Bom dia!

Se a americana Universal é conhecida por seus monstros (Drácula, Frankenstein, o Homem Invisível, a Múmia, entre outros), a japonesa Toho é conhecida por seus monstros gigantes, dos quais o Godzilla é de longe o mais famoso. As duas franquias passaram por renovação recente, com o enorme sucesso de Shin Godzilla (2016) e… bom, eu não sei nada sobre filmes, ok? Sou um cara de animes. Mas pelo que leio aqui e ali parece que A Múmia (2017) não agradou muita gente, por assim dizer. Nesse caso e dessa vez, parece que tamanho é documento.

Enquanto alguns produtores por trás da ambição da Universal abandonaram o projeto (mas parece que os demais filmes ainda vão sair), o sucesso de Shin Godzilla fez com que o que era um projeto para uma série anime para a TV se transformasse em uma trilogia animada para o cinema. Planeta dos Monstros tornou-se, assim, o primeiro filme animado da história da franquia. Ele fez por merecer?

A animação ficou a cargo do estúdio Polygon, especializado em animação 3D. Quem já assistiu outros animes do estúdio, como Ajin, Blame ou principalmente Sidonia deve ter notado a enorme semelhança estética. E não é para menos: não é apenas obra do mesmo estúdio, mas da mesma equipe criativa que trabalhou na primeira temporada de Knights of Sidonia, Ajin e em Blame!. Koubun Shizuno e Hiroyuki Seshita dividiram a direção e Sadayuki Murai (único que não trabalhou em Ajin) trabalhou na composição. A novidade foi o roteiro de Gen Urobuchi, famoso por Psycho-Pass, Fate/Zero, Madoka Magica, entre outros.

Com equipe e elenco estelares, produção para a qual não faltaram recursos e distribuição mundial pela Netflix de um projeto que já contava com a grande exposição positiva que Shin Godzilla atraiu para a franquia, a impressão é que somente um desastre poderia fazer Godzilla: Planeta dos Monstros fracassar. E é uma interessante curiosidade que o próprio Godzilla, dentro e fora das telas, tenha nascido de um desastre.

O primeiro Godzilla foi lançado em 1954 como uma crítica direta à ameaça nuclear. Fazia muito sentido, considerando que menos de uma década antes Hiroshima e Nagasaki tenham sido alvo dos, até hoje, dois únicos bombardeios nucleares da história. Mas há uma história ainda mais próxima do filme: meses antes, ainda em 1954, um navio pesqueiro japonês foi atingido pelas cinzas nucleares do teste americano Castle Bravo no Atol de Bikini, que foi duas vezes mais poderoso do que o inicialmente previsto. Toda a tripulação sofreu de envenenamento nuclear agudo e um dos marinheiros morreu meses depois. No filme original (e em várias de suas encarnações), o Godzilla é um réptil marinho que sofre mutação por causa de uma explosão atômica. A humanidade então é vítima de sua própria arrogância.

Esse contexto é importante! Posteriormente, o Godzilla passa a poder ser não apenas uma resposta ao uso militar da energia atômica, mas à prepotência humana em geral e o descaso com o meio ambiente como um sinal de que o ser humano acredita estar acima da natureza. É esse Godzilla mais amplo que Planeta dos Monstros encarna, forçando inclusive no aspecto religioso do monstro gigante, considerado um castigo divino ou a própria encarnação do Deus da Destruição. Dessa forma, o título que dei ao artigo, retirada de uma frase proferida no próprio filme em contexto totalmente diferente (eles falavam sobre ir literalmente, dado que estavam em viagem) adquire significado próprio, adequada à mítica do Godzilla.

Haruo Sakaki, o protagonista, quer vingar-se do Godzilla e recuperar sua casa

No começo do filme é explicado que no final do século 20 monstros gigantes começaram a aparecer por todo o mundo, representando uma ameaça sem precedentes para a humanidade que, no entanto, ainda lutava. Então surge o Godzilla e absolutamente nenhuma arma ou estratégia é útil contra ele. Ele é um só contra bilhões, mas ele sozinho caminha pelos quatro hemisférios do planeta destruindo tudo por onde passa, sobrevivendo até mesmo à detonação de 150 ogivas nucleares ao mesmo tempo. Nesse momento de desespero, duas raças alienígenas surgem nos céus.

