Girlish Number – Chitose só queria ser popular
Bom dia!
Girlish Number é um anime sobre produção de animes. Mais especificamente, a produção de animes do ponto de vista da dublagem. Mais especificamente ainda, é a história de uma dubladora novata, Chitose Karasuma, que quer ser popular e acredita que já tem tudo o que é necessário: talento, beleza e simpatia.
Diferente de Shirobako, que conta a história da produção de um anime do ponto de vista da direção em um estúdio de animação no qual (quase) todos são esforçados e estão dedicados para o sucesso do projeto, preocupados com cada detalhe que lhes vêm à mente, Girlish Number conta a história de uma produção desastrosa, conduzida por irresponsáveis, e com uma protagonista mimada que vai precisar cair na real se quiser mesmo ser alguém nessa indústria.
Chitose é uma dubladora que desde que estreou nunca teve um papel decente. Recebe apenas trabalhos para dublar personagens sem nome ou que aparecem em poucos episódios e têm poucas falas. Não é tão incomum para um mercado competitivo como a dublagem então ela acha que não tem culpa de nada.
Mas tem. Tem muita culpa. Tem máxima culpa. Chitose é preguiçosa, desbocada, desagradável mesmo às vezes, e bully de vez em quando para coroar. É bonita e tem uma personalidade forte, e absolutamente não faz nada disso por mal, mas é o tipo de pessoa que ninguém iria querer ter por perto.
Some-se a isso o fato dela ser uma dubladora ruim. Ela não se dedica à profissão, não estuda a respeito, a última vez que ela estudou foi provavelmente no treinamento da própria agência em que ela trabalha, no começo. Seu irmão, Gojou Karasuma, é seu seu agente e um ex-dublador na mesma agência, e isso não ajuda Chitose em nada, à despeito do bom trabalho que ele faz.
Quando finalmente recebe um trabalho como protagonista em um novo anime, Chitose sequer se dá ao trabalho de ler o material original (uma light novel).
Mas tudo bem, pode-se dizer que ela, desse jeito mesmo, exatamente por ser assim, é a alma dessa produção.
Uma produção condenada ao fracasso desde o começo. O produtor, Kuzu (que muito apropriadamente significa “lixo” em japonês), só queria tentar arrancar um dinheiro fácil dos financiadores e tentar usar rostinhos bonitos para vender o anime.
Chitose não foi escolhida por sua competência ou experiência, até porque ela não tem nem uma coisa nem outra. Foi escolhida por ser uma novata bonitinha. Uma profissional barata e que estaria bastante disponível para eventos de promoção do anime.
De um elenco de cinco dubladoras, apenas duas eram famosas e experientes: Kazuha Shibasaki e Momoka Sonou. Claramente estavam lá para atrair atenção para o projeto, ainda que não pudessem estar disponíveis para todos os eventos promocionais.
Kuzu esperava que o anime fizesse sucesso por si só, ou que pelo menos não desse prejuízo, e negligenciou todas as demandas que ele, como produtor, deveria ter atendido. O resultado foi a frustração do autor do material original, vários profissionais importantes abandonando a obra durante a produção, a exaustão do diretor e animadores, e, claro, a péssima qualidade do produto final. E ainda tinha uma segunda temporada contratada.
A light novel que foi adaptada no anime não foi escolhida por razões, digamos, artísticas. Era uma light novel com harém, e, segundo Kuzu, essa era a moda, então ia dar certo.
Mas não tinha como dar certo se o autor original, Kokakura, era desrespeitado em coisas básicas como character design, o que levou a retrabalho, aumento de custos, perda de tempo e queda da qualidade do produto final.
É curioso que o Diomedea, estúdio que à época de Girlish Number (2016) era famoso por produzir adaptações ruins de light novels genéricas, tenha feito Girlish Number, um anime que conta a história da produção de uma adaptação ruim para anime de uma light novel genérica.
Terá sido um mea culpa do estúdio? É difícil dizer. O pico da produção de animes inspirados em light novels do Diomedea foi em 2015, um ano antes de Girlish Number, quando dos 5 animes do estúdio naquele ano, 3 foram adaptações de light novels, 2 delas na mesma temporada, ou seja, produzidas ao mesmo tempo e competindo por recursos escassos.
