder que consome a si mesmo, mas que renasce sem conseguir ter paz. Sua sombra sempre será alimentada pela roda da luz, pela maturidade de um mundo que enlouquece.

Se ambiciona sorver reflexão, observe os olhos, detenha a atenção nos olhos. A morte, eles representam a morte, olhos de cadáveres que se reviram em seus túmulos. A vida é o seu caixão, o tempo que nunca espera, a sua lápide. As cores pulsantes e intensas, ou a textura inerte e asséptica, ornamentam como flores o sepultamento da realidade.

Essa é a história de um funeral.

 

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