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Ou melhor, quem é o “mais culpado”? O detetive Tatsumi ou o jovem Shimada? Com o jogo e o episódio interrompidos até a semana que vem logo após a revelação bombástica de que ambos são assassinos, mentes viajam em toda sorte de teorias internet afora. E isso é algo divertido de se fazer. Não é à toa que na Era de Ouro das Histórias de Detetives os livros que contavam tais histórias eram considerados jogos. Houve até quem compilasse regras sobre como escrever essas histórias. Contudo, por divertido que seja especular sobre quem matou quem e qual a história dos jogadores, eu não vou fazer isso.

É natural que especulemos durante os episódios e eventualmente até depois deles sobre coisas que não ficaram suficientemente esclarecidas durante os jogos. Como eu disse, isso é divertido, afinal. Mas lembre-se que os jogos em si são apenas ferramentas para um enredo que não é sobre os jogadores, mas sobre os juízes. Nesse sentido, as histórias de vida dos jogadores são completamente irrelevantes. Esse episódio que não encerrou o julgamento de uma vez só, como foi o caso em todos as demais vezes, exacerbou a curiosidade e desviou a atenção de todo mundo para a história secundária. Vejo até mesmo comentários de pessoas usando as reações dos protagonistas para tentar desvendar a verdade sobre esses coadjuvantes, mas como se os coadjuvantes é que fossem protagonistas! Só posso crer que a equipe produtora tenha feito isso de propósito.

De volta ao básico, e retomando tudo o que Death Parade apresentou até agora. A história é sobre juízes do além que julgam as almas humanas mortas. Esses julgamentos são inerentemente injustos, por uma série de razões. São julgamentos sumários sem que as partes interessadas sequer saibam que estão em um julgamento. Elas não têm advogados e são forçadas a se submeter à situações de forte tensão psicológica enquanto recuperam suas memórias (removidas delas antes do julgamento). E seus juízes são bonecos com acesso apenas a uma fração de suas memórias, selecionadas em um processo admitidamente apressado e ruim. Ao invés de julgar as pessoas, os bonecos juízes julgam a capacidade dessas pessoas em manter a compostura nesse tipo de situação adversa. Talvez não seja por acaso que todas as almas condenadas no anime até agora tenham sido mulheres (eu sei que estou forçando um pouco aqui, ignorando o Death Billiards, ignorando que não sei se o idol do episódio 6 foi condenado, e ignorando que apenas duas pessoas foram condenadas até agora, mas não estou apresentando isso como evidência, apenas como hipótese). Mais do que isso, pela metafísica do anime todas as almas estão condenadas a um dia irem para o vazio. Ressuscita-se tantas vezes quantas conseguir ser absolvido no julgamento, até que numa encarnação fatídica se é condenado. E a alma ir para o vazio, como já apontei noutros artigos, vai contra o próprio budismo no qual Death Parade aparentemente se sustenta: nesse, é quando a alma atinge a perfeição, o mais alto estágio de evolução, que ela entra em um estado de vazio, se fundindo com toda a existência e abandonando o ciclo de reencarnações que é considerado um sofrimento. Mas no anime ir para o vazio é uma punição, e é até onde se pode entender definitivo – se abandona o ciclo de reencarnações ao ser condenado eternamente. Assim, não apenas os julgamentos são injustos por natureza, como o resultado de sua injustiça é potencialmente desastroso.

Claramente é um anime não sobre os julgados, mas sobre os julgadores. O espectador no entanto é levado a julgar os jogadores, e não está em posição privilegiada para isso: sabemos ainda menos do que os juízes sobre os jogadores julgados. Ao longo de um jogo julgamento conhecemos os jogadores, aprendemos um pouco sobre suas personalidades, e descobrimos fragmentos de suas memórias que indicam quem eles eram e o que faziam e fizeram enquanto vivos. Tudo o que é informação necessária para os juízes. A forma como os conhecemos aos poucos nos força, ainda que involuntariamente, a julgá-los nas mesmas condições injustas que os juízes farão a seguir. O enredo trata de garantir que daremos nosso veredicto antes de sabermos o dos juízes. No mais das vezes, instantes antes. Assim, é fatal que comparemos o nosso julgamento ao julgamento dos juízes. E indiretamente, ao fazer isso, estamos julgando os juízes. Filosoficamente, é sobre isso que o anime se trata.

Há outro aspecto que eu apontei já no primeiro episódio: o próprio espectador está em julgamento também. Você concordou ou discordou do juiz? Por quê? Lembre-se que o espectador tem tanta ou menos informação para julgar que o juiz. Com base em quê considera o seu veredicto melhor, caso tenha discordado em algum dos casos? Há sim uma diferença que a Nona intui ser importante e é o que a motiva: o espectador é humano. Talvez o seu julgamento seja uma porcaria, talvez você não tenha pensado nada, mas o anime é feito para te fazer acreditar que ser humano é melhor do que ser apenas um boneco, portanto você deve estar mais certo. Mas coloque a mão na consciência: o que te faz ter certeza disso?

Por fim, alguns comentários sobre o andamento da série no geral. Esse julgamento irá acabar no próximo episódio, o nono. Aposto que tomará todo o episódio, embora nada impeça que acabe antes. Se acabar antes, contudo, acredito que o restante seja curto e apenas um desfecho com as consequências do próprio julgamento. Com doze episódios programados espero para o próximo episódio uma grande mudança em um dos protagonistas, provavelmente a Mulher de Cabelo Negro, ou talvez nela e no Decim também. Algo ainda maior pode acontecer envolvendo até mesmo o Oculus (será que ele ficaria feliz sabendo que uma humana recebeu as memórias de uma alma em julgamento?). Há muitas pontas soltas e o anime precisa começar a amarrá-las, e acredito que começará a fazer isso pela Mulher de Cabelo Preto, que já recuperou parte das próprias memórias no episódio anterior. Os últimos três episódios devem ser um conturbado arco final, ou talvez haja mais um julgamento sob um clima tenso nos bastidores dos julgamentos. Nem Tatsumi nem Shimada, no próximo episódio fique de olho é na Mulher de Cabelo Preto.

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