Gift± – Tráfico de órgãos: médico clandestino quer salvar a vida de adolescente assassina
Bom dia!
Gift±, ou Gift Plus Minus, é um anime vertical baseado em mangá de mesmo nome. O anime está aparentemente completo com 20 episódios, embora o mangá continue em publicação desde 2015. E nessa resenha eu vou chamá-lo só de Gift mesmo.
O que é anime vertical? Publiquei antes uma resenha do aplicativo Anime Beans, que é uma plataforma online mobile de streaming de anime (e outros vídeos que não me importei em descobrir). A maioria, talvez todos os seus animes, são verticais, ou seja, vídeos feitos para serem assistidos com o celular de pé.
Não vou repetir coisas que eu já disse sobre o Anime Beans na resenha do aplicativo a não ser que eu considere necessário. Depois de testar o app, achei por bem assistir um dos animes que ele disponibiliza em inglês, e o escolhido foi Gift.
Eu não sei se deveria, mas estou orgulhoso do título que dei a esse artigo. Tenho certeza que se fosse uma light novel, esse seria o título de Gift. É um thriller de horror gráfico no qual Tamaki Suzuhara, a protagonista, é uma adolescente a maior parte do tempo com cara de entediada e que absolutamente odeia pessoas que não respeitam a vida.
Ela caça essas pessoas para matá-las e remover seus órgãos, que são então vendidos no mercado negro. O plano dela não é enriquecer, mas sim acabar com uma vida que não vale nada para salvar várias outras. Dá para pensar muitas consequências disso, como por exemplo um dos órgãos que ela retirar acabar salvando a vida de um serial killer, por exemplo. Como ela reagiria? Como se sentiria? Talvez o mangá lide com isso, mas no anime nada muito complexo acontece.
Do outro lado, o doutor Takuma Hanabusa tem uma clínica de transplantes ilegais. Ele é procurado pela polícia por ter matado o dono da clínica onde trabalhava antes e a incendiado, então ele atende agora por Hayashi. A Tamaki foi paciente dele, e ele está a procura dela para poder “curá-la”. Ela, aparentemente, também gostaria de reencontrá-lo.
Parece uma ideia legal, não é? Pode ser executada de várias formas, e Gift escolhe a violência gráfica, com sangue jorrando e órgãos humanos delicadamente empacotados, estética mundo cão, o que não é nada mal.
Mas com episódios de apenas dois minutos, não dá para desenvolver muita coisa, infelizmente. Os 20 episódios do anime adaptam apenas os 6 primeiros capítulos do anime. A história está inteira lá, mas com cortes abruptos de uma cena a outra e diálogos bastante curtos, não dá tempo de processar emocionalmente o que está acontecendo, o que é fundamental para que um enredo desses funcione.
A narrativa pelo menos é boa – certamente escolheram bem o material original. Ao invés de explicar qualquer coisa, como eu fiz alguns parágrafos atrás, o anime começa direto no meio da história. Os personagens aparecem conforme chega o momento de sua participação e os entendemos através de suas ações.
O único momento em que há narração é na hora de explicar que a fila de transplantes no Japão é enorme e são raríssimos os doadores. Não sei se os números do anime estão corretos, mas já li em algum lugar, que não vou me lembrar agora, que transplante é mesmo um problema sério de saúde pública no Japão. E por isso, segundo a história de Gift pelo menos, há um mercado negro de órgãos.
Suponho que para o público japonês isso seja desnecessário, já estava bem claro o que estava acontecendo e eles conhecem as circunstâncias de seu país, mas para o público estrangeiro, e esse anime está disponível em inglês precisamente para esse público, vem à calhar, embora ainda não me pareça indispensável. Em todo caso, não é como se tomasse muito tempo.
Antes de passar para o crime exatamente, a primeira coisa que vemos Tamaki fazer é salvar uma colega de escola que estava no topo do prédio e pretendia se suicidar. Ela simplesmente sobe no teto, dá uma bronca na garota porque ela deveria valorizar a vida, que é um presente de deus e etc, a garota cai e ela a alcança. Ao invés de puxá-la, a balançou para uma árvore.
