Hitoribocchi no Marumaru Seikatsu

Bom dia!

Se fôssemos escolher um problema social não diretamente ligada ao crime ou à pobreza, teremos entre as opções coisas como suicídio, queda nas taxas de natalidade, envelhecimento da população, e várias formas de alienação social.

Não à toa, no Japão, um país com alto índice de desenvolvimento e baixa criminalidade, todos esses problemas parecem muito mais urgentes, principalmente depois de quase três décadas de estagnação econômica.

Conforme os novos criativos japoneses cresceram nessas circunstâncias, essas questões passaram a ser temas tratados pela produção cultural japonesa, e, dentro ela, é claro, os animes.

Veja nessa lista oito animes que trataram da questão da angústia social, ou de forma mais abrangente da dificuldade em estabelecer vínculos com outras pessoas ou até mesmo, nos casos mais graves, o auto-isolamento do mundo.

Todos os animes dessa lista são comédias. Parece que é mais fácil tratar dessas coisas fazendo piada. É mais ou menos como nós fazemos piadas auto-depreciativas sobre nós mesmos para lidar com nossos problemas, defeitos e angústias.

A maioria oferece uma perspectiva positiva, uma sinalização para o leitor de que vai ficar tudo bem. Alguns são neutros, e um deles é inacreditavelmente trágico.

Note que há obras que tratam do tema de forma indireta ou alegórica, mas não é o caso desses da lista. Seus protagonistas são todos reclusos sociais, em maior ou menor grau.

Mãos à lista!

 

Slow Start

Slow Start

Hana Ichinose é uma estudante recém admitida no ensino médio. Hana tem um segredo: essa é a segunda vez que ela tenta entrar no ensino médio. Na primeira, um ano atrás, ela teve problemas e acabou não conseguindo entrar na escola para onde suas amigas e seus conhecidos do primário foram. Hana é também bastante tímida e introvertida, então a ideia de ficar estigmatizada como a garota que perdeu um ano a assombra, tanto que se mudou para longe e entrou em outra escola, onde ninguém a conheceria.

A protagonista de Slow Start não chega a ser terrível com relações sociais, é apenas bastante tímida mesmo, e logo faz amigas. Mesmo assim, e por mais que goste delas e confie nelas, não consegue revelar que é mais velha e que perdeu um ano antes de entrar no médio. Introversão não necessariamente impede que alguém estabeleça laços sociais, mas pode deixar paranoico com as coisas mais insignificantes.

Leia a resenha de Slow Start.

 

Hitoribocchi no Marumaru Seikatsu

Hitoribocchi no Marumaru Seikatsu

Esse anime ainda está em transmissão enquanto essa lista é redigida, mas a essa altura já é possível saber tudo o que é preciso sobre ele. Hitori Bocchi é uma garota terrivelmente introvertida. No primário só tinha uma amiga, mas elas foram para escolas diferentes no ensino médio. Temendo pelo pior, sua amiga de primário a fez prometer que faria amigas em sua nova escola, senão elas é que deixariam de ser amigas!

Introversão nesse nível é algo que só quem sente consegue entender, provavelmente. Bocchi com certeza passaria os três anos do médio sozinha não fosse a chantagem emocional cruel. Mas o que sua amiga poderia ter feito? Bocchi gagueja, fica enjoada, e treme tanto de nervoso que chega a ter cãibras quando tenta interagir com outra pessoa. Felizmente, ela encontra as pessoas certas e forma um grupo de amigas maravilhosas que a recepciona e a apoia – e elas descobrem rápido que Bocchi também tem muito a oferecer em troca por sua amizade, embora a própria garota não perceba que é tão importante para suas amigas quando elas são para ela.

Leia as primeiras impressões de Hitoribocchi no Marumaru Seikatsu.

 

Gugure! Kokkuri-san

Gugure! Kokkuri-san

Segunda vez em curto período de tempo que encaixo Kokkuri-san em uma lista! A primeira foi na lista de animes de comédia. Fazer o quê, o anime é bom e merece ser relembrado assim.

Kohina Ichimatsu é uma garota profundamente solitária. Ela não se sente constrangida ao interagir com outras pessoas, ao contrário das protagonistas das entradas anteriores, mas está tão removida do convívio humano (embora continue indo à escola, por exemplo) que não raro suas interações são bastante constrangedoras.

Morando sozinha, Kohina parece ter o dom de atrair criaturas sobrenaturais. O primeiro e mais importante é Kokkuri-san, um espírito de raposa que ela invoca em um troço parecido com um tabuleiro de ouija. Kokkuri-san pretendia possuir Kohina, mas acaba ficando preocupado com a vida solitária, pouco saudável (ela só come macarrão instantâneo), e infeliz da garota, por isso acaba decidindo ficar e tentar cuidar dela. Atrás da estranha crença de que é uma boneca, Kohina esconde uma tristeza profunda e, talvez, um trauma.

