Faz muito tempo que o estrondo é algo comentado e esperado, pois de fato era apenas uma questão de tempo até que acontecesse. E enfim, aconteceu.

Bom, antes de começar gostaria de focar em questões mais gerais vistas nesse episódio. Nele vimos a história de Ymir Fritz, a primeira a usar dos poderes dos titãs.

E que mesmo após tomar um poder que a tornava capaz de a todos subjugar, ainda assim ela foi quem continuou subjugada. Destaco as revelações acerca de como ela adquiriu esse poder e como ele foi passado adiante.

Para alguns pode parecer estranho a forma daquela “coisa” que deu a ela os poderes de titãs, mas a ideia aqui é ser justamente algo estranho e desconexo com a realidade do nosso mundo físico e natural, ao mesmo tempo que se assemelha com alguma forma de vida primitiva.

Porém, deve ser destacado que acima de tudo essa história tem um caráter mitológico. É antes uma história de um mito fundador do que um relato histórico e factual, embora os seja também.

Porque o anime foca no caráter factual desses acontecimentos, ainda mais ao substituir a visão idealizada da Christa, que estava lendo o que parecia ser um conto de fadas, por uma história sombria e trágica.

Mas a confusão aqui está na idealização daquilo que seria a Ymir e em suas ações e não naquilo que seria a natureza de sua história. Já que essas histórias nos passam exemplos, nos mostrando personagens virtuosos capazes de nos inspirar e os quais devemos imitar.

E em contraponto nos mostram personagens desvirtuados que por sua vez devemos buscar a dissemelhança. Por que falo disso tudo? Pois o ponto está na questão moral, na questão do exemplo moral.

O anime pegou essa visão idealizada da Ymir e contestou a sua autoridade moral. Ao ponto de até me lembrar da distinção feita pelo filósofo alemão Friedrich Nietzsche (1844-1900) sobre a moral dos fracos e a moral dos fortes.

Basicamente, os fortes são aqueles que, se necessário for, contrariam as visões pré-estabelecidas de moral, que por sua vez são impostas sobre eles. Enquanto os fracos são aqueles que aceitam as visões morais pré-estabelecidas sem questiona-las e se adequam a elas.

Por coincidência a moral dos fracos é também chamada de moral dos escravos, enquanto a dos fortes de moral dos senhores. É como se aquele que aceita a moral que lhe é imposta estivesse se aprisionando na mesma.

Enquanto aquele que é capaz de questionar e de pensar por si mesmo estivesse criando a sua própria moral, enquanto se coloca como senhor de seus próprios atos e valores.

E como aqueles que seguem os valores alheios deixam de viver da forma como gostariam de viver, pois vivem segundo as vontades dos outros, podemos dizer que a moral dos fracos seria uma negação da própria vida.

Podemos colocar aqui claramente o Eren como um representante da moral dos fortes, enquanto a Ymir como representante da moral dos fracos.

Contudo, há um ponto muito problemático nisso tudo, que é sobre a própria pessoa da Ymir. No final do anime vemos uma cena de libertação da personagem, onde pela primeira vez ela demonstra alguma expressão.

Que é o mesmo que dizer que pela primeira vez ela foi ela mesma, que pela primeira vez ela viu o mundo com os seus próprios olhos. E o problema é que não fica claro, uma vez liberta, qual seria as suas intenções. E mesmo que existisse alguma, não ficaria claro como essa intenção chegou até ela.

O problema é que a própria construção da Ymir enquanto personagem exigiu que ela fosse essa “página em branco” sem desejos ou intenções. Sua personalidade era nula, justamente o que a permitia ser influenciada por qualquer um e assim representar tão bem a ideia da abdicação da própria vida.

Mas, uma vez que ela desperta para suas próprias vontades, uma vez que ela nunca as teve, não faz sentido ela passar a ter alguma de uma hora para outra. O que quero dizer é que na prática ela continua sendo escrava, no sentido que apresentei anteriormente, só que agora do Eren.

É a vontade do Eren que está sendo colocada em prática. E qual é ela? Bem, o próprio Eren deixou ela muito clara. A sua intenção é assassinar todas as pessoas que estão além da ilha de Paradis. É importante colocar dessa forma, pois isso é o que se trata na prática. Mas eu poderia usar uma palavra que descreve isso mais corretamente: genocídio.

Sendo sincero, eu não lembro de nenhum vilão de anime que chegue perto de realizar algo tão repugnante quanto o que o Eren pretende fazer. E acho necessário deixar claro como isso já não é mais uma retaliação de guerra.

Ele não vai colocar medo ou eliminar os exércitos apenas, mesmo sendo capaz de fazer apenas isso. Não, mesmo sabendo que apenas isso bastaria, ainda assim ele irá continuar. Não há o que defender ou questionar aqui.

E um dos grandes problemas dessa questão, que eu gostaria de apontar nesse episódio, está justamente nessa dicotomia moral defeituosa que o anime emprega. Onde de um lado nós temos pessoas que negam a vida e a própria liberdade em prol da vida e da liberdade, como o Zeke ao defender a ideia de eugenia.

E por outro lado o Eren, alguém que afirma com unhas e dentes o valor da vida e da liberdade e que está disposto a fazer de tudo para defender esses valores. Inclusive ao negar o próprio valor da vida e da liberdade. Entendem o problema? No final são duas visões de mundo que negam justamente aquilo que dizem defender.

Eu vi algumas críticas, ainda na época de publicação do mangá, que ao meu ver eram muito injustas com essa parte final da obra. Pois, na realidade, o anime tem tudo para trabalhar corretamente o seu tema. Na verdade, eu diria que já está fazendo isso faz tempo.

Não é de agora que o anime coloca o Eren como um vilão, a primeira parte dessa temporada já fez isso. Agora o anime apenas oficializou, pois ele é sem dúvidas o grande vilão do anime.

A grande questão é se isso será bem aproveitado e bem direcionado nos próximos episódios. Bem, aquilo que é dos próximos episódios que fique para os próximos episódios. Até mais.

  1. É incrível como esse anime toca em contradições tão evidentes mas que as vezes passam despercebidas. Ler você falando sobre Eren e Zeke me fez lembrar de quando Armin abriu mão de sua humanidade para salvar Eren.

    Acredito que Shingeki no Kyojin ainda vai nos gerar reflexões mesmo após muitos anos do final da obra.

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