O sexto filme, chegamos ao sexto, ou ao menos eu cheguei né. Enfim, depois de um percurso tenso, onde nos apresentaram os segredos do poder de Shiki, desenvolveram o homem do ano, Mikiya, desvelam o denso, e ainda assim, obscuro, mundo dos magos onde Touko habita.

Estamos próximos do fim do quebra cabeça, poucas peças nos restam as mãos. O desfecho não apresentará respostas e clareza, mas sim a aridez de uma realidade de dimensões que extrapolam, e muito, a compreensão.

Entretanto, neste sexto filme, que funciona como uma ponte e um apêndice ao contexto geral das conexões do cenário que até o momento foram estabelecidas, acompanhamos Azaka, a irmã de Mikiya, e descobrimos os seus reais sentimentos.

O interessante dessa OVA na verdade é o seu desfecho terceiro, o primeiro e segundo plano da história não encantam tanto quanto um momento central que em breve destaco. Antes de debater esse momento, apresento as linhas gerais dos dois planos mais imediatos do filme.

 

 

Azaka estuda em um internato para garotas muito famoso, tanto é que até mesmo a Touko já frequentou o lugar quando jovem. Nesse local, eventos estranhos têm acontecido, eventos que são efeitos colaterais de uma tragédia mal esclarecida. Kaori, uma das alunas do local, tentou cometer suicídio, mas antes de chegar a esse ponto, a trajetória que motivou esse surto, deve ser revelada. Ela perdeu peso, empalideceu, começou a se comportar de modo errático, até que um dia surtou, relatou aos berros estar vendo fadas, correu, se escondeu e tocou fogo em um prédio antigo da escola, aparentemente já fora de uso. O incêndio causado foi controlado e a garota foi salva, mas não sabemos em que condições ela está, o que sabemos, e o OVA nos conduz a saber, é que o que originou esse surto causou ainda mais um distúrbio. E é esse distúrbio que Azaka deve desvendar.

As fadas, entes mágicos, estão roubando memórias das alunas da sala da Kaori, alunas que conviviam com ela diariamente e que nada fizeram em relação a situação limítrofe da garota. Shiki é enviada para auxiliar Azaka, já que ela, Azaka, não pode enxergar essas fadas. O roteiro intrincado do OVA vai se desvelando, e a partir de agora explicarei o que aconteceu com Kaori e o que originou as fadas.

 

 

Hayama, um professor local foi pego usando drogas por Kaori, desesperado e sem noção, ele dopou a menina com heroína, e continuou a drogando por semanas, a viciando na substância completamente. A frágil garota não suportava mais a situação, e estava tendo fortes crises paranoicas, seja por abstinência, seja como efeito de usar a droga. Sua agonia a levou a cometer o ato final, tentar o suicídio, mas de uma maneira bem drástica, tocando fogo no local para onde fugiu. Hayama, que já tinha má fama, após o incidente foi inquerido por sua sobrinha, Misaya, melhor amiga de Kaori, que queria tirar satisfações com o homem, o qual ainda por cima era seu tio.

Ela descobre o que ele fez com sua amiga, eles entram em uma discussão acalorada e Hayama acaba morrendo. Não sabemos que fim levou o seu corpo, mas Misaya, abalada pelo choque da situação e acreditando que matou o homem, desperta o seu poder mágico.

 

 

O poder de Misaya é o de conjurar servos, chamados de fadas, com as seguintes habilidades. Eles podem escutar conversas alheias, pois apenas pessoas instruídas em magia podem enxergá-los, ou que tem uma grande sensibilidade, tanto é que o rumor inicial vinculado ao surto de Kaori, acabou se estabelecendo, pois, pouco tempo depois as fadas de Misaya estavam espalhadas pelo local. Ela coletou informações e percebeu o quanto mal todos estavam falando de Kaori, sua queria amiga. O segundo poder das fadas é o de roubar memórias, Misaya, furiosa com a situação, começou a apagar indiscriminadamente a memória de todas as pessoas em relação aos eventos que prejudicaram a imagem de Kaori. Sua intenção era se vingar de todas, pois não só não ajudaram a sua melhor amiga quando essa estava em sofrimento, como depois do ocorrido, falavam mal dela, espalhando boatos maldosos sobre a mesma.

O mago Satsuki, que estava pela região, é enviado para selar o poder de Misaya. Ele assume a posição de professor no local, substituindo o desaparecido, e falecido, Hayama. O motivo de selar o poder de Misaya é, inicialmente, devido ao fato de ela não estar vinculada a nenhuma ordem de magos, parece ser um procedimento padrão. Entretanto, Satsuki, uma pessoa dúbia e de caráter corrompido, vê a situação como uma oportunidade para se entreter, sim, se entreter, ele estava entediado. Ao invés de cumprir a sua missão, o infeliz começa a treinar e manipular Misaya, para que ela efetive o seu plano de vingança para com a turma.

 

 

Shiki e Azaka investigam o desaparecimento de Hayama, mas quem realmente descobre o que aconteceu com o homem, é Mikiya, que relata que ele morreu devido a uma parada cardíaca, consequência de seu vício em drogas, e não devido a queda que sofreu em seu conflito físico com Misaya. Como Misaya é filha do diretor da escola, e representante do conselho estudantil local, temos que inferir que o incidente onde Hayama venho a falecer, foi acobertado de algum modo, mas fica claro que seu corpo foi periciado, e posteriormente, extraviado.

