Cross Ange – ep 1 – Dragões versus Mechas, pode dar errado?
[sc:review nota=2]
É. Então. A batalha aérea entre dragões e mechas sem dúvidas é legal. Mas há no resto do episódio coisas constrangedoras e desnecessárias que tiraram boa parte da minha diversão. Como as considero graves, vou listá-las primeiro, assim se você achar que elas são impeditivas nem precisará mais ler o resto e muito menos se preocupar em assistir o episódio. Mas eu gostaria que continuasse lendo mesmo assim. Falar e entender o que deu errado também faz parte dos processos de crítica e entendimento, não é?
Primeiro: desejo nada disfarçado de incesto, e com menor de idade, e por interesse. Segundo: eu pensei, refleti, tentei imaginar se eu não estava superinterpretando, mas não: o episódio termina com um estupro. É isso mesmo, um estupro. Agora, não estou dizendo que incesto, pedofilia e estupro, em ficção, sejam sempre injustificados e repreensíveis. Fazem parte de várias boas histórias onde são realmente necessários. O episódio não chega a pintar nenhum dos dois como bons ou sequer aceitáveis, são cenas horríveis e chocantes mesmo, cada uma a sua própria maneira. O problema é que em Cross Ange não era necessário. Soou apelativo e vulgar.
Explicando o mundo: há magia, quase a totalidade da população pode controlar o mana, e todos são aparentemente felizes assim. Aqueles que não são capazes de controlar o mana são chamados de normas, e não só não controlam o mana como, aparentemente, quebram encantos e barreiras mágicas. Ou seja, são uma ameaça a um mundo tão dependente de magia. Por isso, assim que são identificados, são capturados e exilados para sabe-se lá onde. O preconceito contra elas é enorme, dificilmente poderiam viver em meio à sociedade de qualquer forma. Ah, normas são sempre mulheres.
Acontece que Angelise, a princesa protagonista da série, é uma norma, e a vida toda sua família escondeu isso dela própria e do reino inteiro. Ela cresce como uma típica princesinha mimada, que acha que conhece o mundo apesar de viver em uma bolha de privilégios. E nunca perde a oportunidade de proferir um discurso motivacional demagógico. Ela é feita para ser irritante para nós, espectadores, embora seja amada pelo povo que não a conhece e pelas pessoas que a cercam, pois ela é sim uma pessoa bondosa e preocupada com os outros. Seu problema é outro, seus valores é que são distorcidos e isso a faz, por exemplo, dizer a uma mãe de quem uma bebê norma era arrancada que sua filha não era humana, era um monstro, e que ela deveria esquecê-la e fazer outra criança, mas dessa vez uma humana de verdade. Tudo isso com um sorriso no rosto e a sensação de dever cívico cumprido. O roteirista se esforça para que a odiemos, e se isso não fosse tão óbvio teria funcionado melhor.
O irmão dela, no dia em que Angelise completa 16 anos e por isso participa de uma cerimônia de passagem para a vida adulta com todo o reino assistindo, desfaz as sabotagens que seus pais haviam preparado para que mesmo em um ritual que depende do controle sobre o mana ela não seja descoberta. Assim a verdade é revelada para o país inteiro (inclusive para a própria Angelise) e seu irmão usurpa o trono acusando seu pai de ter escondido uma norma por todo esse tempo e ainda por cima tentado colocá-la na vida política. Essa parte da história é muito interessante, os sinais nada sutis de que seu irmão tramava algo abundavam e finalmente desaguaram em uma catarse traiçoeira. A mãe de Angelise até mesmo morreu para tentar ajudá-la a fugir, e por culpa da própria Angelise que com seu não-poder desfez sem querer a barreira que a mãe havia criado para protegê-la de um tiro. Mas aí vem o primeiro golpe: o príncipe que agora se declarava rei olhou para a irmã de ambos, criança que jazia desmaiada no meio de toda aquela comoção, e enquanto passa os dedos em seus lábios diz que eles dois terão muito trabalho pela frente reconstruindo a família real. De verdade, para que isso? Talvez a intenção seja criar uma personagem trágica caso venha a ocorrer um reencontro entre irmãs. Mas precisava ser assim? Precisava?
