O que o futuro nos proporcionará? Essa á uma pergunta equivocada. Talvez o que devemos perguntar seja, o que esperamos do futuro? E um terceiro modo de questionar o porvir, se tudo der certo, será, onde está o futuro?

Brincadeiras sérias à parte, mais um filme de Kara no Kyoukai se assoma. Apresento a todos o filme alegórico de Kara no Kyoukai: Mirai Fukuin, que ilustra que o destino do futuro está em jogo. Um destino de algo que não existe a menos que deixe de existir.

 

 

A história de Mirai Fukuin pode ser compreendida como um bônus, um segmento utilizado para aprofundar o destino de Shiki e Mikiya, ou para oferecer a luz da felicidade de ambos em seu resultado máximo, a herdeira e filha de ambos, Mana.

Protagonizando a história temos três personagens que possuem variações particulares de um mesmo poder, a precisão do futuro. Somos apresentados para a futura melhor amiga de Azaka, irmã de Mikiya, Shizune, para o futuro servo de Shiki e amigo de sua filha, Mitsuru, e para a vidente que garantiu o sorriso final e a paz de espírito de Shiki dois, Mifune.

 

 

O enredo desse filme, assim como toda a sua estrutura, gira em torno da habilidade que esses três personagens possuem, embora seja amparado por elementos narrativos que consolidam a trama, o central realmente é o eixo temático.

Me acompanhem personagem por personagem para desvelarmos o mistério de futuro.

Shizune é uma adolescente normal, uma pessoa que estuda na escola tradicional, o internato feminino, onde Touko uma vez estudou, e que tanto Azaka, quanto outras personagens de Kara no kyoukai, já frequentaram ou frequentarão em algum momento. A garota despertou a sua habilidade ainda na infância, a sua capacidade de vislumbrar um futuro em seu instante presente, futuro esse que a assombra e a persegue, fazendo com que ela, sem controle de quando e onde, por vezes possa saber o que vai acontecer em breve. A distância da previsão, tanto quanto a qualidade da mesma, são instáveis. Ela pode tanto prever minutos a frente, quanto dias ou semanas. O quando isso desperta, também parece ser aleatório. A regra para a sua previsão é que ela esteja inserida na relação, como observadora integrante do sistema.

 

 

Mikiya explica para Shizune, explicação que aprendeu com sua empregadora Touko, que a habilidade da garota não é uma real capacidade de previsão do futuro, mas sim uma capacidade extrema de cálculo orgânico e natural, dos fluxo e das possibilidades, sendo que ela se conecta com esse futuro no instante do presente, como um fragmento que pertence ao seu próprio presente, ou seja, é como se ela visse uma fotografia do futuro, ao invés de uma fotografia do passado. Essa capacidade se deve intrinsecamente a sua natureza perceptiva, ao seu poder de cálculo, sua habilidade é uma extrapolação da capacidade natural de causa e efeito que todos possuem. Entretanto, de fato lhe garante uma probabilidade de vislumbrar momentos, prever tendências, se conectar com possibilidades e descobrir de antemão que elas podem ocorrer.

O limite de seu poder é exatamente essa passividade natural que ele apresenta, ou seja, é um futuro possível, uma imagem tênue e efêmera que corresponde a um devaneio ou um sonho, não possui real tangibilidade ou densidade. Todo o futuro que Shizune prevê, é passível de alteração segundo novos fatores que podem ser empregados no processo e desviar sua realização. Para se concretizar, esse futuro tem ser habilmente compreendido, algo que ela não pode fazer, pois ela apenas pode vislumbrar o mesmo, não compreender o seu processo completo, o que implica em um completo desconhecimento das complexidades que levam o futuro a se presentificar.

 

 

Shizune sofre muito devido a sua habilidade, pois o que prevê é altamente provável, e costumeiramente se realiza, tornando a sua vida confusa, ansiosa e aflitiva. Por vezes forçando com que sinta duplamente o impacto emocional dos fatos que antecipa, em uma primeira vez ao prever, em uma segunda ao o vivenciar.

Mikiya ajuda a garota a lidar com os seus sentimentos em relação a sua habilidade, a conviver e aceitar a sua característica única, e como sempre, com o seu tato e gentileza costumeiras, acaba até mesmo por ajudar uma vida a ser salva, vida à qual Shizune vislumbrou o fim.

