Bom dia!

Para quem está chegando agora, o Café com Anime é um bate-papo sobre alguns animes da temporada entre mim, pelo Anime21Diego (É Só Um Desenho), Gato de Ulthar (Dissidência Pop) e Vinícius Marino (Finisgeekis). Cada blog irá hospedar as transcrições das conversas de um anime: ao Anime21 caberá publicar os artigos sobre Violet Evergarden; ao FinisgeekisCardcaptor Sakura Clear Card; ao É Só Um DesenhoKokkoku; e ao Dissidência PopMahou Tsukai no Yome e Junji Ito: Collection.

Sem mais atraso, leia a seguir a conversa que tivemos sobre o episódio 2 de Violet Evergarden.

Fábio "Mexicano":
Ghostwriters são uma luz tênue no meio de uma noite ruim capazes de mudar vidas? Se for a Violet, parece que sim. Parece que ela está começando a entender o que é escrever uma carta pessoal, a como entender os sentimentos por trás das palavras. Para ser totalmente justo, a Luculia disse tudo o que sentia para a Violet, sem rodeios (bem diferente da amante do episódio anterior), o único problema é que ela falou tudo de uma forma muito bagunçada e provavelmente não se sentia segura o bastante para conversar com seu irmão por conta própria. Mas ponto positivo para a Violet por ter conseguido sintetizar em poucas palavras e sem fazer parecer grosseiro. Como sua instrutora disse, aquele foi só o primeiro passo.
Vinícius Marino:
Que episódio lindo! Violet começa a se mostrar um dos grandes animes da temporada.

Parece que sua trama está caminhando pelas vias que nós tínhamos suposto: uma examinação não só da vida de sua protagonista, mas dos sentimentos daqueles a sua volta. O irmão que se tornou alcoólatra. Os colegas de trabalho que brigam, mas na verdade se amam. A garota recatada que guarda as mágoas para si.

Parece que Violet, sisuda que é, finalmente encontrou seu forte: o poder de síntese. Ela pode não saber divagar sobre coisas abstratas, mas sabe como poucos “abstrair” sentimentos complicados.

Pergunto: teria ela conseguido “ler” o irmão da Luculia se ele não fosse, também, um soldado? A história dele é uma que pertence ao universo da Violet

Diego:
Ver esse episódio me fez perceber uma coisa: ele bem poderia ter sido o primeiro. Muito já se comentou internet afora como o anime alterou a ordem dos eventos da novel. Aparentemente, o próprio passado da Violet que vimos nos primeiros episódios só vem ao final do primeiro volume da novel. E eu acho que entendo porque fizeram essa mudança: os dois primeiros episódios tinham de ser exibidos em um evento (nos Estados Unidos, acredito), e imagino que faz mais sentido exibir em um o passado da nossa protagonista do que duas histórias aparentemente “aleatórias” da Violet já agindo como ghostwritter.

Mas vendo esse episódio, parece que de fato a força de Violet Evergarden está nas suas histórias individuais. As relações e os sentimentos apresentados foram interessantes e foram bem construídos, e mesmo o final, com a Violet escrevendo a carta, foi ótimo. Francamente falando, eu estava pronto para criticar o anime por fazer a Violet repentinamente conseguir escrever uma carta decente, até que eu vi o que ela escreveu: bom, sim, mas ainda definitivamente algo que consigo ver ela escrevendo rsrs. Mas vou ter de concordar com algumas das críticas internet afora que o final foi um pouco forçado, dela ganhando o broxe depois de UMA tentativa bem sucedida, após falhar sabe-se lá quantas.

Gato de Ulthar:
Não acho tão forçado assim ela receber o broche, afinal de contas ela era nota máxima em tudo, menos na escrita. Vendo que ela conseguiu aprender a escrever, seria um desperdício de talento não deixá-la se formar como Boneca.

Achei esse um episódio verdadeiramente lindo, e quem está criticando esse anime por qualquer coisa é um verdadeiro idiota. Não é o melhor anime do mundo mas não deixa a desejar.

Violet Evergarden é um daqueles animes que conseguem lidar com os sentimentos de uma maneira muito competente.

Fábio "Mexicano":
“Como assim você reprova várias vezes mas daí passa da última e é aprovado? Que escola é essa?” Qualquer escola. A sua escola, a minha escola. Você pode ter notas de merda o curso inteiro, basta passar na prova final. E há fatores que amenizam ainda: quem intercedeu por ela foi apenas a melhor aluna daquela turma, a Luculia. E o episódio deixou claro que o broche não é importante no final das contas, aquilo lá foi só um final feliz para a Violet, mas ainda muito longe do final feliz que ela realmente precisa.
Vinícius Marino:
Ué. A prova, pelo que eu entendi, consistia em escrever uma carta. Ela escreveu uma carta (genial, diga-se de passagem). Não vejo porque não poderia ter recebido o broche.

