Me arremesso em um salto que perdurará por pelo menos sete semanas, começando por essa; talvez dure oito, o que seria exatamente o número de suicídios cometidos nesse OVA que eu os convido a acompanhar. Adentrem comigo por este belo jardim, o jardim dos pecados.

 

 

Kara no Kyoukai é um OVA que tem por mérito adaptar uma novel composta por dois volumes, ele o faz ao capitular os momentos da mesma em animações com média de 50 minutos de duração, segmentadas por 7 filmes médios, os quais chamamos de OVAs devido ao fato de que… não sei o porque chamamos isso de OVAs, me perdoem.

Por ser uma adaptação que anima arcos específicos da novel, e que é lançada com uma periodicidade um pouco mais espaçada que animes de TV, o anime toma por liberdade efetivar uma adaptação não linear. Talvez o material original também não seja linear, e se caso assim o for, a adaptação nada mais está fazendo do que seguir à risca a sua base de sustentação.

 

 

O primeiro dos 7 OVAs, o qual aqui resenho, é chamado de Fukan Fuukei, que em uma tradução livre seria algo como, olhar aéreo, visão de cima ou panorâmica. Em inglês ele soa adequadamente e com uma dignidade interessante, assim sendo, Overlooking View.

Retomando o fio da meada, Kara no Kyoukai tem uma adaptação não linear, o que implica que para se entender a história, é preciso coletar os momentos de cada OVA para montar um quebra cabeça que oferece os detalhes da história. Por consequência, essa primeira história é muito nebulosa e nos oferece muito mais questionamentos do que respostas. Talvez esteja sendo generoso, quase não oferece resposta alguma na verdade.

Acompanhamos três protagonistas, Shiki, Mikiya e Touko. Shiki é uma moça fria, apática e que apresenta um semblante vazio e melancólico. Ela mora em um apartamento onde só possui uma cama, uma geladeira, algumas peças de roupa e água. Aparentemente ela não precisa de alimentar, e mais pra frente na história, descobrimos que pelo menos um de seus braços é artificial. Na verdade, é uma espécie de braço biomecânico, mas com o detalhe de parecer ter algum tipo de magia junto a ele, posso estar enganado.

 

 

Shiki é uma personagem muito marcante, ela se veste com um kimono tradicional, uma jaqueta de couro vermelha e uma faca militar. A faca não é uma peça de roupa, é claro, mas o que quero dizer é que esses elementos são muito intensos. Ela é bem misteriosa, e ao mesmo tempo que parece apática, demonstra uma gama de sentimentos fortes que se escondem pelas camadas de sua presença. Parece ter um carinho muito grande para com Mikiya, uma determinação que beira o rancor, o ódio e a insensibilidade. Quando compelida a agir, não hesita em retalhar os seus oponentes.

Mikiya, nesse primeiro OVA, pouco é desenvolvido. O que sabemos do rapaz, é que ele tem um carinho enorme por Shiki, uma afeição generosa, que deseja que ele experimente a vida, que seja feliz, mesmo que através de um sorvete de morango, o qual o faz se lembrar dela, já que ela tem uma jaqueta vermelha. Mikiya se envolve com a antagonista do momento, que está internada, por anos e anos, pois tem uma doença terminal. A antagonista se chama Kirie, ela é herdeira de empreiteiro falido, que construiu um quarteirão de prédios comerciais que agora figuram como um cemitério de concreto.

 

 

Mikiya, por algum motivo, entra em estado vegetativo, em sono profundo, após entrar em contato com Kirie, e Shiki nem sequer percebe isso por metade do OVA.
Eventos estranhos acontecem nesses prédios abandonados, garotas, sem relação alguma umas com as outras, escolhem o lugar para pular, flutuar, cair e morrer. É uma espécie de ritual que se repete dia após dia. O como e o porque ele se apresenta. Vai saber. O que sabemos é que Kirie, nossa antagonista, segmentou a sua consciência em duas, uma permanece em seu corpo físico, a outra vaga como um fantasma seduzindo garotas, que não sabemos se tem ou não predisposição, a cometer suicídio, e depois disso, a flutuar, vagar sem rumo, ao lado de Kirie, como espectros fantasmagóricos.

Aparentemente Kirie tem um poder de sugestão avassalador, sendo que em um momento do OVA, ela consegue controlar o braço de Shiki completamente, mesmo que não consiga afetar a mente da moça, pois ela não tem qualquer vontade de se suicidar.

 

 

É um intrincado interessante, pois Shiki só vai atrás de Kirie, de seu espectro, devido ao fato de perceber que Mikiya está preso, sequestrado, pelo poder da mulher. Paralelamente, temos Touko, nossa terceira personagem principal, que é ainda mais misteriosa que Shiki, ela investiga e encontra Kirie no hospital, o qual uma vez Mikiya já visitou, e conversa com a moça, explica a situação em que se encontra, que é a de negação e fuga, que ela não está enfrentando a realidade. Ela, por sua vez, justifica que a do seu quarto de hospital, tem uma visão aérea constante da cidade, que a janela do quarto se tornou a sua vida. É uma situação trágica, onde sem realmente desejar, fugiu de si mesma e de seu corpo inválido.

Uma fuga sem propósito que arrasta pessoas inocentes com semelhanças em relação a ela. Isso explica o caso dos suicídios, mesmo que apenas parcialmente. Mas não explica o que aconteceu com Mikiya.

 

 

Touko é uma mulher versada em diversas técnicas, incluindo barreiras e membros biomecânicos, e no fim das contas, até o fim desse OVA, não sabemos ao certo qual a relação dela com os outros dois protagonistas, e menos ainda em relação a uma jovem que aparece apenas no final do OVA. Enfim, é uma boa história, centrada em muito suspense e que apresenta inúmeros elementos inexplicáveis, realmente é apenas uma peça de um quebra cabeça ainda em construção. O que é a Shiki, qual o seu poder, quem é Touko, ou mesmo Mikiya, qual a real relação desses três, ou para que serve o local em que se encontram. Não sabemos. O que sabemos é que o mundo possibilita que pessoas possam adquirir habilidades sobrenaturais, tal como Kirie o faz, e que eventos catastróficos podem se desencadear devido a confusão mental de quem desperta esses poderes.

Sobre a parte técnica da obra, a direção, animação trilha sonora e demais elementos, é ótima, não tenho do que reclamar, e muito menos posso reclamar de uma história que se apresenta segmentada, fragmentada, e que só oferece respostas caso os elementos dela estejam adequadamente apresentados. No caso, esse OVA se passa em 1998, e a sua sequência, o segundo OVA, se passa em 1995, o que já indica que novas respostas e novas perguntas estão por vir.

 

 

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