Poderia dizer que escrevi esse artigo com os pés porque estava usando as mãos para aplaudir, mas a verdade é que não foi assim, pois já aguardava um episódio desses, o anime já havia dado indícios de que a maré de sorte das crianças estava demorando muito, estava tudo dando certo demais para elas quando um revés era necessário para lembrar aos inocentes rebeldes do desespero que não sentiam faz muito.

Há uma verdadeira muralha a ser atravessada e não é da física que estou falando, mas sim da Mamãe que sacou das melhores cartas para manter o rebanho. É hora de Neverland no Anime21!

A primeira metade do episódio é dedicada a Irmã Krone, alguém que já havia sido derrotada desde o princípio, que estava jogando um jogo sozinha. Acho que o pior para ela não foi perder – sim, isso foi horrível –, mas a forma como ela perdeu, com a certeza de que todos os seus esforços foram em vão.

Contudo, quando você encara o desespero você muda, faz coisas que não faria normalmente, da voz a um grito que sufocou por algum motivo.

No caso dela, foi dado voz a um grito de sobrevivência. Se eu não falar que foi mais por ódio, por vingança, a quem puxou seu tapete, eu estaria mentindo, mas como julgar alguém que apenas estava pensando em sobreviver na melhor condição possível?

E uma condição que sequer era tão diferente, era só a menos pior disponível. Na ficção costumamos exaltar o abnegado e o justo, mas ser egoísta é da natureza humana, pensar em si é o mínimo que se espera.

Um ato de rebelião frente a todo esse desespero.

A Krone foi assim, a última mensagem deixada por ela para as crianças foi o golpe de uma gladiadora já derrotada, mas que não havia perdido a fé de que poderia fazer alguma coisa. Talvez ela até tenha pensado em fugir para ser livre – para não ser gado –, mas ela conhecia os próprios limites, além de que nunca deve ter sido impelida a se rebelar ou teve a chance de descobrir a verdade para daí sim poder fazer alguma coisa.

A cena dela com a Vovó foi emblemática nesse sentido, afinal, vimos Krone quando pequena e depois quando adulta, sempre fazendo esforços que no fim não a levaram a nada!

Aliás, o trecho de flashback dela é coisa do anime, foi algo que só acrescentou qualidade à direção do episódio. Eu não lembro se o breve flashback da Vovó lidando com um caso de rebeldia foi algo só do anime, mas de uma coisa eu tenho certeza. Se você ligar os pontos poderá teorizar o que está por vir.

A Krone pode ter sido uma vilã, mas também foi uma vítima como todas as outras crianças.

Não é tão difícil, mas deixarei essa tarefa para a sua imaginação, leitor(a). Meus últimos comentários dessa parte são sobre esse sistema de Fazendas. Ficou claro que existe um grupo de humanas que é treinado para assumir os cargos de Mamãe, Irmã e até mesmo de Vovó – que bela família, não acha? –, o que torna ainda mais compreensível que qualquer intento de rebelião seja encoberto.

Cadáveres não falam. As crianças não poderiam contar aos Demônios que tentaram fugir se fossem impedidas – e acho que nem iriam se pudessem, né? – nem conseguirão fugir se forem enviadas. E, sendo assim, para manter o serviço de qualidade que elas oferecem basta que tudo seja evitado, cortado pela raiz.

Como o “serviço sujo” é terceirizado, eu entendo essa leniência, essa forma de lidar com a rebelião é compreensível. A Krone não se deu conta disso, de que vazar esse tipo de informação para o cliente só prejudicaria o sistema de cuidado vigente e por isso foi descartada como se fosse lixo.

Lixo não, e sim carne que deve ser dada a demônios de casta menor, porque ela nunca foi um prodígio como as crianças que tentou ajudar a sobreviver em seu último grito de resistência contra um sistema podre.

Enfim, me alonguei demais nessa primeira metade quando foi a segunda que mostrou as verdadeiras cores de Neverland, quem é e do que é capaz Isabella; a Mamãe de todos os “pratos” da Plantação 1.

Há maneira mais triste de morrer do que sabendo que todos os seus esforços foram em vão?

O plano de distrair a Mamãe para investigar o mundo exterior não era ruim, mas, por que não agir de madrugada ou em uma situação mais favorável? Sim, para manter aquele rostinho lindo sem olheiras ela com certeza estava tendo ao menos algumas horas de sono por noite. Mas enfim, não tinha como prever que ela sacaria tudo e agiria ali, mas sequer considerar a possibilidade foi um erro grave deles.