 

Kuma Miko

Kuma Miko

Machi Amayadori é a miko (sacerdotisa) de um templo dedicado a um urso no meio das montanhas em um vilarejo rural minúsculo e isolado. Por conta de sua função e da reduzida população do local, composta em grande parte de idosos porque os mais jovens vão embora, Machi não tem nenhum amigo exceto pelo urso do templo: Natsu Kumai. O sonho de Machi é ir estudar em uma cidade maior para fazer amigos e viver como uma jovem normal de sua idade.

Para a infelicidade de Machi, ela é também algo como um ponto turístico e apoio moral para toda a sua vila. Tendo vivido afastada do convívio humano normal, ela é bastante introvertida. Entre tentativas para convencê-la a desistir de mudar-se para fora da vila e planos mirabolantes para usá-la como atração local, absolutamente cada uma das pessoas que devia zelar pela garota falha com ela, e sua degradação emocional e mental acelera conforme o anime se aproxima do fim.

Kuma Miko é baseado em mangá, mas o anime tem um final original, tendo sido muito criticado pelo mangaká. Não obstante, foi um final de acordo com o que a pobre Machi é forçada a sofrer, ache-se isso bonito ou não.

 

Bem-vindo à NHK

Bem-vindo à NHK

Tatsuhiro Satou é um hikikomori. Jovem adulto, saiu da casa dos pais para fazer faculdade, mas a abandonou. Vive do dinheiro que mandam para ele e fica trancado em sua casa o tempo todo, quase sempre jogando, mas também consumindo pornografia, se drogando (o anime torna o uso de drogas menos óbvio do que é originalmente no mangá, mas está lá), e no geral fazendo nada de bom. Ele tem poucos conhecidos, e interage raramente com eles, embora sejam interações relevantes ao longo da história.

No auge de sua loucura, conclui que NHK (a rede de televisão estatal japonesa) é a responsável por ele ser um hikikomori, e que o objetivo secreto e nefasto dela é justamente esse, criar reclusos. No pior momento de sua vida, ele conhece Misaki Nakahara, uma garota que primeiro se apresenta para ele como alguém capaz de curá-lo, mas que ao longo dos episódios revela-se mentalmente mais doente do que o próprio protagonista.

Clínicas de reabilitação, tentativas de suicídio, pouca coisa escapa à “Bem-vindo à NHK”, um anime que será para sempre referência no tema. E tem outra vantagem sobre todos os demais dessa lista: conta a história inteira do mangá. O final é diferente, porém igual (acontecem coisas diferentes, mas a moral e o resultado são os mesmos).

 

Mob Psycho 100

Mob Psycho 100

Esse é o mais popular dessa lista, não é?

Shigeo Kageyama é um garoto tímido e que, se não chega a sofrer para interagir com outras pessoas, não tem muita facilidade para isso. No mais das vezes ele simplesmente não sabe o que fazer, por falta de experiência ou porque fica travado. Não ajuda nada que ele tenha a autoestima tão baixa.

Detentor de um poder psíquico sem par, Shigeo é tudo menos uma pessoa normal, comum. Mesmo assim, ele se sente como algo menos do que normal, alguém incomum, mas incomum para o lado negativo. Absolutamente sem graça, absolutamente sem jeito, sem habilidades, nada. Ao longo das duas temporadas fica a vaga impressão que ele é assim por causa de um evento com seu irmão quando os dois eram mais novos, no qual Shigeo parece ter se excedido e, talvez, ferido o irmão.

Trancando o que tem de melhor em si, pouco resta para Shigeo, e ele às vezes parece mesmo ter medo de se destacar em qualquer coisa. Arataka Rengen, um charlatão que finge ter poderes psíquicos e explora Shigeo para ganhar dinheiro, por virtude do tempo que passa com o garoto e pela habilidade que tem com as palavras, acaba conseguindo ajudá-lo a crescer emocionalmente.

Leia as primeiras impressões da segunda temporada de Mob Psycho 100.

 

Net-juu no Susume

Net-juu no Susume

Moriko Morioka era uma mulher normal, que trabalhava em um escritório e pagava as próprias contas. Um dia, cansada de uma rotina que lhe parecia vazia (e que flashbacks indicam que incluía abusos típicos de empresas japonesas), pediu demissão e passou a viver por conta de suas economias enquanto pensa no que fazer.

Com trinta anos, Moriko se viciou em um jogo online e se tornou uma NEET (sigla em inglês para alguém que não está nem empregado, nem estudando, nem em treinamento). Não é uma vida ruim, longe disso. Dentro do game, Moriko se sente viva. Em sua guilda online ela sente que tem um propósito e tem vários amigos que ela considera verdadeiros.

Não obstante, ela precisará um dia voltar à sociedade. E é aí que suas amizades online (especialmente um certo jogador que joga com personagem feminina) serão realmente postas à prova, conforme essas pessoas que ela conhecia apenas pelos avatares vão sendo seus guias no pior game que já foi inventado: a vida real.

Leia a resenha de Net-juu no Susume.

 

Watamote

Watamote

Tomoko Kuroki é absolutamente introvertida. Há quanto tempo, não se sabe, e por que sua família não age a respeito jamais é tratado. Ela já teve amigos? Aconteceu alguma coisa para ela ser assim? Ao contrário da maioria dos protagonistas dessa lista, não é sequer especulado como Tomoko chegou a esse ponto.

