Haruchika – ep 2 – A Esfinge da Juventude
Antes de falar do que importa, que tal eu implicar um pouco com o anime só para ser chato? Boa ideia? Boa ideia! Pode ter sido erro de tradução, já que em sinopses e outros lugares sempre vi eles se referirem ao clube como sendo um clube de sopro, mas no panfleto distribuído nesse episódio eles se referiam a si mesmos como clube de metais. Instrumentos de metal são um subgrupo dos instrumentos de sopro, e são aqueles que produzem som com a vibração do lábio do instrumentista (o instrumentista não sopra, ou não apenas sopra melhor dizendo, ele fica fazendo “brrr” com os lábios). Na formação da banda antes da entrada da Chika eles possuíam a Kae, uma das gêmeas, que toca clarineta, um instrumento de sopro de madeira. Os sopros de madeira não são sopros de metal, por óbvio, então de saída eles já não eram um clube de metais. A diferença entre sopros de madeira e de metal não é o material do qual é feito o instrumento, mas a forma como o som é produzido – nos de madeira sim o instrumentista “apenas” sopra, e o ar vibra passando por palhetas ou arestas (como apitos). Existem instrumentos de sopro de madeira feitos de metal – e o exemplo ululante de Haruchika é a flauta da protagonista. Para completar, com a entrada da Narushima na banda ao fim do episódio, o “clube de metais” ganhou um oboé. Sim, outra madeira.
Mas eu só estou sendo chato, como anunciei, e pode muito bem ter sido erro da tradução. Mesmo se não for não tem importância, não atrapalha em nada, até porque o anime não se propõe a ser didático sobre música – quem está se propondo a isso sou eu, que não tenho nada melhor pra fazer da vida. Agora por favor continue lendo meu artigo porque vou começar a falar das coisas que importam.
Eu já tenho mais de 30 anos e sempre que me lembro dos meus problemas durante a adolescência penso no quanto eles eram simples ou no quanto eu exagerava demais sua relevância. Não falo isso de forma pejorativa, acho que isso é uma das coisas que torna a juventude interessante: sabemos pouca coisa, somos imaturos e inseguros, tudo é novidade. Queremos crescer logo e ser donos de nossas vidas (como se crescer fosse suficiente para ser independente e “adulto”, e como se a independência sozinha resolvesse algum problema). Não vou dizer que esse seja exatamente o caso de Narushima nesse episódio – perder um membro tão próximo e querido da família assim não é fácil não importa quantos anos você tenha. O problema dela não era pequeno ou fácil de qualquer ângulo que se analise. Mas por isso ela deveria abandonar tudo o que ela tinha? Ela não tinha mais o direito de ser feliz, de continuar com a própria vida? É uma dor muito grande, uma cicatriz que ela irá carregar por toda a vida, mas ela precisa ter uma vida para nela carregar uma cicatriz em primeiro lugar.
Decifra-me ou te devoro, era o que a esfinge dizia aos viajantes antes de propôr-lhes um enigma. Se errassem a resposta eram literalmente devorados. Narushima tem seu próprio enigma para resolver, proposto por seu irmão, e ele a está devorando. Já se passou um ano da morte do irmão mais novo e ela continua perdendo sua vida para o cubo mágico com todas suas faces pintadas de branco. Uma punição, acredita Narushima. Um ato de amor, procura acreditar o otimista Haruka. Eu acho que ou o garoto superestimava demais a capacidade de resolver quebra-cabeças da irmã ou foi mesmo um ato maligno, porque era óbvio pelas circunstâncias que a vida da garota ficaria suspensa no tempo até que ela conseguisse resolver aquele cubo – mesmo se ele não tivesse morrido na ausência dela, sozinho no hospital. Mas isso não importa porque o anime trata dos problemas dos vivos, não da intenção dos mortos.
Haruchika está se desenhando como um anime juvenil sobre problemas juvenis, mas o autor, por escolha poética ou por não se considerar capaz de retratar esses problemas de forma realista, os está representando como uma coleção de enigmas e mistérios. No fundo é só a história de um grupo de adolescentes crescendo, passando por problemas (no mais das vezes tipicamente adolescentes) e tentando fazer alguma coisa juntos – o clube de música. Representar isso através de enigmas é muito interessante pois expõe o quanto esses problemas costumam ser exagerados ou mal compreendidos – um quebra-cabeça sempre parece fácil demais depois que você aprende a resolvê-lo. No primeiro episódio eu havia achado isso meio idiota, porque o Haruka fez uma declaração de amor (algo que é mesmo muito difícil nas circunstâncias dele) através de um enigma, só que ele mesmo resolveu o enigma. Nesse segundo episódio acredito que começo a compreender melhor a natureza de Haruchika. Como qualquer história adolescente, eu o assisto com nostalgia. E imagino que adolescentes que entendam do que ele se trata possam tirar uma ou duas lições, ou pelo menos se divertir.