Hoje apresento mais um OVA, nessa sequência de obras adoráveis e tocantes, que demonstram com força que tamanho não é documento. Assistam a respectiva história de Chico e Gogo aqui (link para o OVA) antes de prosseguirem com a leitura.

Primeiramente gostaria de destacar que o OVA em questão, lançado em 2010 por Ya-Ting Yu, a qual não tenho certeza se é Coreana ou Chinesa, mas sei que é Taiwanesa, enfim, embora ele seja extremamente tocante, é contraditório em igual medida.

 

 

Chico é uma jovenzinha de uns 10 anos, ela deficiente visual, e passeia, enquanto é guiada por seu destemido cãozinho Gogo. Qual a contradição desse OVA? A própria premissa e história em si. Chico, como relatei, tem por característica o fato de ser cega, mas mesmo que seja uma bela história, tocante e singela, ela não pode se comunicar com o público que mais compreenderia a garota, ou seja, os que possuem a mesma característica que ela. Eles não podem apreciar uma obra que lhes diz respeito e se direciona para eles.

Destaco ainda que não devemos entender a deficiência visual como uma incapacidade física, mas sim como uma condição, tal qual não os torna diversos ou diferentes de qualquer um de nós, embora de fato, seja adversidade que implique em uma relação ímpar com o mundo. Quem não é capaz de enxergar com os olhos, assim como bem demonstra Chico e o OVA em questão, enxerga do seu próprio modo.

 

 

Chico é assaltada, sim, é revoltante, ainda mais quando ela é, além de uma criança, ou seja, alguém que não pode se defender, uma garota. Mas será que podemos pensar nela como diferente por ser uma criança, uma garota e uma deficiente visual? A questão do OVA, claramente não é essa. Lanço essa reflexão para que eu mesmo possa pensar sobre o assunto, mas por tabela, os convido a fazer o mesmo. Quando dizemos que uma garota pode se defender de maneira menos eficaz que um garoto, estamos sendo machistas? Ou mesmo quando dizemos que uma criança, que é nitidamente mais frágil que um adulto, é atacada, como devemos nos referir a ela? Ou mais, quando um deficiente visual é atacado, o que podemos pensar a respeito?

 

 

Apenas lanço as questões, eu não possuo as respostas. Mas uma coisa eu sei. Não devemos nos colocar, ou pensar em nós mesmos, como verticalmente diferentes de ninguém. A dica das respostas, está em se pensar em uma solução horizontal, e somada a isso, buscando a equidade das situações e características, singularidades, de cada evento e de cada pessoa envolvida nos mais diversos conflitos.

 

 

Gogo, o cachorro de Chico, com ímpeto e coragem, corre atrás do assaltante. No processo de perseguição, entretanto, acaba por se afastar de Chico, e é exatamente nesse momento que a animação nos entrega o nascimento da fantasia, da realidade, da existência.

Chico teteia pelo desconhecido, sentido a materialidade, a força, a tenacidade do mundo. Dentre o branco virginal, as cores nascem, os sons se propagam, os odores flutuam, o calor preenche os nossos corações que pulsam. Chico se descobre, em meio a aflição do infinito, uma feiticeira, uma jovem bruxa, uma aventureira que desbrava os mistérios da vida.

Munida apenas de sua força e de seu objetivo, ela desvela as vibrações do percurso, os passos que acompanham, que cruzam, o metal e a madeira, o impacto e a intensidade do tato, mesmo a dor. A vitrine de uma superfície que protege e propaga a nutrição, de uma porta que dá acesso aos mais diversos sabores.
A parede que sustenta, os veículos que navegam, como seres aquáticos, por entre os canais que regulam o fluxo do devir. Chico avança por entre amigos, felinos, badalos e sons estridentes que rompem o asfalto.

 

 

De modo semelhante, Gogo avança vitorioso em sua direção. O encontro dos amigos, parceiros e companheiros de percurso, é um abraço.
Esse OVA nos apresenta não apenas a inocente mensagem de inclusão, do vagar e do encontro, onde Chico oferece ao mundo todas as cores e as formas deste, onde carros se transformam em peixes, aviões em baleias colossais que cruzam os céus, mas onde o amor preenche todos os sentidos que enxergam o mundo e toda a sua magnífica forma, todas as tonalidade de sensações.

Gogo, um pequeno herói, não é um guia, mas sim alguém que anda lado a lado com um igual.

Por fim, para redenção dos revoltosos, o ladrão, pobre homem de pouca sorte e muita ganância, se vê acuado entre o medo e o arrependimento enquanto sofre as consequências de seus atos.

 

 

Não tenho real palavras para descrever, embora tenha efetuado essa breve resenha, o quanto esse OVA me satisfaz e me deixa feliz, é uma história simples, e ao mesmo tempo, é uma mensagem de densidade e execução primorosa. Desejo a todos que possam assistir a essa obra, uma reflexão sobre o olhar, sobre como enxergam o mundo e a si mesmos, que ponderem sobre as diversidades de apreensão e de realidade do mundo, que sejam generosos para com tudo aquilo que lhes contempla aos olhos.

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