Azaka tenta coletar informações com as alunas em relação ao evento e sobre Kaori, mas deparasse com a ausência de informações das garotas, que a essa altura já tiveram a suas memórias apagadas por Misaya. Não contente, ela e Shiki arrombam a sala do diretor e descobrem o dossiê da investigação sobre o ocorrido. Munidas de todas as informações que esclarecem os eventos, o que resta e confrontar Misaya, e por tabela Satsuki.

 

 

Azaka batalha com Misaya, ela já tinha interagido com a garota, e sabia o que ela estava fazendo, conhecia a verdade por detrás da tragédia que envolveu Kaori, mas nessa segunda interação, com a posse de toda as peças do quebra cabeça, ela argumenta com força sobre o como a situação e as ações de Misaya não fazem sentido. Misaya conseguiu o poder posteriormente a tentativa de suicídio de Kaori, e ela mesma apagou as próprias lembranças de sua impotência e falta de ação em relação a melhor amiga, ou seja, ela é cumplice, assim como todas as demais alunas da sala, em se afastar de Kaori, e em deixar que ela sofresse todas as consequências que sofreu. Para além disso, se vingar das colegas de sala, matando-as, não faz o menor sentido, elas nada de mal fizeram a Kaori, para além da passividade que até mesmo ela, Misaya, efetivou em relação a situação. Azaka também esclarece que o poder de Misaya não é devido a ela ter matado o tio, mas sim devido ao choque emocional e negação de seu próprio papel apático na história toda. É um poder para ela mesma esquecer de sua fraqueza. E por fim, que está sendo guiada e incentivada por Satsuki, a cometer esses atos destrutivos.

Isso encerra o plot central da obra, Misaya tem que recuar, quase colapsa frente ao próprio poder que se descontrola, mas é salva por Azaka, ela abandona e aceita o que aconteceu, e até mesmo sente falta de Satsuki, o seu mestre, que foge após ver que a peça trágica que estava observando e incentivando não deu frutos.

 

 

O segmento secundário do OVA diz respeito aos sentimentos de Azaka por Mikiya, seu irmão. Ela o ama romanticamente, e por isso tem uma rixa com Shiki, a mulher que roubou o coração do rapaz, e sua namorada. Esse segmento serve para aprofundar a relação entre os irmãos, onde compreendemos o quando Mikiya se tornou uma pessoa de benevolência e generosidade sem igual. Uma pessoa gentil em essência. Azaka se apaixona pelo irmão quando ambos, em luto pela perda de uma pessoa queria a ambos, ele lhe relata que não pode chorar, que tem que suportar a perda, pois chorar é algo tão importante, que só pode ser permitido em relação a bons sentimentos. Sua tristeza é um fardo que ele tem que carregar sem poder expressar. É uma metáfora intensa frente a perspectiva existencial em que ambos a experimentam, diante de um céu cósmico imensurável, amparados pela insignificância frente a transitoriedade e impotência, Mikiya apresenta uma resignação e uma resiliência ímpar, um amor puro que chora por dentro sem derramar lágrimas por fora. Sua irmã se apaixona perdidamente por seu próprio irmão.

Azaka apagou isso de sua memória, negou esse começo de paixão, mas não conseguiu negar as suas consequências, e seu amor se intensificou e não cessa em momento algum. Touko percebe, conta para Shiki, mas Mikiya continua na ignorância completa sobre essa realidade. É claro que é um amor proibido, mas não deixa de ser interessante. Shiki, aliás, respeita o sentimento de Azaka.

 

 

O terceiro segmento diz respeito ao esquecimento de Shiki, ao contrário do de Azaka e do de Misaya, o esquecimento de Shiki não é apenas uma perda de memória. Shiki, ao confrontar Satsuki, o mestre das palavras, que consegue, pela magia da sugestão, manipular os sentidos e ações das pessoas, revela para Shiki que sua memória perdida ainda está dentro de si mesma. A memória perdida de Shiki é a sua própria morte, Shiki ao ter duas pessoas habitando o mesmo corpo, também tinha duas existências, duas vidas, duas memórias. Isso é uma suposição de minha parte, e posso ser refutado pelo OVA final de Kara no Kyoukai, mas acredito que mesmo que ambas as Shikis, que compartilhavam do mesmo corpo e das mesmas sensações, embora enquanto vivas pudessem acessar a presença e sentimentos, pensamentos, uma da outra, mantinham uma posse de lembranças separada uma da outra. A consequência direta da morte de Shiki dois, ou do apagamento de sua consciência, implica diretamente na amnésia, na perda das memórias que a própria Shiki um com ela partilhava. Ou seja, Shiki perdeu metade de suas memórias, de seus sentimentos, de si mesma, ela morreu sem morrer, o luto que presencia é muito mais intenso do que podemos imaginar, o que justifica o grande vazio e a dor imensurável que ela sentiu quando Shiki dois deixou de viver ao lado dela. Shiki experienciou a morte em vida, ela morreu, perdeu a si mesma, mesmo que a parte de si mesma que tenha perdido, seja um outro, um diverso, seja a Shiki dois.

 

 

Esse terceiro segmento é o que mais me instiga, pois explica e muito o sofrimento e o comportamento de Shiki após a morte de sua outra metade, no sentido de habitar e não de ser, mas também no sentido de simbiose, como irmãos siameses, no sentido mental, e não físico. O que Satsuki revela a Shiki é a esperança, a luz de que é possível que Shiki dois acorde, que ela seja completa novamente. Shiki tenta eliminar o mago, fracassa, embora consiga o ferir gravemente, e a tarefa designada a ela a Azaka é completada com êxito. Por fim, e termino o artigo aqui, descobrimos que Kaori passa bem, e que pelo agridoce da vida, existe um amanhã.

 

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