Um conto de fadas, um sonho, uma ilusão. Jin-Roh pode ser melhor descrito como um punhal atravessado pelo coração.

Há 20 anos, em 1999, Mamoru Oshii e amigos, lançavam uma releitura do clássico conto de fadas de chapeuzinho vermelho. Com ênfase no vermelho, e com maior ênfase ainda na náusea.

 

Em uma sociedade cindida pela desigualdade, que galga o crescimento e a modernidade na mesma intensidade em que amarra o cabresto da lei sobre a população, estruturas estatais chicoteiam dissidentes e insurgentes. Vozes se somam, um poder paralelo nasce. Um grupo cível paramilitar infla violência em resposta a asfixia social, existencial e política a qual estão submetidos. Esse é o ponto de partida deste filme, mas a história não é sobre isso, é uma história sobre a natureza humana, ou melhor, sobre a bestialidade presente em todos nós.

 

Temos de um lado a população, à qual coadunam interesses diversos, os quais são efetivados junto ao enfrentamento direto. A população se agrupa em milícias e utiliza de táticas de guerrilha urbana. Com o tempo as organizações civis se concentram em uma frente única, chamada de Seita, e esta age com objetivos bem estabelecidos de resistência violenta e planejamento tático estratégico, atentando contra a vida de figuras de poder, ou contra quem seja usado por esse poder como ferramenta de opressão.

Inocência roubada

 

Do outro lado, temos o governo, que para além do uso regulatório efetuado pela força policial normal, cria, exclusivamente para atender à capital, centro do poder econômico e político, uma força paramilitar própria, a polícia da capital, que segue o modelo de ação empregado na segurança nacional, ou seja, usando táticas exclusivas das forças armadas, aprimoradas e adaptadas para combater as guerrilhas urbanas.

Representantes da polícia da capital e da segurança pública

 

Essa força paramilitar se segmenta também junto a um braço burocrático, o qual efetua as mediações adequadas entre as jurisdições e liberdades de cada corporação, servindo também como núcleo da inteligência da polícia da capital. O Órgão mediador nada mais é do que a segurança pública.

O palco está montado. Os peões estão dispostos e devidamente amarrados para serem usados de marionetes no intrincado jogo do poder. Representando a população, temos a cooptada Amemiya, membro da Seita, representando a polícia da capital, temos o soldado Fuse. Ambos dançam no ritmo da melodia implementada por Henmi, um dos pilares da segurança pública, por Muroto, um dos chefes burocratas por detrás da polícia da capital e também atuante na segurança pública, e mesmo por Tohbe, um instrutor e fundador de um outro poder que adentra no tabuleiro, o da contrainteligência perpetrado pelas marionetes, ou no caso, os soldados.

 

O objetivo final dessa partida cínica, deixo para vocês descobrirem ao apreciarem o filme.

Fuse desempenha o papel que lhe cabe, ele é um lobo, alguém refém de sua alcateia, uma figura que por vezes se reveste de ovelha, mas que em essência mantêm a sua voracidade bestial.

Amemiya, uma jovem sem perspectivas e desiludida, busca a redenção dos pecados cometidos, ela não possui forças para acreditar em sua causa, e ao mesmo tempo cede sua desilusão em favor das maquinações políticas de seus captores.

 

Ambos, Fuse e Amemiya, estão perdidos no interior dessa floresta de pedra. Estão sozinhos e relegados aos seus papéis, herdeiros de seus destinos e algozes de seus passados. Condicionado a interpretar o papel de caçador, Fuse rastreia as cordas que buscam puxar o tapete da polícia da capital, ele é apenas o laranja que por simples acaso foi protagonista de uma situação que considero trágica até os ossos, uma escolha impossível sobre a qual não consigo vislumbrar se sua ação foi ou não proposital, planejada ou espontânea. De todo modo, ele quase se explodiu por causa disso, literalmente.

 

Já Amemiya, que nada mais fez do que desempenhar o seu papel de entregadora para os rebeldes, capturada, ela se submete a ser uma isca, um pedaço de carne envenenada que deveria contaminar e comprometer os paramilitares da capital. Ela é descartável, não importa a quem ou ao que ela sirva, não importa a sua ideologia ou crença, ela simplesmente é alguém descartável.

 

Exatamente por sua fragilidade, por sua insignificância e por sua vazia existência, ela é incrivelmente importante. Seja para colocar em prática as ações sensacionalistas que mudariam a balança de poder, seja para ser usada como coringa e fantasma que impede que qualquer mudança nas correlações de forças do tabuleiro se efetue.

 

A situação dos protagonistas, como destaquei no começo, é nauseante. O mundo em que vivem, é bestial. O lobo é o poder, o lobo é aquele que mancha de vermelho as ruas, ou mesmo que mancha de ilusões o discernimento das pessoas. As peças que movem esse cenário são representadas pelos carrascos da matilha, os políticos, mas que também são vítimas dessa selvageria social generalizada. E não é nada surpreendente que diante de tamanha insanidade, uma brigada de lobos insurgentes surja, uma irmandade que protege a si mesma e ao seu território, uma alcateia que devora até a mais frágil flor vermelha nascida nesse cemitério fétido e humano.

Continuo o debate junto ao vídeo nesse link.

  1. Grandes lembranças de Jin Roh…Ou resumindo “daquele tempo que a Bandai se cansava de ganhar dinheiro com brinquedinhos, resolvia financiar um projeto decente, de gente que sabia do riscado, e entregava a pamonha como devia”…

  2. Aliás na época estava com uma vontade de comprar uma figurine da Wolf Brigade, mas aí pensei estatuetinha de um cara usando um Stahlhelm, manuseando Mausers C96 e MG 42 só faltava uma assombração se assenhoreando da estatuetinha e começar a cantar “Das Panzerlied”…Tô fora…

  3. Se for para comprar uma figurine tô doido por uma do Doug Billingham de Double Deckers aquele sim é herói….E não encontro….Mas até do Patlabor tá difícil! Fazer o que!??

  4. Parabéns pelo excelente artigo e video complementar de Jin-Roh Youkai Makai.
    Se me permite, vou concordar contigo sobre a parte das armaduras dos policias.
    Se o canal do Youtube seu já ganhou a minha subscrição (vou elogiar a sua capacidade de desenvolver o tema do filme durante o video, a sua forma de falar natural é muito boa, não cai no cliché de falar segundo um roteiro, quase como um robô).

    • ^^ poxa Kondou-san, grato novamente!!! vlw mesmo mano S2!!! Fico mesmo muito feliz por ter gostado dessa resenha em particular, como já comentei em outra conversa!!! tentei entende ao máximo as complexidades desse filme, e elaborar ao menos dois pontos de vista de entendimento que ele nos inspira!!! alias, essas armaduras são incríveis mesmo, aterrorizantes rsrs… sobre o canal, para além de ser grato por ter se inscrito, tb tenho que concordar contigo, roteiro tem lá suas vantagens, mas eles acabam com os sentimentos do instante, com as palavras que temos que escolher para expressar o que sentimos. escolho fazer os meus videos editando na hora, de modo orgânico, que para além da economia de tempo, garante uma maior espontaneidade e sinceridade no debate!!! to treinando para melhorar a fala e não ficar nervoso rsrs mas é isso ai né, um vídeo de cada vez !!!

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