[sc:review nota=5]

Que coisa, não é apenas Dragon Ball, a Marvel e a DC que ressuscitam personagens. Migi está de volta. Isso em parte justifica a relativa pouca importância dada à morte dele no episódio anterior, nem tanto por não ter sido uma morte real e porque ele iria voltar, mas mais porque quanto maior fosse o drama mais ridículo soaria seu retorno. Ele murchou, e ele voltou, e é isso. Era importante o Migi ter morrido? Sustento que sim, como afirmei no artigo sobre o episódio anterior, isso marcou o amadurecimento do Shinichi. Lógico que ele tem muito a aprender ainda, como todos nós temos durante toda a vida, e por isso Migi voltou, mas sua jornada de crescimento pessoal em Kiseijuu já havia terminado. O próximo episódio deve ser para o Shinichi lidar com as consequências dos eventos bizarros pelos quais ele passou nesses episódios todos.

Esse episódio, no entanto, tem pouco a ver com tais consequências. Shinichi sente que precisa enfrentar Gotou nem tanto por algum tipo de obrigação moral pelo que o Gotou pode vir a fazer caso deixado vivo, mas pela responsabilidade moral que ele tem por ter sobrevivido a tudo enquanto tantos, humanos e parasitas, morreram. Ele acha que a essa altura é simplesmente justo que ele ou Gotou morram – e ele é bastante realista por acreditar que é o Gotou quem irá sobreviver. Mesmo assim, conforme a senhora que lhe abrigou no episódio anterior disse, ele irá lutar e irá se esforçar para viver. Seus planos não são ruins, mas como a Tamura havia dito, o Gotou é apenas poderoso demais. No fim, a sorte volta para o lado do Shinichi conforme ele é jogado em cima de uma pilha de lixo e, se lembrando de um ponto fraco que ele havia visto na armadura de Gotou após o incidente no prédio da prefeitura, o perfurou com um pedaço de o que quer que fosse aquilo que ele tirou do monte de rejeitos bem ali. Ele não achava que venceria, àquela altura estava apenas disposto a infligir quanta dor fosse capaz ao Gotou. Mas a sorte lhe sorriu de duas formas, a primeira levando à segunda: o lixo que usou para perfurar Gotou estava, como lixo costuma estar, infectado. Isso desencadeou uma reação no organismo de Gotou e os parasitas servos se rebelaram contra o controle central e isso bagunçou seu corpo, tornando mais difícil controlá-lo. Segundo, por causa disso, Migi também pôde retornar. Não sei se ele foi devorado pelo Gotou ou se algumas células suas foram absorvidas de propósito ou acidentalmente durante a luta entre os dois, mas ele estava dentro do Gotou e também despertou nessa rebelião de parasitas servos, retornando para Shinichi. O que se seguiu foi a óbvia derrota de um Gotou com corpo enfraquecido pelo Shinichi com seu braço direito restaurado.

O ponto interessante sobre a luta é como algo normalmente considerado nocivo (e por que não seria?) feito pela sociedade humana foi o que no fim das contas permitiu ao Shinichi triunfar. Aquele lixo fez mal a quem, no fim das contas? Não foi ao Shinichi. Não foi a um ser humano. Eu destacaria também como mesmo vastamente inferior em força ao Gotou, Shinichi lutou até o fim. E ele não precisava, poderia ter partido. O Gotou talvez o encontrasse no futuro, talvez não, e mesmo que encontrasse ele poderia apenas fugir de novo. Enquanto o lixo é apenas o resultado da presença (ainda que distante e intermitente) do ser humano naquele ambiente, da mesma forma como a presença de qualquer ser vivo traz mudanças a um determinado ambiente, o padrão de pensamento que levou o Shinichi à decisão de lutar foi exclusivamente humano. Qualquer animal, qualquer outro ser vivo na posição do Shinichi, podendo fugir, fugiria. Não só não fugiu, mas Shinichi usou sua maior arma humana para lutar: a razão. Parasitas são inteligentes, Gotou é inteligente, mas seu modo de luta é essencialmente físico, mecânico, usando em sua vantagem seu vasto poder físico bruto. Shinichi não tem nada disso, mas tem seu poder intelectual. Parasitas são fortes, eles matam seres humanos como seres humanos matam insetos, mas eles são fracos, como Tamura disse. Seres humanos são fortes, eles vivem em praticamente todos os ambientes do planeta e em quase a totalidade deles estão no topo da cadeia alimentar, e ainda assim são frágeis também.

De longe, o que me fez gostar de verdade desse episódio foi o que veio depois. Com Gotou já derrotado mas tentando regenerar-se, Shinichi engajou-se em um debate filosófico interno sobre as contradições entre humano e natural. Reconhecendo racionalmente que não havia como dizer quem merecia morrer e quem merecia viver, entre humano e parasita, Shinichi decidiu não decidir. A natureza deveria seguir seu curso. O que Shinichi não percebeu no momento que tomou essa decisão é que ele também faz parte da natureza. A natureza não está viva, não existe uma força motriz por traz dela tomando decisões. Uma sequência caótica de criaturas vivendo e interagindo em condições ambientais em constante mudança, isso é a natureza. E o ser humano meramente faz parte dela. Sim, somos a espécie mais bem sucedida da megafauna do planeta, isso não se discute. Sim, somos tão numerosos e nossa habilidade de raciocinar nos deu tanto poder sobre o ambiente em que vivemos que estamos de fato mudando a face do planeta, e em mais vezes do que seria aceitável essas mudanças são para a pior. O que o Shinichi falhou em perceber, o que todos nós falhamos em perceber normalmente, é que se somos parte da natureza, então essas mudanças que causamos também são. É apenas prepotência humana eleger-se espécie protetora de toda a biodiversidade terrestre. Veja, não estou advogando pelo fim do ambientalismo ou qualquer forma de desenvolvimento sustentável, apenas lançando um ponto de vista diferente. O mesmo ponto de vista de Kiseijuu: somos parte da natureza, e não agressores ou agentes externos. Devemos evitar a destruição da natureza não porque outras espécies mereçam viver, mas porque o desequilíbrio ambiental também faz mal a nós por também sermos parte do meio-ambiente. Desse ponto de vista é lógico que não devemos evitar matar cada perereca e papagaio só porque sim, mas devemos evitar matá-los na medida em que a sobrevivência da perereca e do papagaio possam ser mais benéficas para nós do que suas mortes. Naquele instante, claramente, a morte do parasita era mais benéfica para o Shinichi do que sua sobrevivência. Shinichi percebeu isso, voltou e o matou.

E não pense que, mesmo no mais catastrófico cenário imaginável, o ser humano irá destruir toda a vida na Terra. Isso jamais irá acontecer, a não ser em um futuro hipotético onde possamos nos divorciar totalmente dela e escolhamos a destruir, o que está além até mesmo da maioria dos vislumbres de futuro das ficções científicas mais selvagens. Mesmo a humanidade espacial de Jornada nas Estrelas sofre severamente (várias naves tiradas de operação e o planeta em caos sob uma tempestade digna do dilúvio bíblico) porque a baleia corcunda foi extinta (como visto no filme A Volta Para Casa, o quarto da antiga geração). Por mais dano que eventualmente causemos às demais formas de vida, a vida continuará existindo. Esse planeta já sobreviveu a catástrofes muito maiores do que somos capazes de fazer acontecer hoje. É apenas humano, e portanto apenas natural, que Shinichi mate Gotou. Não há contradição entre natureza e natureza humana.

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