O segundo adepto a previsões do futuro é Mitsuru, um jovem adolescente de 14 anos que se tornou refém de sua própria habilidade. O poder de Mitsuru é completamente diverso do de Shizune, ele não sabe o que vai acontecer no futuro, na verdade, ele sabe exatamente o que deve fazer para que o futuro seja o futuro. É bem complicado na verdade, pois o futuro que ele enxerga é o que ele concretiza, ele não prevê o que vai acontecer, ele realiza e manipula o que o futuro será. O poder dele é tão fora de realidade que ele mesmo é sugado por essa nova realidade, ele começa a perder o controle e a identidade de si mesmo, se tornando refém em relação ao futuro que ele realiza, mas que em contrapartida, que o realiza, ou seja, a determinação do futuro começa a determinar o próprio Mitsuru, o alienando completamente da realidade. É como viver em um sonho onde por se poder guiar o mesmo para onde se desejar, acaba em contrapartida sendo guiado sem controle algum para lugar algum.

 

 

O tédio e a apatia lhe consomem, ele não tem desejo, se torna uma máquina, e ainda pior, se torna um receptáculo da tragédia. Por sorte Mitsuru não é completamente consumido por essa habilidade, como ele bem explica, um de seus olhos veem o caminho passa a passo, sem nenhuma surpresa, mas o outro está fincado no presente, no aqui e agora, o que lhe garante uma âncora de sanidade e discernimento, tanto é que em todas as suas ações, nenhuma vítima sequer é consumada.

O destaque do poder de Mitsuru é a manipulação e não o vislumbre, ele literalmente determina a realidade ao materializar o percurso do destino que enxerga. Não sabemos até onde o que ele enxerga é plural, só sabemos que ele é conduzido ao conduzir a realidade em frente a seus olhos.

Shiki, sua oponente, quebra o seu modo operante e percebe que ele é o agente dos eventos, ele, por sua vez, a vê como uma ameaça, e pela primeira vez na vida, ambiciona matar um obstáculo ao seu devaneio desvairado.

 

 

No clímax do combate, Shiki, aquela que destrói tudo o que possui forma, destrói o futuro, destrói o futuro exatamente pelo fato de Mitsuru o ter materializado como uma determinação. Toda a forma, toda a fronteira que se estabelece, que não está dissolvida entre a inexistência, pode ser assassinada por Shiki. Mitsuru consolidou o transitório aleatório do futuro em realidade e presente, e ao fazer isso, deu a Shiki o ponto fraco que ela facilmente pode aniquilar. Ela corta entre o tempo e o espaço e destrói a realidade quando está se torna real, por tabela acaba destruindo o olho de Mitsuru, que incapacitado agoniza de dor ao chão. Uma criança, uma alma consumida pelo fluxo que lhe garantiu um poder denso e complexo demais para que pudesse carregar, um fardo que lhe asfixiou e lhe privou da liberdade do caos.

O terceiro poder de previsão de futuro é o mais difícil de compreender, e é o mais perfeito dentre todos os três. A senhora Mifune trabalha desde muito tempo como vidente, garantindo por uma vida toda, conselhos sempre acurados para aqueles que a procuram.

 

 

A sua previsão do futuro não é um vislumbre das possibilidades e muito menos uma manipulação do intrincado de relações, é a literal onisciência da completude dos eventos futuros. É uma visão inata, limpa e clara do que acontecerá, e o que acontecerá é simplesmente absoluto, determinado e real. Ela enxerga a realidade definitiva dentre todas as realidades possíveis, e não é possível que aquilo que ela prevê venha a não ocorrer ou a ocorrer de modo diverso. Ela simplesmente sabe, e ponto final.

É uma personagem misteriosa, extremamente soturna que ajuda aqueles que a ela pedem conselhos. Com a idade, não se sabe ao certo o porquê, seu poder desaparece, e ela deixa de poder enxergar o futuro das pessoas. Entretanto a sua cliente mais importante para nós, telespectadores dessa obra, foi Shiki dois. Ela encontrou Mifune pouco antes dos eventos catastróficos do segundo filme, pouco antes de cometer suicídio. Mifune lhe revelou a sua morte iminente e incontornável, e coube a Shiki dois apenas aceitar, era inevitável, ela morreria em breve.

 

 

É uma cena linda, Shiki dois sorri conformada e irritada com o seu destino, e Mifune lhe lhe diz: o seu sonho se tornará realidade. Shiki dois vira as costas e segue em direção ao futuro, ao único futuro possível, sem nenhum arrependimento, mesmo que as gotas da chuva cantarolem a tristeza derradeira de seu fim, ainda assim o sol nasce como sempre, o horizonte sublime de luz que preenche as trevas.

Mana, sua filha, agradece a Mifune em nome de seu pai, agradece a ela por oferecer consolo a sua amada, a metade que não pôde sobreviver.

 

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