De Girlish Number até hoje, porém, o Diomedea só produziu mais um anime adaptado de light novel: Beatless. Ou é tudo coincidência ou alguma coisa aconteceu mesmo, antes do anime ou depois, talvez por causa do anime.
Mas não escrevi essa resenha para especular sobre o mundo real. De volta à Girlish Number.
O final da primeira temporada do anime foi melancólico. Chitose compareceu a uma festa de encerramento de produção de anime de outra obra no mesmo dia em que seria a de seu anime e pôde notar a diferença gritante. A outra estava cheia, com pessoas felizes e muita comemoração. A dela mais parecia um enterro.
E só não era enterro porque ainda tinha a segunda temporada a caminho. Disseram a ela que aquilo ainda era muito, que em casos como aquele não seria estranho se sequer houvesse uma festa de encerramento.
Não havia sido a primeira aula de “mundo real” da Chitose, porém. Ela foi dura e cruelmente criticada por expectadores em uma transmissão online de material extra com as dubladoras do anime. Gojou chegou em casa e encontrou a irmã em prantos, com o coração partido, sem saber como lidar com o fracasso.
Mas no mundo real você pode chorar o quanto quiser, para quem quiser, que isso não irá resolver nada. Chitose ainda tinha um longo caminho pela frente. Após o término da primeira temporada, enquanto Chitose bombava em todas as audições que participava, ao mesmo tempo em que sempre dava um jeito de se convencer que a culpa não era dela, suas colegas novatas Yae Kugayama e Koto Katakura continuaram recebendo propostas de novos papéis e trabalhando,
Para Koto, inclusive, isso foi muito importante, porque ela só era “novata” por nunca ter tido um papel importante, não por idade. Ela é mais velha, se tornou dubladora ao mesmo tempo que Gojou, e estava cogitando desistir a essa altura.
Algo que fica claro ao longo de Girlish Number é como mesmo em uma produção ruim há aqueles que se dedicaram, que se esforçaram até o fim para que aquilo ficasse pronto. Sim, ficou pronto e é péssimo, mas ficou pronto, foi o melhor que conseguiram fazer.
Não é como se eu culpasse cada profissional envolvido na produção de animes ruins, as culpas costumam ser sempre de poucas pessoas, e pessoas chave, mas eu nunca tinha racionalizado isso. Há esforço e dedicação mesmo por trás de um anime horrível.
Na metade final de Girlish Number alguns dramas pessoais de personagens secundários são tratados. O destaque fica para as dubladoras Kazuha e Momoka, ambas com problemas com a família. O problema de uma é totalmente o inverso do problema da outra, porém, e isso ajudou ambas e enxergarem sua própria circunstância em uma perspectiva diferente.
O foco eventualmente retornaria para Chitose, como tinha de ser. A produção da segunda temporada estava apenas ligeiramente melhor que a da primeira, e em grande parte porque Kuzu entrou em uma crise depressiva e não estava mais comparecendo a obrigação nenhuma, deixando tudo nos ombros de seu assistente, o muito mais competente Towada. Chitose, porém, não tinha mudado nada, não tinha aprendido nada.
É verdade que um ou outro papel ela pode não ter conseguido porque a audição era um jogo de cartas marcadas. Também é dolorosamente verdadeiro, como o anime não cansa de nos mostrar, que a própria indústria se auto-sabota e muita coisa termina com um padrão de qualidade baixo por causa disso. Mas ela também é parte desse problema, e só no final do anime, encurralada, é que ela entende isso e consegue superar seus defeitos.
Ela continua tendo uma personalidade complicada, isso é quem ela é, mas pelo menos aprendeu que sem esforço ela pode perder tudo tão fácil quanto ganhou. Ela ter sido escolhida para um papel de destaque foi pura sorte e acaso, e não mérito, e nesse pedestal, longe de se tornar instantaneamente admirada, suas deficiências ficaram expostas e sua própria carreira ficou em risco.
A sorte é uma faca de dois gumes. Chitose precisou de sorte para chegar onde chegou, mas uma vez lá, precisou aprender a se esforçar e se dedicar de verdade, para que sua primeira chance não fosse também a última.
Maçã
nossa parece bom, vou assistir
Fábio "Mexicano" Godoy
Olá Maçã, tudo certinho?
Eu gostei bastante! E você, já assistiu?
Obrigado pela visita e pelo comentário 😃