Enfim, Angelise é capturada e enviada para uma ilha onde aparentemente normas são enviadas, controlada pelo próprio reino. Ali elas recebem treinamento militar e passam a fazer parte de um batalhão que pilota veículos voadores que se transformam em mechas para enfrentar dragões interdimensionais. Imagino que o fato de serem capazes de desfazer magia as torne especialmente habilitadas para a função. E isso é bem interessante também. Há inclusive uma batalha entre dragões e mechas no começo do episódio no qual a própria Angelise participa, e é um combate bem feito, confesso que me empolgou.
Mas ali é um estabelecimento militar, e não existe estabelecimento militar que não maltrate novos recrutas, existe? Adicione a isso o fato de Angelise ser a ex-princesa, ainda estar atordoada com tudo o que aconteceu, o fato de ser uma norma e a morte da mãe, e há aí material para terríveis torturas e conflitos psicológicos ou mesmo físicos. É a história da princesinha caída, afinal. Ela não entende e não aceita seu destino, e começa a ser maltratada pelo que parece ser a norma mais alta na hierarquia naquela base. Até aí, se escolheram essa rota, tudo bem. Mas depois de um pouco de espancamento, em que consistiu exatamente a tortura? A superiora acorrentou-lhe os braços a uma mesa, completamente nua, de peito para baixo e pernas no chão, bem abertas, e com uma manopla de metal, bem, acho que já disse o que ela fez. O episódio não mostra, mas só faltava! A última cena é da princesa deitada nua no chão em posição fetal com nada além de pavor e desespero no rosto.
No final acho que eu abstraí e estou assistindo Cross Ange como se fossem duas coisas distintas, de um lado uma série legal, com combates entre dragões e mechas em um mundo mágico com terríveis maquinações políticas, e de outro essas cenas, curtas mas traumáticas, como se fossem parte de outra coisa diferente. No fundo estou reescrevendo a história em minha cabeça sem elas. Mas a história é uma só e inclui tudo isso, infelizmente. É tão desnecessário e chocante que preciso questionar se não é fetiche de alguém na produção. Não recomendo a ninguém, mas continuarei assistindo porque algumas coisas simplesmente precisam ser ditas.
Mais imagens:
Fernanda
Em que o anime inteiro foi apelativo e vulgar. Triste para um tema que poderia te dado certo.
A troca de um tema pra outro, como fosse uma coisa qualquer. Até o humanos não normas foram esquecidos e com eles o preconceito contra as normas também foi na segunda fase do anime.
A personagem que era pra ser uma das principiais foi totalmente esquecida pelos produtores (Salako).
E aí vem a pior parte do anime: o diálogo inútil entre Tusk e Embryon. Sério, aquilo foi humilhante, me senti constrangida pela Ange. E ainda ver as garotas achando isso super fofo, pensando bem, pra elas tudo que o Tusk faz é kawai.
As vezes eu penso: será que eu quero mesmo uma segunda temporada?
Do mesmo jeito como.foi na primeira, tenho receio do que eles podem fazer na segunda.
Fábio "Mexicano" Godoy
Eu não quero segunda temporada, mas parece que vendeu bem. A equipe de produção quer produzir uma segunda temporada, mas o estúdio está ocupado com outros projetos, segundo essa notícia: http://www.animenewsnetwork.com/daily-briefs/2015-04-29/cross-ange-creative-producer-indicates-sales-were-strong-enough-for-more/.87644
E sim, foi uma grande porcaria do começo até o fim e, conforme argumentei em alguns artigos, esses erros ou decisões questionáveis de roteiro parecem ter sido todas propositais.
Fernanda
Vendeu bem por causa das Seiyuus de peso: Nana Mizuki, Yukari Tamura e Yui Horie. As duas primeiras participaram de um anime de peso também: Magical Girl Lyrical Nanoha, vem daí aquela história de shippar Ange e Hilda, onde no antigo anime as seiyuus dublavam Fate e Nanoha.
Acho que o pior de tudo que aconteceu, não foi nem dentro do anime, mas sim fora. Vê como as garotas apoiavam esses atos escrotos (essa é palavra correta), o quanto elas vibraram no diálogo do episódio 24 entre Embryon e Tusk, é realmente degradante.
Ah, também nessa de sempre pesquisar Cross Ange, percebi que o anime inteiro foi cópia de histórias de outros animes. Animes que nem faziam parte de Sunrise ou do produtor Fukuda.
Não sei se foi proposital, mas as vezes acho que o Fukuda só queria dar mais evidencia ao seu filho prodígio: Gundam Seed. Vai reparar que são quase os mesmo personagens.