Estamos falando de um país destruído depois do pós-guerra. Não é como se tivessem professores para dar e vender, nem uma secretaria de educação procurando pelo em ovo.

Quando a própria sociedade chega perto do colapso, as coisas ficam mais “simples”

Fábio "Mexicano":
Ela já tinha o emprego dela como ghostwriter e iria continuar tendo, com broche ou sem broche. Isso é absolutamente irrelevante, só teve importância moral para a própria Violet. Discutir isso é querer criticar pelo prazer de criticar.
Vinícius Marino:
Foi muito mais um voto de confiança da professora (e da amiga) no crescimento pessoal da Violet. É isto que bons professores fazem e fechou direitinho o arco do episódio.

E isso para não entrar no tu quoque: quantos shonenzões por aí não trazem protagonistas mary sues colocados em posições de extrema responsabilidade depois de pouco ou nenhum treinamento? Se ISSO incomoda os críticos, talvez anime não seja o hobby para eles.

Fábio "Mexicano":
Não é?
Diego:
Talvez seja falha de interpretação minha, mas enxerguei que a Violet, naquele ponto da história, já teria escrito diversas cartas como treinamento na escola, sempre falhando. Sim, numa escola normal uma só nota acima da média já garante a graduação, mas Violet quis vender aquela escola como formando a elite da elite em termos de Dolls, então mantenho que ela receber o broche após uma tentativa bem sucedida me soa um voto de confiança até demais por parte da professora. Mas não é realmente nada extremamente detrimental para o episódio em si. Dito isso, considerando que o broche provavelmente não será lá muito relevante para a história, talvez fosse melhor ela não ter o ganho ainda, e o episódio terminar com a noção de que ela está melhorando, sem dúvida nenhuma, mas que ainda tem um longo caminho a percorrer.
Fábio "Mexicano":
Eu também entendi que ela escreveu várias cartas. Tudo o que eu disse foi levando isso em consideração.

Ela não era capaz, agora ela demonstrou que é. Mesmo em “escolas de elite” é assim que funciona: a hora que você prova que é capaz, você é aprovado. Quanto a ganhar o broche depois: er… não. Isso não é um anime escolar. A escola não vai aparecer nunca mais. Ou bem ela termina o episódio “aprovada” ou termina “reprovada”. Você ainda a reprova?

Diego:
Sim. Nunca disse para ela ganhar o broche depois: por mim ela ficaria sem ele mesmo.

(ok, o “ainda” foi uma escolha infeliz de palavras, ignorem ele 😛)

Fábio "Mexicano":
Eu estava pessoalmente pronto para ela não ganhar broche nenhum. Para mim já estava claro o avanço dela. Mas acho que para ela isso não ficaria claro, e se não estivesse claro que incentivo ela teria para seguir por aquele caminho? Ela é uma militar afinal, então entendo a escolha criativa.
Gato de Ulthar:
Só resta saber se agora ela conseguirá manter um “nível” de qualidade em suas cartas. Certamente ela ainda dará umas boas tropeçadas.
Fábio "Mexicano":
Foi uma situação bastante específica. Como o Vinícius disse, o cara era um militar. Ela não entende direito sentimentos ainda, mas com certeza consegue se identificar mais com um ex-militar, como ela. Foi uma carta curta, simples.
Vinícius Marino:
Dito isso, não deve haver falta de pessoas tocadas pela guerra na cidade. Se Violet conseguir fazer de sua experiência um prisma pela qual consegue se comunicar com os outros, isso já fará dela uma excelente ghostwriter.

Aliás, isso daria uma belíssima mensagem sobre o trauma e sua superação, encarando-o não como algo a se esquecer, mas uma peça que incorporamos no nosso amadurecimento.

Fábio "Mexicano":
Isso é uma grande verdade! Vai de encontra à minha interpretação de que a Violet não é “incompleta” ou “deficiente”, ela não precisa “mudar”, ela só precisa aprender algo novo, e adicionar isso às suas experiências pessoais – não é mudar, é crescer mesmo.
Fábio "Mexicano":
Agora vamos falar de algo que apenas tocamos no café anterior? Segundo me informei, a KyoAni não só mudou a ordem da light novel original, como quase tudo até aqui foi conteúdo novo. Parece que só partes do primeiro episódio estão no original – as revelações sobre o Gilbert. Todo o resto nesses três episódios é essencialmente novidade.