Os primeiros são os exif, místicos, e eles tentam converter os seres humanos à sua religião. E olha aqui, se monstros gigantes começam a aparecer no mundo e de repente um alien aparece e diz que totalmente não tem nada a ver com isso mas se eu acreditar no deus dele tudo vai melhorar, eu certamente daria um tiro nele. Não, eu não tenho armas e nem sei atirar, mas suponho que nessa realidade hipotética muitas pessoas teriam armas graças aos alistamentos massivos promovidos em todo o globo. Mas no filme sequer deu tempo dos exif serem ignorados, pois eis que em seguida chegam os bilusaludo, que são mais pragmáticos e prometem apenas derrotar o Godzilla. Eu, pessoalmente, também não confiaria neles, mas essa oferta sem dúvida tem mais substância. Vale a pena tentar. Tentaram. E falharam. As três raças então decidem abandonar a Terra.

Vinte anos se passam vagando pelo espaço e, conforme os recursos na nave atingem níveis críticos sem que haja qualquer previsão de se encontrar um outro planeta habitável, os poucos milhares de sobreviventes acabam decidindo retornar para a Terra. O seu planeta, a sua casa. Bom, da humanidade pelo menos, mas o anime dá a entender que os exif e bilusaludo, estão em número muito menor, então embora a tecnologia seja deles (os sistemas da nave, incluindo seu supercomputador, é exif, e as armas e veículos são desenvolvidas pelos bilusaludo), são os seres humanos que estão efetivamente no comando. E é só aqui que o filme realmente começa. Na tela demora quase tanto quanto eu demorei para descrever tudo isso, mas foi uma caracterização importante para esse filme e provavelmente para os dois demais da trilogia.

O detalhe final: por causa dos efeitos relativísticos da viagem acima da velocidade da luz, enquanto na nave se passou apenas 20 anos e, pois, exceto pelas crianças que só nasceram no espaço, todos ainda se lembrem da humilhação e desespero, na Terra já se foram 20 mil anos. O planeta mudou, evoluiu, é uma coisa completamente desconhecida para aqueles que retornam à sua pretensa casa. E ah, lembra-se de toda a introdução ao Godzilla de alguns parágrafos atrás? Qual é a primeira coisa que os seres humanos fazem quando descem de volta à Terra, antes mesmo de botarem seus pés nela? A bombardeiam, é lógico. O filme não foi nem um pouco sutil em sua caracterização da arrogância humana. É uma cena forte e muito boa, talvez a melhor desse primeiro filme.

O bom filho a casa torna

A ação em si é bastante competente. As estratégias de batalha são interessantes, conseguem manter a tensão o tempo todo (será que vai dar certo?), as reviravoltas no comando e nas decisões de batalha mantêm o filme dinâmico. São muito interessantes os vários tipos de veículos, que incluem motos voadoras, naves, baterias de artilharia e – não poderia deixar de faltar – veículos humanoides de combate (robôs gigantes!), bem como seu uso conjunto e os efeitos de suas diferentes armas. Da batalha, só reclamo de uma única coisa: o próprio Godzilla. Achei seu design estranho e, como ele só é visto de corpo inteiro quando está parado, longe, parece que ele está sempre parado e é muito lento. Mas esse não é o maior problema do filme.

Ele não tá bonitão?

Por um lado, ele tem uma mensagem forte, alinhada com o histórico do Godzilla, e podemos ver os personagens do filme agirem e falarem de forma a justificá-la inúmeras vezes. Ela está lá, sem dúvida. E é uma crítica, não é? Mas se é uma crítica, por que parece que um exif em particular estava manipulando ou sabotando a missão para provocar o seu fracasso? O que é que traz o infortúnio para a humanidade, sua própria prepotência ou a, até agora pelo menos, aparente traição de um alienígena? A ser assim, quer dizer que está tudo bem sermos prepotentes, desde que não nos deixemos manipular por extraterrestres?

Metphies, o exif suspeito

Não é como se isso fosse um pecado capital, e o filme se sai muito bem na maior parte do tempo. Há ainda outros dois filmes que poderão corrigir eventuais equívocos do primeiro – ou demonstrar que o equivocado sou eu, que teria então prestado atenção nas coisas erradas. A Netflix deve lançar as demais partes ainda esse ano e estou bastante ansioso.

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