[sc:review nota=4]

Tematicamente, o episódio anterior foi o final. Esse episódio 24 foi um epílogo, corroborou as conclusões do episódio anterior e ofereceu um vislumbre da vida do Shinichi após os eventos da invasão parasita. Serviu também como um episódio leve, que amacia e acalma os corações dos expectadores que acompanharam uma história até aqui brutal. Não deixou de ter um último evento de ação, mas o clima de calmaria e história já encerrada era tão evidente que em nenhum momento eu senti que havia qualquer risco para a Satomi e muito menos para o Shinichi. E olha que em todos esses episódios ela nunca havia chegado tão perto da morte. Antes do episódio anterior, portanto antes da história acabar, eu teria temido pela vida dela. Mas nesse episódio isso foi impossível. O que é realmente novo nesse episódio é a consideração sobre a solidão humana, que eu achei muito interessante (até porque vivo pensando nisso e concordo com o ponto de vista expresso em Kiseijuu) e a essa altura acho que não esperava mais nenhum novo tema. Mas teve, foi um bom tema e casou-se perfeitamente com a história.

A maior parte do episódio é dedicada a monólogos mentais do Shinichi, tal é o clima de anime já encerrado. Ele repisa as questões ecológicas colocadas no episódio anterior e as ratifica com até mais veemência do que antes, para não deixar dúvidas. O ser humano é apenas uma das bilhões de formas de vida no planeta, é arrogância considerar-se superior tanto para o bem quanto para o mal. Não estamos acima, ao lado ou fora da natureza. Não a preservamos porque ela está sob nossa tutela, e ao mesmo tempo não podemos destruí-la impunes porque fazemos parte dela. É hipocrisia dizer-mo-nos defensores da natureza como se ela precisasse de quem a defenda, mas mesmo assim precisamos defendê-la, não por ela, mas por nós mesmos: precisamos dela para viver.

Depois os monólogos sobre a natureza cessaram e deram lugar aos monólogos sobre o ser e o conviver. Você vê, também é arrogante acharmos que podemos compreender o que outras espécies sentem, por mais simples que possam parecer. E não é assim por falta de compreensão, de estudo ou de inteligência, é assim por um motivo muito mais filosófico: elas não são nós. Da mesma forma, não sabemos como verdadeiramente se sentem outras pessoas, não importa quão próximas de nós elas sejam e estejam e quanto as conheçamos. O que se passa na mente de cada um é único e existe em um só lugar, em um só momento, e apenas a própria pessoa pode ver. Ainda que eu te conte tudo sobre mim, eu estarei traduzindo meus sentimentos em palavras, que você irá interpretar de acordo com as suas experiências, não as minhas, de forma que a imagem de mim que você terá será muito diferente da imagem que eu próprio tenho de mim e que tentei transmitir. Como somos uma espécie social, ansiamos pela proximidade, pelo contato, pela compreensão, mas estamos condenados à eterna solidão de nossas consciências.

E os fatos desse último episódio trataram justamente disso: como nos unimos para tentar vencer essa solidão invencível. Voltando um pouco, tematicamente o Migi, como extensão e projeção do próprio Shinichi, não era mais necessário desde o episódio passado dado que o protagonista já havia completado sua jornada de crescimento individual. Ele só não pôde ir embora porque, imagino, um Shinichi maneta seria um final esquisito e mais difícil de amarrar. Pois bem, a primeira coisa que ele faz nesse episódio é partir. Não porque o Shinichi perca mais uma vez o braço, mas porque o Migi agora quer seguir outro caminho, e para isso precisa adormecer profundamente e não sabe quando ou sequer se irá despertar de novo um dia. O braço do Shinichi voltou a ser apenas um braço. O Shinichi não entendeu isso. Ele viveu todo esse tempo literalmente grudado ao Migi e não conseguiu entendê-lo até o fim. E o Migi também não tinha esperança que o Shinichi entendesse, mas mesmo assim ele precisou se despedir. Nós humanos, de todas as culturas, temos rituais específicos para nos despedirmos de outros de nós de acordo com as mais variadas circunstâncias de separação, e nos despedimos não porque queiramos nos separar, mas justamente porque queremos continuar juntos. Migi não quer se afastar de Shinichi, mas ele tem que fazer isso, então ele se despede.

Essa é a única separação forte do episódio, mas isso não significa que os demais personagens não tenham seus próprios problemas de distância de outras pessoas. Para começar leve, tem as amigas da Satomi. A menorzinha reclama que um garoto a está supostamente perseguindo, e depois quando as duas partem para uma exposição ela protesta de novo como se não quisesse estar ali, porém é lógico que quer. Talvez não queira mesmo ir à exposição, mas ela certamente quer a companhia da amiga. E quando as duas partem elas se despedem de Satomi e Shinichi para que eles possam ficar mais juntos. Estar perto e estar longe é tema do episódio o tempo inteiro. Há uma cena importante logo após elas partirem, que é quando Satomi percebe a nova cicatriz na testa do Shinichi e se sente triste por não saber o que aconteceu. Ao contrário da maior parte do anime, contudo, parece que ela evoluiu um pouco e agora pôde ignorar isso. Ela sabe que nunca saberá tudo sobre o Shinichi, sempre haverá uma distância insuperável entre eles, mas ela também sabe que o que ele sente por ela é verdadeiro, e o que ela sente por ele também, e por isso ela está disposta a tolerar essa distância.

Após mais algumas cenas amenas do Shinichi junto com a Satomi, o assassino Uragami reaparece. Ele captura Satomi e a leva ao topo de um edifício, ameaçando matá-la. Ele é um asssassino profissional e um psicopata de sangue frio, uma faca dele no pescoço da Satomi é um perigo de vida maior do que tudo o que ela já passou nesse anime. Mesmo assim, como já disse, em momento algum senti que ela estivesse em risco de verdade. Como não poderia deixar de ser, o que ele quer também é se sentir mais próximo de outro ser humano, no caso o Shinichi. Ele é um psicopata, acha que está certo e desdenha de todas as demais pessoas por acharem que ele está errado, mas ele espera que o Shinichi, que ele reconheceu como meio monstro, seja capaz de dar a ele a resposta que quer ouvir: que ele está certo. Ele fala algumas coisas sobre humanos e monstros, mas a essa altura isso já não é mais importante, serve só de deixa para a Satomi mostrar a sua evolução como personagem: ela protesta contra a conclusão do assassino, mas o importante não é ela discordar dele, é ela, sob grave ameaça contra sua vida, superar o medo e falar. E ela falou que sempre se sentiu atrás – distante – do Shinichi, mas agora não mais. De fato, agora ela correu tanto em direção a ele que está se sentindo à frente dele. Pois é, é realmente impossível estar no mesmo lugar.

Após isso Shinichi derruba o Uragami, mas o assassino jogou a Satomi prédio abaixo, e Shinichi bem que tentou mas não conseguiu alcançá-la. Que bom então que ele ainda tem o Migi, não é? Shinichi não esperava, já estava desesperado e dava a namorada por morta, mas enquanto ele chorava Migi havia salvado Satomi. Shinichi a puxa de volta para a laje, onde eles terminam o episódio abraçados. Juntos, porém separados. E eu já estou aqui triste por estar me despedindo de Kiseijuu, de Shinichi, Migi, e até da Satomi que se transformou em uma pessoa melhor bem no final. Adiciono eles à Tamura principalmente, mas também à Kana e à mãe do Shinichi, de quem já havia precisado me despedir antes por razões mais violentas. Shinichi cresceu, e sua nova mudança de aparência marca o fim de sua jornada. Dessa jornada, pelo menos.

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