O quarto filme de One Piece, ao contrário dos três primeiros, tem uma linguagem típica do formato filme. Percebi isso com clareza ao assistir esse quarto, os três primeiros filmes de One Piece se caracterizam pela ambiguidade de identidade, ora eles são OVAs, ora eles são episódios seriados de animação, ora se propõe como filmes.

 

 

Tenho que confessar, demorei para me tocar desse detalhe central, o como se efetiva as amarras estruturais em cada um dos formatos acima citados, em episódios seriados os eventos são diluídos, eles se intercalam e interconectam com a constituição do cenário onde se desenrolam. Em OVAs, segmentos muito conectados com a base sobre a qual se inspiram, tendemos a assistir histórias fechadas, as quais, por vezes, complementam e dialogam diretamente com a obra sobre a qual reproduzem. Claro, isso caso não seja um OVA original. Nesse caso a história é fechada em si mesma, e seja um curta ou um longa, o que caracteriza um OVA será a sua brevidade.

 

 

Filmes, por outro lado, precisam de uma certa extensão, de uma apresentação e desenvolvimento apartados, precisam de uma identidade particular. No caso, One Piece Dead End, o quarto filme, consegue, com certo mérito, se afastar e não se afastar da obra original, ele capta a essência de One Piece, os manejos e trejeitos do cenário, mas aplica com originalidade e competência uma linguagem original, muito mais cinematográfica do que os anteriores. Não, ele ainda é One Piece, segue os procedimentos já estabelecidos no anime, mas é interessante perceber que esse quarto filme é, acima de tudo, maduro.

O como ele transmite a história, segmenta as falas e as sacadas dos protagonistas, ou mesmo o jogo de câmeras e ângulos, experimenta e concatena os momentos, desenvolvem os conflitos, tudo é levemente diferente do que é em One Piece, é uma apropriação cuidadosa, que nunca deixa de ser One Piece, mas que consegue ser um outro One Piece, por assim dizer.

 

 

Vamos ao plot da obra, ele é simples, os Mugiwara estão em uma ilha, quase falidos e em busca de mantimentos para o navio. Adentram uma taverna e se divertem. A astúcia dos personagens mais sensitivos do bando compelem a trupe a revelar o mistério do lugar. Uma corrida pirata acontecerá em breve.

Movidos pela curiosidade, aventura e prêmio em dinheiro, o bando segue o fluxo, na verdade, segue o fluxo o tempo inteiro, pois eles não estão envolvidos e engajados com nada em relação à situação, estão apenas se divertindo.

Temos diversos competidores nessa corrida pirata, todos, é claro, piratas, o que implica em brigas, conflitos e confusão. E também não pode faltar o elemento chefão, representado por um ex-marinheiro, e agora entediado e prepotente capitão pirata, chamado de Gasparde.

 

 

Gasparde é um pirata inteligente e impiedoso, que utiliza da força e da hierarquia para comandar o seu bando. Luffy não vai com a cara do indivíduo, e resolve que deseja vencê-lo. É bem jogada, no sentido de ser meio de qualquer jeito, a inserção do bando nesse conflito contra Gasparde, e isso é bom, sério, é um filme sem qualquer pretensão, que busca mediar os conflitos segundo gatilhos diretos, e que funcionam bem. Luffy simplesmente não foi com a cara do sujeito.

Temos outras duas histórias secundárias que movem o filme, a história de Shuraiya, um caçador de recompensas bem jovem que busca vingança contra os piratas, sendo que um desses em particular ele vem caçando a um bom tempo. Nem tenho que dizer quem ele vem caçando, não é? De todo modo, Shuraiya se envolve em conflito com os piratas do local, apresentando uma luta em que as coreografias e dinâmicas são muito legais. O destaque é quando ele e Luffy arrebentam com todos os coadjuvantes do local.

 

 

Gasparde tenta recrutar os baderneiros, pois respeita a força deles, apesar de só desejar usá-los como peões, assim como faz com sua tripulação, de início eles recusam, mas depois Shuraiya se afilia ao bando para tirar proveito da situação, e assim efetivar o seu objetivo.

Outro plot secundário é protagonizado por Adelle, uma garota que trabalha como alimentadora da caldeira do navio de Gasparde. Ela foi acolhida e tutelada por muitos anos por um senhor, o qual trabalhava nessa caldeira do navio antes mesmo do navio ser roubado por Gasparde e transformado em um navio pirata. O vovô continuou o seu trabalho, sabe-se lá por que, e se tornou um dos escravos, por assim dizer, do pirata e da situação. A sua protegida, arrastada pela situação, acabou se vinculando a esse ambiente por toda a sua vida, auxiliando o vovô.

 

 

Certo dia o vovô se sente doente, já que é uma pessoa de idade, e Adelle se desespera para tentar ajudá-lo, buscar algum remédio que possa curar essa fraqueza da idade. O conflito de Adelle leva ela a pedir ao capitão, Gasparde, por ajuda, mas ele simplesmente a ignora. Determinada, ela tenta obter recursos por conta própria, procura o navio pirata mais capenga que encontra e se infiltra nele para tentar derrotar os piratas, coletar as recompensas e ajudar o vovô. Advinha em que barco ela se infiltra?

Essas são as três histórias simultâneas que se amarram uma na outra no decorrer desse filme, e da corrida para chegar na ilha final que concede o grande prêmio.
Tem alguns elementos batidos outros que acontecem para concretizar a história, mas não vou revelá-los, pois por mais que pareça um filme qualquer, esse filme é realmente muito divertido, ele consegue cativar com seu ritmo e direção, onde os eventos vão se moldando conforme os chapéus de palha paralelamente os acompanham. Temos a Nami sendo fantástica em todas as suas ações e revoadas de fúria, temos a Robin sutilmente roubando a cena, temos Sanji, Zoro, Usopp e Chopper efetivando papel de suporte sem quase fazer nada de útil, mas enriquecendo demais a atmosfera do bando.

 

 

É um filme peculiar, ele tem apenas algumas lutas, sendo a mais intensa a do Shuraiya com o imediato de Gasparde, uma luta que mesmo sendo mutilada ao meio, enche os olhos. E claro, temos o Luffy descendo o soco no antagonista da vez. Alias, Gasparde é um ótimo antagonista, um pirata sóbrio, estratégico e maquiavélico.

O filme passa a sensação de ser fechado em si mesmo, ele não se apresenta de modo acelerado, resolve de modo satisfatório a todos os conflitos, mas deixa um gosto de quero mais, podia ter mais coisa, essa saga foi legal. A animação é inconsistente, alguns segmentos do plot se resolvem sem se resolver, como a doença do vovô, e outros se resolvem de modo bem seco, como o que aconteceu com todos os figurantes piratas que não foram desenvolvidos, mas só se apresentaram como o contexto em que a aventura se efetiva, enfim, dá pra sentir o potencial desperdiçado, e ao mesmo tempo, o filme transmite um sentimento de satisfação.

 

 

Concluo que é de fato uma obra com linguagem diferenciada de sua fonte de inspiração, que efetiva um fluxo narrativo muito competente, nos imergindo em elementos essenciais do universo de One Piece, como o mundo surreal e fantástico, com massivos ciclones tropicais e rios reversos que arremessam navios pelos ares, tudo isso regado a uma corrida que se dissolve rapidamente entre piratas aniquilados e uma vingança fracassada que garante uma redenção adequada e resoluta, integra.

Realmente, um filme que faz o gosto de um prato simples parecer um sabor refinado.

 

 

P.s. É bem incrível o quanto todos os personagens não cânone em destaque desse filme são interessantes, ou marcantes!

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