Exibido na temporada de Abril em 2017, Kabukibu é um anime de comédia escolar baseado no mangá curto (2 volumes) de Yuuri Eda. Produzido pelo Studio Deen e dirigido por Kazuhiro Yoneda (Akatsuki no Yona e Hoozuki no Reitetsu 2). A série se dedica a nos mostrar o que é o kabuki, e o desempenho de jovens pra levar o valor dessa arte secular ao público, crescendo como artistas e pessoas no processo.

Kurogo Kurusu é um estudante do ensino médio comum que ama kabuki do fundo coração e é em nome desse amor que ele decide propagar a arte pela escola e irradiar isso pra fora. O que o protagonista não contava é que as coisas não seriam tão fáceis pra ele, primeiramente pela própria demanda do kabuki, já que ninguém dava a mínima para o que ele representa. Segundo, porque existia para além do primeiro problema, as questões da criação de um clube, incluindo o talento de cada membro para a performance.

Particularmente eu não dava nada pra esse anime, imaginava ser algo que viraria meu guilty pleasure da temporada, mais um genérico que eu adoraria curtir e que entraria pra minha lista porque sim. Não foi assim. Acho que o primeiro passo pra entendermos o potencial da história e a riqueza dos pequenos detalhes que ela buscava trazer é entender o que de fato é essa coisa do kabuki.

O kabuki é uma espécie de teatro japonês, originário dos fins do século XVI, por Izumo no Okuni. Essa arte performática engloba dança, canto e a própria atuação – essas características têm a ver com seus ideogramas no nome. Embora as mulheres tivessem significação para o kabuki, apenas os homens ficaram em condições de participar da apresentação (inclusive interpretando papéis femininos), devido a problemas com o shogun do período – o kabuki também enfrentou uma série de intempéries políticas a mais no caminho, mas não pretendo me ater a nenhuma delas aqui no momento.

Em sua estrutura, as peças são bem longas e de difícil entendimento numa certa escala; a música de fundo é um elemento constante e presente em cada performance, dando mais personalidade ao que se tenta trazer e até mesmo os locais de apresentação possuíam particularidades muito próprias que atendiam as necessidades dessa arte secular.

Resumindo isso tudo que coloquei em poucas linhas, o kabuki é uma arte que possuía inúmeras limitações pra que os protagonistas da nossa história movessem as pessoas ao seu redor e conseguissem algo com ela. Mesmo passando uma impressão difícil, nos dias de hoje é notório que várias dessas barreiras foram ultrapassadas e o kabuki permanece de pé e bem visto pelo público, inclusive o anime trabalha com esses contornos dados de uma forma bem legal.

Ao longo dos episódios Kurogo vai reunindo seus aliados e descobrindo as habilidades de cada um, em conjunto com as autodescobertas que cada um vai fazendo em sua jornada de aprendizado do kabuki e autocrescimento pessoal.

Os personagens são bem simpáticos, cada um ao seu modo, e têm características ou panos de fundo que justificam suas personalidades atuais. Kurogo conta com a forte influência de seu avô, seu conhecimento vasto e curiosidade, empregando todas as suas forças pra conquistar as pessoas com o kabuki. Já Tonbo Murase é o melhor amigo de infância do rapaz e quem o ajuda em seus planos mirabolantes e recrutamento, usando toda sua inteligência e capacidades pra sanar os pontos cegos do parceiro na realização de seu sonho.

Shin Akutsu é o primeiro da lista de candidatos, um pseudo idol incompreendido da escola cuja história entre seus pais é bem conturbada e que mais tarde acaba trazendo a ele uma grande evolução e amadurecimento, principalmente quando ele tenta entender quem é de verdade e qual o seu papel como parte do kabuki que ama, mas insiste em resistir pelas circunstâncias familiares – que inclusive resulta em um twist bem interessante mais adiante na história.

Kaoru Asagi, a “príncipe” do ensino médio, exala uma forte aura, beleza e talento pra atuação – inclusive fazendo parte do clube de drama -, que no começo não entende o valor do kabuki e ainda enfrenta a questão de ser uma das raras mulheres que fazem parte desse mundo. Apesar de inicialmente parecer rasa, ela é provavelmente o membro mais equilibrado do grupo e a mais bem resolvida em linhas gerais.