Tudo isso partiu da certeza do Ray de que ele estava conseguindo manter a Mamãe sob controle, o que só expõe a diferença entre o psicológico de um adulto e de uma criança. A Mamãe foi audaciosa, o Ray, tolo; por não pensar no pior cenário possível dois, três passos à frente, e por isso acabou sendo descartado como o pião útil – porém dispensável – que era. E esse foi só o começo do contra-ataque!

Não é lindo ver um traidor sofrendo a sua própria traição?

O que rola a seguir é o descarte das máscaras que os personagens usaram ao longo de toda a trama. A Isabella de muito antes, desde que se entendia por Mamãe; e as crianças desde que se entendiam por gado.

Não adiantaria mais fingir ali, não havia escapatória ou meios de contra-atacar nem seguir em frente com o plano. A tentativa foi em vão, eles correram como macacos na palma de Buda ante algo que ainda os daria esperanças, mas não depois do que foi revelado pela quebradora de pernas

Aliás, quebrar a perna da Emma foi de uma maldade sem fim, mas cruel mesmo foi dizer que o envio do Norman estava marcado para o dia seguinte. Um passo que a gente via sendo dado a quilômetros de distância se pensarmos que era óbvio que a Mamãe faria algo para triturar as esperanças do gado.

Quando as máscaras caem nem o medo dá para esconder.

Se ela se livrou da Krone, por que não se livraria do Ray logo em seguida, e do Norman da forma mais brutal possível? Isso significa que o Norman vai morrer? Não necessariamente, não significa nem que ele obrigatoriamente saíra do jogo agora, mas que o que acontecer a seguir é um caminho sem volta.

Não existem mais máscaras a manter, talvez dentro da casa para não provocar o pânico nas crianças menores, mas não entre eles, as mentes que estavam se digladiando a favor e contra a liberdade de ser mais que gado.

Foi a melhor hora possível para isso acontecer, a possibilidade do Norman sair de cena agora é de uma crueldade e uma coragem sem igual para com o plano, porque ele era o grande articulador até ali, aquele que mantinha o equilíbrio entre as personalidades da Emma e do Ray, que chamava a liderança para si e fez a situação chegar tão longe daquela maneira favorável para eles.

O Ray foi dobrado por ele, a Krone fechou a aliança com ele – a qual rendeu informação externa e uma que pode ser útil muito em breve –, o Dom e a Gilda estavam seguindo a liderança dele; e agora tudo isso irá por água abaixo?

Como a Emma e o Ray liderariam uma fuga impossível sem o Norman? Caso a saída dele do cenário atual no qual a trama se encontra se confirme, a história vai mostrar que está tentando ir além para tornar essa fuga tão gratificante quanto pode ser, para manter tudo instigante!

entendeu agora, Norman?

Pode parecer que essa virada em 360º aconteceu do nada, mas todas as peças estavam no tabuleiro, elas só precisavam ser movidas. Veremos qual dos dois vencerá no final, se será o amor questionável da Mamãe ou o grito de liberdade dos rebeldes.

Sim, porque a Mamãe acha que está certa sobre os seus atos, o que, de certa forma, não é incoerente. Ela está apenas seguindo o sistema contra o qual normalmente não se tem forças para lutar, ao menos não se você está sozinho. Mas a Emma, o Ray, o Norman, o Don, a Gilda e todas as outras crianças daquela plantação não estão sozinhas. E se ela, em sua mente distorcida e entregue ao conformismo, um dia amou essas crianças de alguma forma, ficará feliz em ser derrotada.

Se o destino final de todo ser humano é a morte, que ao menos morra lutando por aquilo em que acredita, que vale a pena ser protegido. Proteger as crianças da fome, do frio e da verdade – talvez a mais dolorosa entre todas essas dificuldades – pode garantir alguns anos de vida feliz a base de sorridos falsos e um futuro inexistente, mas será que isso é mesmo o melhor?

E a liberdade, ela esqueceu de dizer…

Fracassar não é o que angustia, mas desistir sem tentar e aceitar só o pouco que foi dado a você, sim. Se você fracassar com a certeza de que ao menos tentou deve morrer em paz consigo mesmo, tendo a dignidade que perderá no momento em que se deixar engolir.

A Isabella foi engolida e por isso não é estranho que queira o mesmo para as suas crianças. Só que todo filho tem uma fase rebelde, não é mesmo? As crianças de Neverland estão na delas e se elas vão conseguir provar seu valor, provar seu ponto de vista sobre o dos pais, isso só dependerá dos esforços que farão a seguir, como lidarão com o desespero total e irrestrito que está tentando devorá-los antes de se tornarem “refeições de luxo”.

Como leitor do mangá só direi uma coisa: prepare-se, pois Neverland ainda renderá fortes emoções!

Diante da maior adversidade surge a maior oportunidade, agarrem a chave da vitória crianças!

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