“Sabes qual é a minha preocupação maior? É matar o tédio. Quem prestasse este serviço à humanidade seria o verdadeiro destruidor de monstros”. Se Eugène Fromentin, pintor e escritor francês do século XIX, de repente fosse transportado para o ano de 2018 e assistisse os episódios de Asobi Asobase, talvez exclamasse em alto e bom som “Encontrei!”. O episódio 4 da série é arrasador. Testa os limites de sua comédia de gags surreais sem perder o “fio da meada” em nenhum momento. E uma das grandes sacadas do episódio é a retomada do shogi como um esporte em que as pessoas lançam laser de suas nádegas. Ou melhor, a revelação da fonte em que Hanako extrai essa informação absurda. Um acerto notável do roteiro, construindo conexões entre os esquetes. O que traz o elemento surpresa para a singular loucura que marca Asobi Asobase.

No episódio, somos apresentados a Maeda, um tipo de empregado da família de Hanako. Quando criança, ela gostava de perguntar o que desconhecia ao agregado, que sentia imensa alegria em responder. Só que um dia, Hanako lançou uma dúvida para cima de Maeda: o que é shogi? Ele sabia que se tratava de um jogo, mas não tinha ciência alguma das regras. Para evitar que ela pedisse ser ensinada, Maeda inventou uma mentira, contudo revelou uma verdade sobre si: shogi é o esporte em que se lança laser pela bunda, algo que Maeda consegue fazer e precisou demonstrar para a menina. E Hanako passou a acreditar na natureza intrínseca entre shogi e ânus, porquê testemunhou esse fenômeno por toda a sua infância. Até o dia em que o clube de shogi reivindicou a sala ocupada pelas passatempeiras. Fim de uma ilusão e o encanto pelo laser atirado pela bunda se finda, com Hanako sentindo incomodada com a peculiaridade que acompanha Maeda.

Como era fofa a Hanako, toda empolgada com a novidade: shogi é um esporte em que se lança laser pelas nádegas.

A história ganha reforço em seus contornos logicamente disparatados (ou disparatadamente lógicos) quando Maeda interage com as garotas na escola. Para começar, ele é extremamente servil a Hanaka – talvez por devoção ao avô dela –, que o trata como “coiso”. Essa “coisificação” refere-se menos a uma anulação do sujeito que a função que ele exerce na casa dos Honda. E essa é uma piada que ainda pode render ao longo da série.

Não basta ser insano, tem que aterrorizar. Proteja-se, Kasumi-san!

A presença dele faz o medo que Kasumi-san sente de homens exteriorizar-se com força. Investir em uma fobia tão séria como essa em busca de comicidade é uma aposta arriscada. Mas Asobi Asobase consegue controlar sua loucura, levando-a até o ponto em que as sandices que Maeda fala e as que cercam sua vida reforcem, com o acréscimo do sentimento de nojo, o medo de Kasumi.

Maeda, na verdade, é uma personagem excêntrica e patética, conduzida a um tipo de humor que beira o ridículo, mas que ao mesmo tempo comove. Afinal, ser abduzido e ter uma arma laser colocada no ânus, tornando a necessidade fisiológica de defecar um ato doloroso e prejudicial (destruindo vasos sanitários), é tragicômico. Definitivamente, essa é uma narrativa triste e hilária. Ainda mais quando ele confessa ter sido salvo pelo vovô Honda e que agora só arrebenta o vaso sanitário quando tem uma diarreia (revelando isso com uma incrível sinceridade).

Sobre o medo de Kasumi em relação aos homens, a contradição é que ela curte yaoi, faz até uma fanfic com personagens de Harry Potter. Porém como são homens 2D e que não se interessam por mulheres, ela se sente confortável em que consumir e desenhar produtos relacionados ao gênero. Por essa informação dá para perceber a extensão de seu problema, que aumenta com a tentativa de Maeda de apresentar um enredo de fantasia erótica entre um goblin e anão e, principalmente, pela sua história de como adquiriu o “poder” de lançar laser pelas nádegas. O segmento também revela a otaku que é Kasumi e que a Chisato-sensei compartilha da mesma paixão.

A sensei com as amigas: é bom saber que Chisato tem vida social. Falta só encontrar o amor.

Chisato-sensei está se acostumando com sua posição (quase forçada a assumir o posto) de conselheira do clube. Ela tem mais espaço no episódio. Primeiro, no pequeno esquete em que descobrimos que Olivia deseja ser uma lutadora de sumô e que sua visão do paraíso é um lugar repleto de garotas digladiando-se de biquíni. Em uma disputa de teoshi sumô entre Hanaka e Kasumi, Chisato mostra-se entusiasmada apoiando Hanaka, quando ela está prestes a ser derrotada. A professora tenta interagir com as meninas, o que funciona muito bem para série, já que ela precisa entender e lidar com a ironia de três garotas bem distintas entre si, mas que atingem um nível de entrosamento assustador quando preciso. Em outro segmento, Chisato encontra ex colegas de classe. O que revela que ela tem uma vida social. No encontro, a professora toma conhecimento da existência dos quatro deuses do passatempo e que um deles estuda na escola em que uma de suas amigas é docente. Dessa descoberta, vem uma seção divertida que revela mais da personalidade das passatempeiras.

A deusa do passatempo é uma ganguro que traz alguns elementos tribais em sua maquiagem. Logo, as garotas descobrem que o título recebido pela jovem se deve ao fato dela ter dormido com todos os meninos das escolas próximas. É o sinal para que Hanako, Olivia e Kasumi enfrentem a deusa para fazê-la cair do panteão. No entanto, toda as tentativas para desqualifica-las falham, já que a ganguro é estudiosa, obediente em relação às regras, excelente nos jogos de passatempo e, ainda por cima, gentil. Um tiro que sai pela culatra. É impressionante o quanto Hanako é competitiva e como se torna tão facilmente risível quando quer superar uma “adversária”. A maquiagem de Coringa que usa para se equipar a da ganguro é terrivelmente engraçada.

Homens? Só se for em yaoi. A diversão da otaku Kasumi.

Para completar, o episódio é um verdadeiro manancial de referências culturais e ao mundo pop. Oscar Wilde como subterfúgio para esconder um fanfic yaoi, Harry Potter com um amante, o Chōjū Giga, pergaminhos de meados do século XII, nos quais as histórias tinham como personagens animais caricaturados, que conduz a uma conversa sobre sumô e uma citação a Ni-chome, no distrito de Shinjuku, local de efervescência da subcultura gay de Tóquio entre outros.

Arma laser introduzida com sucesso. Malditos aliens!

O ritmo quase alucinado com que joga com as referências culturais e as insanidades que vão brotando por todos os lados são o que tornam Asobi Asobase fora do comum. O episódio 4 é o melhor exemplo dessa composição, ainda com o acréscimo de novas personagens ao elenco e adições ao que já conhecemos das protagonistas. Até o momento, Asobi Asobase é um triunfo nos quesitos exagero e inteligência. Na verdade, na junção desses substantivos. Então, que continue a destruir monstros.

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