Na light novel, os capítulos estão em ordem não linear, e a revelação sobre o Gilbert em particular vem só no final. Eu não li, mas vou opinar aqui mesmo assim: me parece difícil você transmitir direito o crescimento de um personagem dessa forma. Quero dizer, se os capítulos estão em uma ordem qualquer que não a cronológica, então vamos ver primeiro a Violet escrevendo mais ou menos bem, depois sendo um desastre, depois uma mestra, depois muito mal de novo…? Como enxergar o crescimento pessoal dela nisso? A graça da light novel residiria, me parece, em descobrir o mistério sobre quem era e o que aconteceu com o Gilbert. Por isso fãs que leram a light novel xingaram muito no twitter depois do primeiro episódio.

O anime parece que vai por outro caminho. Contou o começo no começo, inventou um prólogo para conhecermos melhor a personagem e seu mundo e vivência, tirou qualquer “mistério” do meio do caminho, e o diretor disse em entrevista que vai contar a história em ordem cronológica, o que vai colocar todo o foco dramático no crescimento da Violet. O que pensam a respeito? Será que existe hipótese de que da forma da light novel seja mesmo melhor?

Diego:
É perfeitamente possível mostrar o desenvolvimento de um personagem contando uma história não linear. Baccano fica saltando no tempo literalmente a cada cena, e ainda funcionar muito bem. Ok, ali não é uma história episódica, mas ainda consigo ver a novel de Violet funcionando sem problema nenhum. Mesmo porque, duvido que a novel seja essa casa da mãe joana que você descreve, Fábio 😛 Provavelmente vemos a Violet melhorando aos poucos juntamente de alguns “episódios” em flashback pra contar como ela chegou até ali. Aliás, um anime recente que fez algo parecido foi inclusive Princess Principal, que primeiro nos apresenta essas personagens e aí vai saltando no tempo para ir introduzindo melhor cada uma.

Já sobre qual forma é a melhor, pra isso eu teria de ler a novel e ver o anime até o final. Com a informação que temos até agora, só digo: eu não sei.

Fábio "Mexicano":
Eu não vi desenvolvimento de personagem em Baccano. Eu maratonei, vá lá, talvez tenha “visto errado”, mas para mim foi só um anime cool sobrenatural e de ação.

Princess Principal já dá para levar mais a sério. Mas o começo veio no começo (quase, na verdade – foi o primeiro arco depois do episódio inicial; teve flashback mais tarde só para aprofundar, mas o suficiente já havia sido contado). E o final veio no final. Há desenvolvimento de personagens, mas não da amplitude que provavelmente vamos ver em Violet Evergarden. E, de novo, é mais um anime cool de ação do que qualquer coisa. Acho que você gosta desse gênero 😃

Diego:
Não tem exatamente muitos animes episódicos contados fora de cronologia, dá um desconto ‘3’ Mas insisto que dá sim para mostrar o desenvolvimento da personagem. O capítulo 1 serviria pra estabelecer o “aqui e agora”, em referência ao qual o que vier depois aprofundar no desenvolvimento da personagem (para onde ela vai) e o que vem antes aprofunda em como ela era (de onde ela veio). Isso falando de forma totalmente especulativa, claro, como eu disse eu teria de ler a novel para saber mais rs
Fábio "Mexicano":
Aprofundando a análise de Princess Principal, que eu cobri no meu blog então entendo um pouquinho: tem a história da Ange/Charlotte, e as histórias das demais garotas. As demais têm todo o seu desenvolvimento em algum arco no meio do anime – ou, se não desenvolvimento, um arco dedicado a mostrar quem elas são. O arco principal (Ange/Charlotte) é contado em ordem cronológica, como já disse. Então os desenvolvimentos de personagem, em si, em Princess Principal, ocorrem em ordem cronológica apesar do anime em si ser em ordem não cronológica.

Em Violet Evergarden só temos uma história de verdade para contar. Não imagino o anime se aprofundando muito em outros personagens. Talvez quem sabe o Hodgins, mas ele pode ser “resolvido” em um arco só. Quaisquer outros personagens podem ter sua vida resolvida em um episódio solo.

Vinícius Marino:
Desenvolvimento de personagem em linhas acronológicas talvez não seja tão comum em animes, mas no cinema e literatura esse recurso é usado há muito tempo. Em suma: sim, funciona.

Agora, sobre Violet em si. Não li e nem pretendo ler a novel original, mas não me parece que a morte do Gilbert seja um mistério legal o suficiente para segurar a trama toda. Dado o contexto de guerra, creio que cedo ou tarde nós mataríamos a charada do que realmente aconteceu. Por isto não me incomodo com a mudança de ordem narrativa.

Dito isso (e perdoem-me pelo preconceito) mas light novels costumam ser bem ruins como literatura. Então tenho uma resistência a acreditar que uma novel seja “melhor” que qualquer coisa.