Pragmática, pensa rápido, não tem medo de dano colateral. Essa é Tamaki. Ela não teria força para puxar a garota e ainda se arriscaria a cair junto, por isso a jogou na árvore, na esperança que amortecesse a queda. Funcionou. Poderia não ter funcionado e ela está ciente disso. Em todo caso, a garota pretendia se suicidar de qualquer forma.
Depois disso vem o primeiro arco de verdade no anime, no qual ela caçou um estuprador e assassino em série que havia recém saído da prisão e já tinha capturado sua primeira nova vítima. Tamaki a salvou – não sem antes dar uma bronca na mulher para que não saísse com qualquer desconhecido (vai saber se foi mesmo isso que aconteceu, mas Tamaki não se importa nem tem tempo pra se importar).
Esse arco serve apenas para conhecermos os personagens principais e entendermos a dinâmica do anime. Desde a captura do criminoso até o paciente que comprou um rim no mercado negro sendo operado, Gift apresenta toda a sua cadeia padrão de eventos.
O segundo e último arco porém é maior que o anterior e um pouco diferente. Tamaki encontra por acaso um bebê abandonado dentro de um armário em uma estação de trem, e não apenas o bebê foi abandonado como, adivinhe só, ele tem uma doença de nascimento e precisa de transplante de fígado.
Tamaki claramente fica muito fula da vida com a mãe que abandonou essa criança, quem quer que tenha sido. Ela pede ao seu parceiro no crime, Takashi, que é o verdadeiro responsável pelo negócio de venda de órgãos, e ele usa seus poderes de super hacker para descobrir quem é a mãe.
Um aparte para falar do Takashi. Ele é um super hacker mesmo, como uma história policial/criminal precisa ter. Eles não sequestram bandidos aleatórios para matar, a verdade é que ele tem acesso a um banco de dados do governo com dados médicos de todos os criminosos, e é com isso que ele faz os testes e encontra “doadores” adequados para seus clientes – como a Clínica Hayashi.
De volta ao caso do bebê, sua mãe é Kanan Aizawa, e ela vem tendo filhos e os abandonando desde os 16 anos de idade. Kanan tem um problema sério de autoestima e precisa que alguém diga que precisa dela (nem que seja só para transar) para que se sinta necessária. Fica implícito que ela cresceu sendo vítima de abusos sexuais.
Assim, presa no submundo de qual não consegue sair sozinha, ela apenas pula de homem em homem, trocando um monstro por outro sucessivamente, porque nesse ambiente ela não vai mesmo encontrar nada melhor. Ela engravida, dá a luz, se o pai ainda não a abandonou essa é a hora em que a abandonam, e ela se livra do bebê.
Porque na cabeça dela, enquanto está grávida, está sendo útil também: para o bebê que está crescendo dentro dela. Quando o bebê nasce, ela se sente abandonada, afinal, na forma perversa de pensar que desenvolveu, tanto homens quanto bebês não precisam mais dela e a abandonam quando saem de sua vagina.
E ela prefere abandoná-los a ser abandonada.
Não é muita coisa, mas por ter um arco completo, Kanan é mais desenvolvida que Tamaki e Takuma. Ela é capturada por Tamaki, que decide que ela é quem vai salvar a vida do próprio filho, já que o bebê precisa de um transplante.
Além do problema da falta de tempo para se engajar emocionalmente, que eu já mencionei, é impossível não notar a animação de baixíssimo nível orçamentário.
Basicamente, são apenas imagens estáticas maiores do que a tela se movendo através dela enquanto os personagens falam. Frequentemente, vemos o rosto de um personagem enquanto é outro que está falando, para dispensar até mesmo a básica animação da boca.
Eu sei que isso é de graça e é feito para celulares, dispositivos com capacidade limitada de execução de vídeo de todo modo, mas Gift – e tudo no Anime Beans, na verdade – é um exagero de economia. Não é feio pelo menos, mas só porque os quadros são quase retirados diretamente do mangá.
No final das contas, vale a pena? Sei lá. Provavelmente o mangá vale muito mais a pena. Mas vale pontos de otaku, você vai poder contar pros seus amigos que viu um anime que só está disponível em uma plataforma mobile, e não é muita gente que pode dizer isso.
Até o próximo artigo!