Não é hikikomori porque ainda vai à escola, mas é só isso. Ainda que algumas pessoas tenham se mostrado amigáveis com ela, Tomoko é simplesmente introvertida demais para conseguir estabelecer amizades substanciais com elas. Ela se sente mais confortável em seu quarto; jogando, lendo, ou fazendo outras porcarias típicas de adolescentes de sua idade.

Não obstante, ela sente uma inquietação, e no fundo sabe que não pode continuar assim. Suas tentativas de socialização, contudo, são sempre fracassos retumbantes, como seria de se esperar de alguém que não consegue nem fazer um pedido ao caixa de uma loja. Mesmo assim, em cada fracasso há uma minúscula semente de sucesso: ela pelo menos tentou. Ela saiu de casa, ela saiu com outras pessoas. Força, Tomoko!

 

Exceto por dois, todos os protagonistas desses animes são garotas. É esperado, já que são personagens que nos evocam pena, cuidado, e esses são elementos da estética moe que domina os animes desde meados da década passada.

Não são elementos escolhidos ao acaso. Ou você se identifica com as peripécias dessas heroínas (e heróis) trágicos, ou você sente pena deles e deseja protegê-los. Ou ambos!

Qual é o seu caso? E qual anime dessa lista é seu preferido, ou qual acha que ficou faltando?

Conte para todo mundo nos comentários!

 

  1. Bom dia peoples!!! James na área!!! Até que enfim estamos falando de “Welcome to NHK”…E que se faça a justiça a este…A defesa encerra o seu discurso…

    Brincadeira…Encerra nada, o tema é nitroglicerínico e vai dar muito o que falar…E lançamos o ponto: animes virando de entretenimento para terapia coletiva? O que vem primeiro a terapia ou o entretenimento?

    Bem este que vos fala, para mais confundir do que explicar, em sua humilde opinião (e como dizia a minha avó Portuguesa “a opinião é que nem a bunda, todos tem uma e por isso usamos calças”) vos digo: não dá para confirmar se existe uma abordagem cientifico-terapeutica em obras de entretenimento (se alguém souber manda o material que será muito bem vindo), mas que a técnica de “rir de suas proprias tragédias pessoais” ajuda…Isso ajuda…Ainda mais numa sociedade como a japonesa em que o mecanismo da confissão (aceito em sociedades baseadas em conceitos judeo-cristãos) não é valorado para expiação da culpa e muito menos da vergonha (que lá mancha não só quem cometeu o ato, mas sua familia, gerações da familia incluindo aí o gato o cachorro e até o carteiro)…

    E mais uma vez chamando a atenção a “Welcome to NHK”…Esse anime (vi o anime primeiro e o mangá algum tempo depois) foi pioneiro e de “peito aberto”, não se esconde no sub-reptício de uma figura de linguagem foi lá e mostrou a verdade como ela é…”Olha o que está acontecendo com o Tatsuhiro está acontecendo no país todo! Só que sem a comédia!”…

    Mas este psicoanalista (formado nos melhores botecos disponiveis em minha região) vos diz: o anime é ótimo, mas o mangá é mais…O anime é bem amarrado e sintético (perfeito para a midia a que se destina devido as suas limitações) o mangá é bem mais detalhado na construção dos personagens (me surpreendeu a Misaki), a divulgação de redes de assistência para familias e o problema das drogas são pontos abordados interessantissimos …Recomendo a quem se interessar que começe pelo mangá depois vá para o anime…

    E mais um ponto para o Fábio “Mexicano” por trazer a pauta esta resenha que esperava a muito…Abraço a todos!!!

    • Fábio "Mexicano" Godoy

      Olá James, tudo certinho?

      Olha, nada substitui terapia de verdade, mas a ficção, ao reconhecer a existência de certas coisas e lançar luz nelas, pode nos ajudar e nos entendermos melhor e, se for o caso, buscar ajuda profissional. Acho que, para além do valor de entretenimento e do valor literário, essa é uma das funções desse tipo de obra.

      Agora sobre as diferenças entre o mangá e o anime de Bem-vindo à NHK, tem coisas como a que eu mencionei, o anime não menciona explicitamente desde o começo o vício em drogas do protagonista. Os móveis e eletrodomésticos falantes podem ficar parecendo só um delírio aleatório para quem não entendeu que o cara tá é doidão mesmo. Mesmo assim, está lá no anime, só não é óbvio – ele até vai para a clínica de reabilitação, como no mangá. Esse é o ponto que o anime mais tentou edulcorar a história. De resto, não vejo grande diferença. O final é bastante diferente mas, como eu escrevi no texto, acredito que carregue a mesma mensagem. E o apelo da tentativa suicídio ali é até mais forte e explícito do que no mangá.

      Não sei mesmo em que ordem seria melhor … bom, eu li o mangá antes de assistir o anime e estou satisfeito com isso, então sem dúvida não é uma má ordem. Acho que o contrário não ficaria ruim também.

      Obrigado pela visita e pelo comentário 😊

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