(Talvez um dia eu engula minhas palavras)

Fábio "Mexicano":
Em um filme é relativamente fácil contar uma história fora de ordem. Mas sabe de exemplos (bons exemplos) em mídia seriada, como anime para TV?

E depende também do quão “não linear” for. Um simples in media res, que em dado ponto retorna para contar como a história começou e quando chega ao início da narrativa parte para o clímax sem dúvida é não linear, mas bem menos do que simplesmente histórias soltas, episódicas, como parece ser o caso de Violet Evergarden.

Vinícius Marino:
Aí você me pegou. Saindo do mundo dos animes, um exemplo que me vem à mente é Breaking Bad. Cada temporada nos traz flashforwards do protagonista Walter White transmutado em Heisenberg, sua persona no universo do tráfico. Os flashforwards se desenvolvem ao longo dos episódios ao mesmo tempo em que a trama principal prossegue linearmente, mostrando-nos como ele chegou até lá.

O exemplo mais inventivo acontece na segunda temporada, quando temos uma sequência de episódios com os títulos “737”, “Down”, “Over”, “ABQ”. A princípio, os nomes parecem arbitrários. Porém, lidos de forma corrida, eles viram uma premonição do final da temporada, quando um avião cai sobre a cidade de Albuquerque. Tragédia que era anunciada em flashforwards no início de cada episódio até então.

Fábio "Mexicano":
Acho super divertido o uso de informação além da narrativa para contar a história. Fico prestando atenção em coisas como aberturas e encerramentos (só para ficar no caso dos animes, que de longe é a mídia que mais consumo), por exemplo. Mas é fácil escorregar para super-interpretação fazendo isso… 😃
Vinícius Marino:
Falando nisso, acabei me lembrando de um exemplo entre animes: Kara no Kyoukai. Ok, não é uma série stritu sensu, e sim uma série de filmes. Mas ele lida competentemente com linhas temporais bagunçadas. As personagens – e sobretudo a protagonista, Shiki – mudam radicalmente de filme para filme. Parte do apelo da série é descobrir que eventos traumáticos as fizeram evoluir do ponto A ao ponto B.
Fábio "Mexicano":
Depois de uma série de Fates frustrantes eu tenho medo de embarcar em mais um anime da Type-Moon…
Gato de Ulthar:
Kara no Kyoukai é algo que quero ver ainda. Também acho que seja possível contar uma história não linear de maneira efetiva. Mas tenho pra mim que a escolha do diretor para Violet Evergarden foi a mais acertada. Uma maneira tradicional de contar uma história me parece que é o mais adequado para o tipo de obra que Violet Evergarden é. Quanto às novels, não li e nem lerei, ainda não me sinto motivado a iniciar-me neste tipo de literatura.

Falando em obras que a cronologia é modificada, eu sempre me lembro do ótimo filme Amnésia (Memento), do diretor Christopher Nolan, onde o filme é contado na maior parte do tempo de trás para frente.

Fábio "Mexicano":
Bom, independente do debate sobre a possibilidade ou não de desenvolver personagens com uma narrativa não linear, independente de haver bons e maus exemplos de animes e de histórias em outras mídias que usam narrativa não linear, acho que ninguém aqui vai discordar que, de forma não linear, é mais difícil. E, por tabela, mais fácil errar. E eu estou satisfeito com a escolha pela segurança que a produção do anime tomou.
Fábio "Mexicano":
Para encerrar, qual vocês acham que é o próximo grande obstáculo que a Violet vai precisar superar, depois de ter um vislumbre sobre como traduzir sentimentos em palavras?
Gato de Ulthar:
Quando ela se der conta do que é o amor, ela vai sentir muito mais falta do Major do que sentia antes. Penso que ela vai querer tirar essa história a limpo.
Vinícius Marino:
Todo o resto? 😂 Violet precisará se readaptar à vida civil. Especificamente, criar um propósito para si que não envolva o major.

Não descarto ela se apaixonar por outra pessoa ou até mudar de vida.

Diego:
Pra começar a menina precisa aprender a fechar a boca de vez em quando 😛 Mas superado esse “pequeno” problema, imagino que o anime não vai mudar muito a sua fórmula até o fim, e espero encontrar aqui diversas histórias sobre pessoas e seus entes queridos, fazendo a Violet entender o amor em suas variadas facetas até que ela finalmente entenda de fato o que “eu te amo” significava naquele momento específico e para o major em específico.
Fábio "Mexicano":
Legal, cada um trouxe um elemento bem diferente, nem preciso especular dessa vez, deve ser tudo isso daí mesmo ☺ Até a próxima, então!

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