Hanamichi Niwa ou Hana-chan, pertence a uma família de excelentes artistas da dança japonesa tradicional e é muito bom no que faz. Contudo, mesmo considerado um prodígio, ele enfrenta algumas barreiras relativas a sua dança, a feminilidade de sua arte e o seu eu masculino, se perdendo em concepções engessadas de força e delicadeza.

Temos também a Maruko Jyanome, nossa maravilhosa figurinista e dona de uma personalidade forte e inabalável, que encara qualquer um que a subestime. Ela ama cosplay, mas não os usa e decide empregar suas habilidades para o clube como forma até de ganhar visibilidade. Maruko conhece Shin do primário e é também uma das aliadas responsáveis pelo equilíbrio emocional e reconstrução dele ao longo do anime – de longe uma das melhores personagens.

E por último mas não menos importante, temos Jin Ebihara, também vindo de uma família tradicional como Hana, porém no segmento do kabuki, onde sendo amplamente conhecidos. Jin já atua como profissional, porém ainda numa escala menor se comparado aos seus familiares. Ele tem dramas pessoais em torno de seu próprio talento e por viver a sombra da glória de seu pai e do avô – é o personagem mais problemático e chato de absorver, inclusive resistindo por mais da metade da série desnecessariamente, mas também se desenvolve muito com o apoio da família e o esforço dos colegas e amigos.

Kabukibu faz um trabalho legal no desenvolvimento dos personagens, inclusive na trajetória deles como artistas. Cada membro do clube vai assimilando o seu lugar no mundo, seus dons, o valor de seus desejos e vão evoluindo com isso. Kurogo, por exemplo, vai redescobrindo seu papel para o kabuki e mudando – o que é bacana porque não força uma pessoa cuja aptidão não é tão alta a ser o que quer e ponto final. Existe uma ordem nas coisas que vão além da força do querer e do protagonismo puro, e esse anime faz isso de uma forma agradável.

Os demais personagens secundários que tinham menor peso e sem grandes pretensões também têm um papel importante na história porque eles vão passando para os holofotes em pequenas doses. Eles têm uma participação bem ativa na história, agindo por si ou apoiando os principais em seus momentos de incerteza e tentativa.

Acho que entre todos os mais significativos seriam a Riri, amiga de infância do Hana-chan, que é um “bombril” no grupo, o Kazuma, que sai do clube de drama pra perseguir um novo caminho, e o pai do professor Toomi, que age como um mentor do grupo os orientando diversas vezes. São muitos personagens que têm lá suas camadas e pouco tempo de trabalho, mas acho que fizeram o necessário aqui.

No geral, dá pra ver que Kabukibu também tenta trabalhar o mínimo de realismo dessa arte não só na execução das peças, como na explicação da dinâmica pra nós que estamos acompanhando o processo e não sabemos nada sobre. Até mesmo nos toques pessoais que os personagens vão inserindo para as suas adaptações existe um grau de cuidado que não descaracteriza os anos de tradição do kabuki – coisas essas que já existem no cenário atual e que são mais do que bem-vindas pra melhor apreciação dele.

Tecnicamente o anime faz um trabalho decente, na parte da arte ele é mediano, sendo consistente em alguns momentos e se atrapalhando um pouco em outros, mas de modo geral a experiência é satisfatória e não deixa a desejar. Quanto a parte sonora, já desempenha um trabalho melhor que ajuda bastante na imersão dentro do que é o kabuki.

Creio que muitos devem ter desistido do anime pelo seu andamento lento – muito disso pelo tipo da arte explorada – e por tentar não ser tão profundo, tratando apenas do suficiente pra nos inserir na história e dar uma resolução coerente aos problemas iniciais apresentados – o que é triste, pois o anime é bom dentro do que se oferece a mostrar.

O que posso dizer é que Kabukibu definitivamente é uma das gemas perdidas de 2017 e que tem algo a ensinar pra aqueles que se fascinam com os elementos da cultura japonesa e uma história bem contada para as suas limitações.

Deixo aqui a minha recomendação a todos!

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